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Há vacina para a doença do Papa e deve mesmo fazê-la. Saiba porquê

Lucília Galha
Lucília Galha 19 de fevereiro de 2025 às 20:14
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Há cinco vacinas contra a pneumonia em Portugal e é possível fazer mais do que uma e aumentar a proteção, consoante as necessidades. Maiores de 65 anos e pessoas com o sistema imunitário comprometido estão na linha da frente.

É a doença que está na ordem do dia por causa do Papa Francisco. O líder da Igreja Católicatem uma pneumonia bilateral– que afeta ambos os pulmões. A condição é das principais causas de morte em termos globais. Em Portugal é "responsável por cerca de 80 internamentos com 16 óbitos por dia", detalha o dirigente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, Luís Rocha. Já em Itália provoca por ano a morte de cerca de 11 mil pessoas, segundo o diário italianoIl Sole 24 Ore.

REUTERS/Ciro De Luca/File Photo

À semelhança do que acontece com a gripe é possível preveni-la. Há até mais do que uma vacina disponível. A eficácia não sendo 100%, "é muito boa", diz o pneumologista ouvido pela SÁBADO. Em Portugal, tal como em Itália, a vacinação é recomendada a partir dos 65 anos. E é quase certo que o Sumo Pontífice estará vacinado, mas o caso em concreto é especialmente peculiar.

Razão: "O fator idade, a alteração estrutural do pulmão já preexistente [Francisco retirou parte do pulmão] que é facilmente colonizável por bactérias que vão criando resistência ao longo do tempo, ou seja, os antibióticos introduzidos podem não fazer efeito, são complicações que podem ter uma evolução mais desfavorável", explica Luís Rocha. Além de que as vacinas disponíveis só protegem contra o agente mais frequente da pneumonia (já lá vamos).

Para o especialista, as notícias sobre a saúde do Papa podem ajudar a transmitir uma mensagem: a importância da vacinação contra esta doença – menos falada que a gripe ou mesmo que a Covid. Saiba que grupos estão mais vulneráveis a sofrer consequências graves de uma pneumonia (como o Papa), qual é a efetividade da vacina e o que está em causa se não se proteger.

O que é a pneumonia?

Dito de uma forma muito simples é uma inflamação que afeta os pulmões, mais concretamente "a zona profunda destes órgãos, que são os alvéolos, onde se fazem as trocas gasosas", concretiza o pneumologista. "O espaço alveolar, que é uma área grande, fica preenchido por conteúdo inflamatório, líquido, células, etc., o que não deixa acontecer as tais trocas gasosas, e pode levar à falência respiratória", explica.

Ainda que muitas vezes surja associada a uma outra infeção respiratória, a pneumonia pode aparecer por si só. Contudo, quando apanhamos um vírus, ficamos mais vulneráveis, há uma perda de imunidade. "Pode criar-se um terreno próprio para a sobreinfeção, para que as bactérias possam crescer", aponta o especialista. O que também acontece se houver doenças associadas.

Quem está mais vulnerável à doença?

Os mais vulneráveis são sempre os mais velhos. Porquê? Porque têm as defesas mais comprometidas. "Ao longo da nossa vida vamos perdendo defesas, a imunidade que adquirimos ao longo das nossas experiências e convivências", diz Luís Rocha, que é também diretor do serviço de Pneumologia do IPO do Porto.

A partir dos 50 anos começa a haver uma quebra significativa, explica o profissional – daí que, aos seus doentes, comece logo nesta idade a dar indicação para fazerem a vacina. A partir daí é cada vez mais acentuada essa perda. Além disso, e como referido anteriormente, pessoas com doenças associadas e a imunidade comprometida também estão em maior risco. E para esses grupos a vacina está recomendada - e nalgumas situações até é gratuita (ver a penúltima pergunta).

Em Portugal, a pneumonia é responsável por cerca de 80 internamentos com 16 óbitos por dia.

Luís Rocha, dirigente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia

Que vacinas existem?

Em Portugal estão disponíveis cinco vacinas diferentes contra a pneumonia, que podem ser organizadas em dois grupos: as mais antigas, cujo efeito se vai perdendo ao longo do tempo, o que significa que requerem que se faça um reforço – semelhantes à da gripe, que se faz anualmente –; e as mais recentes, as chamadas vacinas conjugadas. "É uma vacina que é administrada e que cria memória futura. Têm recomendação para ser feitas só uma vez", explica.

Tanto num como no outro grupo, as vacinas só protegem contra o agente mais frequente da pneumonia, uma espécie de bactérias chamada pneumococos. "Mas cada vacina em particular protege contra um determinado conjunto de serótipos [grupo de micro-organismos], o que significa que podemos conjugá-las e ter sinergias relativamente aos serótipos que umas cobrem e outras não, com benefício para o doente", diz o profissional de saúde, que trabalha ainda no Hospital dos Lusíadas do Porto.   

A curto prazo vai surgir ainda mais uma vacina no mercado, avança.

Quem tem indicação para ser vacinado?

Qualquer pessoa com idade igual ou superior a 65 anos. Mas, considerando que é uma importante causa de mortalidade (representa 4,2% da totalidade dos óbitos em Portugal), o pneumologista considera que a abordagem deve ser feita a partir dos 50 anos. "É preciso despertar para a questão da vacina, ainda encontro muitos doentes na minha consulta que me aparecem pela primeira vez numa faixa etária já com indicação e que nunca a fizeram na vida", diz à SÁBADO

Para alguns grupos específicos, a vacina é gratuita mediante justificação médica. É o caso, por exemplo, das pessoas com infeção respiratória crónica, transplantados – e também candidatos a transplante, quando já estão incluídos na lista de espera ativa –, doentes oncológicos e algumas situações em que o sistema imunológico está enfraquecido

Quanto ao esquema, depende do doente, embora "os critérios obedeçam às normas", esclarece o especialista. "Se tenho de optar por uma vacinação num doente que nunca fez vacina, escolho se calhar aquela que tem memória porque é mais eficaz, recente e tem serótipos alargados. Aquele que já fez no passado uma vacina, das mais antigas, posso conjugar então uma outra como complemento", detalha.

As vacinas disponíveis custam entre 30 a 40 euros. Para os maiores de 65 anos, que não se incluam nos grupos específicos, há um regime especial de comparticipação de 69%.

A vacina é eficaz?

Obviamente que não é 100%, mas a eficácia está entre os 70 e os 80%, "o que é muito bom", diz Luís Rocha. Isso explica que mesmo algumas pessoas que estão vacinadas possam contrair a doença, mas também há outro fator. "O doente pode ter o azar de ter um serótipo que não esteja coberto pela vacina, ou seja, pode ter uma infeção por outros agentes bacterianos para os quais a vacina não tem cobertura", alerta o especialista. Ainda que a vacina proteja contra o conjunto de bactérias mais comum.

Não querendo entrar em especulações, o profissional de saúde admite que possa ser essa a situação do Papa Francisco. "Quase com toda a certeza que ele fez a vacina anti-pneumocócica mas pode haver aqui, além de tudo o resto (fator idade e alteração estrutural do pulmão), outro perfil de bactérias envolvidas", explica.   

E remata: "É sempre um jogo de probabilidades: posso atravessar a rua numa passadeira e ser atropelado, mas não vou atravessar fora da passadeira, porque a probabilidade de isso acontecer é maior", diz.

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