Porque é que a Jordânia e o Egito não querem acolher palestinianos?
Os vizinhos de Gaza e da Cisjordânia acolheram refugiados palestinianos depois da Nakba e da Guerra dos Seis Dias, mas agora rejeitam o plano de Donald Trump para a retirada de palestinianos dos territórios: temem que tal impeça a construção de um estado palestiniano.
Num encontro com Donald Trump em Washington esta terça-feira, 11, o rei Abdullah II da Jordânia rejeitou mais uma vez aceitar qualquer deslocação de palestinianos. A reunião seguiu-se às declarações do presidente norte-americano após ter estado com Benjamin Netanyahu na semana passada: apresentou o seu plano para tornar a Faixa de Gaza na "Riviera do Médio Oriente", o que inclui a deslocação de cerca de dois milhões de palestinianos para outros territórios, especialmente para a Jordânia e no Egito.
A maior parte dos países árabes já rejeitaram qualquer transferência e os palestinianos consideram que Trump quer deslocá-los à força para longe da sua terra natal. Já os líderes israelitas aplaudiram o plano do republicano.
No encontro entre os dois líderes, Abdullah II terá afirmado que a Jordânia pode receber até duas mil crianças que sofram de cancro ou precisem de tratamento médico. No entanto, depois da reunião, fez uma publicação no X em que "reiterou a posição firme da Jordânia contra o deslocamento de palestinianos em Gaza e na Cisjordânia", transmitido o que afirma ser uma "posição árabe unificada".
Já no início da invasão terrestre ao enclave, o Egito e a Jordânia tinham rejeitado a ideia de acolher mais refugiados.
O que leva os países árabes a recusarem-se a receber palestinianos?
Antes e durante a guerra que levou à criação de Israel em 1948, cerca de 700 mil palestinianos fugiram ou foram expulsos das suas casas num evento que ficou conhecido como Nakba, ou "catástrofe" em árabe. Desde então, Israel recusou deixar os palestinianos regressarem às suas casas, argumentando que isso levaria à existência de uma maioria palestiniana dentro das suas fronteiras.
Atualmente, os refugiados resultantes da Nakba, e os seus descendentes, são estimados em cerca de 6 milhões. Construíram grandes comunidades em Gaza, na Cisjordânia ocupada por Israel, Jordânia, Líbano e Síria.
Em 1967, durante a Guerra dos Seis Dias, Israel tomou a Cisjordânia e a Faixa de Gaza e mais 300 mil palestinianos fugiram das suas casas, sobretudo para a Jordânia. Hoje em dia o reino de Abdullah II é casa para mais de 2 milhões de palestinianos: grande parte deles receberam entretanto a cidadania jordaniana.
A questão dos refugiados palestinianos tem sido um ponto fundamental no conflito e foi um dos motivos pelos quais as negociações para a paz de 2009 fracassaram: os palestinianos reivindicam o direto de regressar às suas casas enquanto Israel acredita que devem ser absorvidos pelos países árabes.
Depois dos últimos quinze meses de bombardeamentos, muitos palestinianos consideram o que se seguiu ao ataque do Hamas a 7 de Outubro de 2023 como uma nova Nakba e acreditam que se saírem de Gaza, serão impedidos de regressar - algo confirmado pelos EUA.
Que impacto tem esta proposta nas relações dos países árabes com Israel?
Apesar de a Jordânia e do Egipto terem normalizado as relações com Israel durante os últimos anos, também apoiam a criação de um estado palestiniano na Cisjordânia ocupada, Gaza e em Jerusalém Oriental e temem que o deslocamento permanente da população de Gaza torne a criação do estado palestiniano impossível.
O presidente egípcio, Abdel Fattah el-Sisi, também alertou para as possíveis implicações de segurança aliadas à transferência de muitos palestinianos para a Península de Sinai. Isto porque o Hamas e outros grupos estão atualmente muito enraizados na população e podem mover-se com os refugiados, aumentando a possibilidade de futuras guerras serem travadas em solo egípcio.
Foi isso que aconteceu na década de 1970 quando a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) de Yasser Arafat, o principal grupo militar da época, transformou o sul do Líbano numa zona de onde se iniciavam vários ataques contra Israel. O aumento do número de refugiados e as ações da OLP foram até um dos motivos pelos quais o Líbano se viu mergulhado numa guerra civil em 1975 que acabou por durar 15 anos e motivar as duas invasões de Israel ao Líbano (1982 e 2000).
A Jordânia também entrou com conflito com a OLP e consegui expulsar a organização do seu território em 1970.
Há muito tempo que os ultranacionalistas israelitas têm sugerido que a Jordânia seja considerado um estado palestiniano para que Israel possa anexar a Cisjordânia, uma vez que consideram que aquele espaço é visto como o coração bíblico do povo judeu, algo que a monarquia da Jordânia já rejeitou.
O plano de Trump para Gaza pode também ter impacto nos esforços feitos nos últimos anos para intermediar a normalização das relações diplomáticas entre Israel e a Arábia Saudita. Esta última agora afirma que não vai estabelecer laços com Israel sem a criação de um estado palestiniano.
Trump pode forçar o Egito e a Jordânia a aceitar refugiados?
O presidente norte-americano já referiu que não tenciona ceder à rejeição generalizada dos países árabes, garantindo: "Vamos apoderar-nos dela. Vamos mantê-la, vamos acarinhá-la. Vamos acabar por conseguir que o território funcione, serão criados muitos empregos para as pessoas do Médio Oriente".
Os EUA imporem tarifas ou sanções económicas diretas pode ser devastador para a Jordânia e para o Egito, especialmente porque os dois países recebem anualmente milhões de dólares americanos em fundos de apoio e o Egito vive uma grave crise económica.
Trump já afirmou que pode cancelar os programas de ajuda, mas depois da sua reunião com Abdullah II, preferiu referir apenas: "Contribuímos com muito dinheiro para a Jordânia e, já agora, para o Egito. Mas não preciso de fazer ameaças. Acredito que estamos acima disso".
Depois do encontro com o rei da Jordânia, o republicano afirmou: "Acredito que teremos uma parcela de terra na Jordânia. Acredito que teremos uma parcela de terra no Egito. Poderemos ter outro lugar, mas penso que, quando terminarmos as nossas conversações, teremos um lugar onde eles viverão muito felizes e em segurança".
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