Secções
Entrar

E se o Papa não conseguir governar a Igreja?

Diogo Barreto 25 de fevereiro de 2025 às 07:00

O Papa Francisco tem estado a trabalhar a partir do hospital, onde se encontra há onze dias. O direito canónico é omisso na eventualidade de o líder da Igreja ficar incapacitado, mas Francisco já manifestou desejo de sair caso tal ocorresse.

Há apenas duas formas de um Papa deixar de o ser: ou morre ou renuncia ao seu mandato. Mas o estado de saúde do Papa nas últimas duas semanas levanta questões sobre o que acontece se o bispo de Roma estiver incapaz de liderar a Igreja Católica, mas estiver também incapaz de renunciar. O direito canónico é omisso neste ponto, mas a Igreja nunca fica sem liderança, mesmo que o Papa fique em coma.

REUTERS/Ciro De Luca/File Photo

O plano a pôr em prática em caso de morte de um Papa em funções está bem delineado e foi já implementado centenas de vezes ao longo dos séculos. O mesmo acontece para papas que decidam renunciar ao cargo (apesar de só ter ocorrido seis vezes na história). Contudo, a renúncia tem de ser feita por um padre de "livre" vontade e de forma bem expressa, como fez o Papa Bento XVI em 2013. O que acontece se o Papa Francisco, que está internado há dez dias com uma pneumonia, estiver incapaz de fazer essa renúncia? Entra em marcha a máquina do Vaticano que assegura as funções do bispo de Roma, mesmo que ele não consiga. Mas o Papa continua a ser o Papa. 

Atualmente, mesmo estando hospitalizado com uma pneumonia grave há mais de uma semana, o Papa continua a liderar a Igreja. De acordo com as notícias avançadas pelo Vaticano, o bispo de Roma continua a trabalhar, apesar de ter delegado muitas das suas tarefas do dia a dia para as equipas que o auxiliam nas suas várias funções. 

Nas suas últimas entrevistas, questionado a propósito dos seus problemas de saúde, Francisco reconheceu que não tencionava resignar, a não ser que surgisse algum problema grave de saúde e ficasse demasiado limitado para poder governar. 

Mas o próprio Papa escreveu, quando foi nomeado, uma carta de demissão que deveria ser invocada caso chegasse a um estado em que estava medicamente incapacitado. A existência dessa carta foi revelada pelo próprio, mas não se sabe o conteúdo da mesma. O chefe da Igreja Católica disse que assinou a carta de demissão e a remeteu ao secretário de Estado do Vaticano, Tarcísio Bertone. "Assinei a demissão e disse-lhe: 'Em caso de impedimento médico ou outro, aqui está a minha demissão. Tem-la", declarou em entrevista ao ABC. Bertone reformou-se em outubro de 2013, meses depois do conclave que elegeu Francisco. O Papa disse não saber o que aconteceu à carta.

Porém, não é claro se o documento é válido: a renúncia tem que ser "manifestada livremente e de forma própria", como fez Bento XVI. 

Também o Papa Paulo VI escreveu cartas em que pedia, caso ficasse gravemente doente, para aceitarem a sua demissão. A carta nunca foi usada porque Paulo viveu mais 13 anos, e morreu a fazer o seu trabalho, aponta a Associated Press. 

O que diz a lei canónica?

Segundo o direito canónico, quando um bispo está incapaz de exercer as suas funções, fica a cargo do bispo-auxiliar ou do vigário-geral a gestão da diocese. Mas no caso do Papa estar incapaz (por exemplo, em estado comatoso) o direito canónico refere que nada pode ser alterado enquanto esta situação se mantiver. Na hipótese do Papa ficar em estado vegetativo, mantém-se esta situação até que o Papa esteja lúcido novamente e capaz de renunciar, ou quando morrer e for nomeado um substituto. 

Esta situação de omissão no caso do Papa ser incapaz de renunciar levou uma equipa de advogados de direito canónico a propor, em 2021, alterar a lei para preencher esta falha jurídica, sublinha a agência noticiosa Associated Press. Os proponentes defendiam que com o avanço médico chegaria uma altura em que o Papa continuaria vivo, mas incapaz de governar. Defendiam ainda que a Igreja devia definir quando é altura de substituir o Papa por impedimento e fazer uma transferência de poder para um novo bispo de Roma, em "nome da unidade".

A renúncia ainda é uma hipótese?

A hipótese do Papa Francisco renunciar ao seu mandato tem sido aflorada entre jornalistas e cardeais. Após vários dias de internamento, o cardeal Gianfranco Ravasi, ex-Prefeito da Cúria para a Cultura, levantou a hipótese, na passada quinta-feira, 20 de fevereiro, a hipótese da renúncia papal. "Penso que o Papa o poderá fazer", explicou Ravasi numa entrevista à RTL Itália, dizendo que apesar de o Papa ter sempre mostrado vontade de continuar a exercer o seu mandato, se ficar impedido de contactar com os fiéis e de comunicar diretamente com os cardeais pode decidir renunciar. 

O atual decano do colégio de cardeais, o cardeal Giovanni Battista Re, por sua vez, assegurou que "o Papa não vai renunciar". Já o cardeal Pietro Parolin classificou de "especulações inúteis", as vozes que falam em demissão. "Agora pensamos na saúde do Santo Padre, na sua recuperação, no seu regresso ao Vaticano, são as únicas coisas que importam", afirmou o Secretário de Estado do Vaticano. "Acho bastante normal que nessas situações se espalhem boatos descontrolados ou que se faça algum comentário inapropriado: certamente não é a primeira vez que isso acontece", acrescentou.

O que acontece quando um Papa morre ou renuncia?

No caso do Papa renunciar ou morrer, dá-se início a vários processos, incluindo a preparação das cerimónias fúnebres e a organização de um conclave para eleger um sucessor. 

No caso da morte, tudo começa com a confirmação da morte do bispo de Roma que é anunciada pelo camerlengo (um alto responsável do Vaticano). O atual camerlengo é o cardeal Kevin Farrell. Farrell irá confirmar o óbito que atualmente é declarado por médicos. Posteriormente é destruído o Anel do Pescador, o anel que é utilizado pelo Papa e que contem o carimbo para marcar documentos oficiais. O camerlengo anuncia então a morte do Papa ao Colégio de Cardeais antes de a notícia ser anunciada ao mundo.

Depois o corpo do Papa ficará exposto na Basílica de São Pedro durante nove dias para que os fiéis possam prestar as últimas homenagens. Posteriormente, o Papa é sepultado. 

No caso da renúncia o processo é diferente. Apesar de ter acontecido apenas seis vezes, há também todo um processo criado para esta situação. O último a renunciar foi Bento XVI, em 2013, sendo o primeiro Papa a fazê-lo desde Gregório XII, em 1415. Bento XVI repetiu os cerimoniais anteriores, fazendo a sua renúncia em latim e num evento público, garantindo estar em pleno poder das suas faculdades mentais. 

Artigos Relacionados
Descubra as
Edições do Dia
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui , para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana.
Boas leituras!
Artigos recomendados
As mais lidas
Exclusivo

Operação Influencer. Os segredos escondidos na pen 19

TextoCarlos Rodrigues Lima
FotosCarlos Rodrigues Lima
Portugal

Assim se fez (e desfez) o tribunal mais poderoso do País

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela
Portugal

O estranho caso da escuta, do bruxo Demba e do juiz vingativo

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela