Diploma já está em vigor, mas PSD aceitou fazer alterações ao mesmo. Especialistas dividem-se sobre riscos associados à lei.
O Parlamento aprovou esta sexta-feira alterações ao decreto-lei que permite reclassificar solos rústicos em urbanos para habitação (também conhecida por lei dos solos). A lei polémica está em vigor desde o final de janeiro depois de ter sido aprovada em dezembro de 2024, mas BE, PCP, Livre e PAN solicitaram a sua apreciação parlamentar e o PSD aceitou fazer modificações ao diploma, gerando um entendimento com o PS. O que muda?
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Os efeitos da lei
O ministro Adjunto e da Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida, assegurou que a alteração à lei dos solos "vai baixar o preço das casas" e é "absolutamente anti-especulativa".
Com esta nova lei passa a ser possível construir em terras com "aptidão moderada para o uso agrícola", aptidão marginal ou condicionada "a uso específico", ou solos com "riscos de erosão elevados" e "excesso de água ou uma drenagem pobre".
O Governo diz no decreto-lei que a maior disponibilidade de terrenos "facilitará a criação de soluções habitacionais que atendam aos critérios de custos controlados e venda a preços acessíveis, promovendo, assim, uma maior equidade social e permitindo que as famílias portuguesas tenham acesso a habitação digna". Uma das alterações pedida pelo PS que foi aprovada foi precisamente a de trocar habitação de "valor moderado" por "arrendamento acessível" ou "a custos controlados".
O regime especial de reclassificação assegura que pelo menos 70% da área total de construção acima do solo se destina a habitação pública ou a habitação de "valor moderado", e que "existam ou sejam garantidas as infraestruturas gerais e locais".
No entanto, especialistas acreditam que esta lei pode levar a um aumento dos preços do terreno já que os donos destes podem reabilitá-los para construção e até vendê-los aos atores do mercado que vão ficar sem construir, ou então constroem sem os vender para esperar pelo aumento do preço da habitação.
O advogado José Diogo Marques, da KGSA & Associados, explica que esta lei não vem facilitar a requalificação dos solos e não resolve problemas. Explica que desde 2015, devido a uma lei da troika, a reforma da lei dos solos redefiniu novos critérios para a classificação dos mesmos. Mas assegura que "a lei é um bocado inócua".
O que gerou polémica
A principal polémica está relacionada com o facto de a nova lei permitir a construção de casas em terrenos rústicos onde era impossível construir. Mas para isso os terrenos devem ser previamente convertidos em terrenos urbanos. Liberta-se assim mais espaço para construção em terrenos anteriormente dedicados à agricultura ou silvicultura.
A versão final do diploma deixou cair o arrendamento acessível como critério para que os municípios possam autorizar a conversão de solos rústicos em solos urbanos, criando apenas a necessidade de 70% da habitação ser utilizada como habitação pública ou de "valor moderado". Este é um termo introduzido por este Governo e definido como habitações onde "o preço por metro quadrado não exceda o valor da mediana de preço de venda por metro quadrado de habitação para o concelho da localização do imóvel, até ao máximo de 225% do valor da mediana nacional", tendo em conta os valores dos imóveis novos e usados nos últimos três meses. Isto significa que a nível nacional o valor não pode ultrapassar os 3.906 euros por metro quadrado.
Críticas surgiram sobre a possibilidade de haver uma menor regulação de planeamento territorial, o que pode levar a uma expansão urbana desordenada e até, possivelmente, a construção urbana em espaços que não estão ligados à cidade. Uma das alterações introduzidas pelo PS é a de "contiguidade com o solo urbano, enquanto consolidação e coerência da urbanização a desenvolver com a área urbana existente".
As organizações Associação Evoluir Oeiras, Associação Natureza Portugal/WWF, Campo Aberto, Fapas, GEOTA, Liga para a Proteção da Natureza (LPN), Quercus, Zero, SOS Quinta dos Ingleses e Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) uniram-se "em apoio à habitação pública em zonas urbanas consolidadas", reabilitação de imóveis devolutos e "reconversão de edifícios de escritórios" para "habitação a custos controlados".
Houve ainda baixas no Governo devido a esta lei. O ex-secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, Hernâni Dias, não declarou à Entidade para a Transparência a sociedade Prumo, Esquadria e Perspetiva, empresa do setor imobiliário criada 13 dias antes da aprovação da alteração à lei dos solos, o que ditou a sua saída do Executivo.
Mais de 600 especialistas e antigos responsáveis políticos criticaram, numa carta aberta, promovida pela Rede H – Rede Nacional de Estudos sobre Habitação, a medida do Governo, por considerarem que não resolverá a crise de habitação e prejudicará o ambiente. "Irá ainda fragmentar solo rústico essencial à nossa segurança alimentar e potenciar uma valorização súbita dos terrenos rústicos para fins imobiliários, inibindo o seu uso produtivo", sublinharam.
Há risco de aumento de corrupção?
A Frente Cívica, uma associação da sociedade civil, apela à revogação deste decreto-lei, alertando que pode abrir a porta à corrupção pois vai "estimular a promiscuidade entre autarcas, partidos políticos e especuladores imobiliários" e terá "um efeito oposto ao desejado".
O advogado José Diogo Marques afirma que "não faz qualquer sentido achar que esta nova lei vai fazer aumentar a corrupção". "O que está aqui em causa é permitir aos municípios decidirem sobre o seu próprio território", defende o advogado da KGSA & Associados.
Em audição parlamentar, a arquiteta Helena Roseta considerou que o risco de corrupção apontado à construção em solos rústicos se combate com transparência, divulgando consultores do Governo e autarquias, e defendeu a fundamentação na mudança de usos dos terrenos.
As propostas de alteração
Na votação na especialidade, ocorrida quarta-feira, foram aprovadas alterações do PSD, PS e Iniciativa Liberal (IL) e recusadas propostas do Chega, BE e Livre.
Entre as principais propostas de alteração do PS aprovadas está a substituição do conceito de habitação de "valor moderado" - utilizado pelo Governo - por "arrendamento acessível" ou "a custos controlados". José Diogo Marques diz que esta é a alteração mais significativa que se conhece.
A reposição do critério territorial de "contiguidade com o solo urbano", para consolidação de área urbana existente, também foi aprovada, assim como a revogação da possibilidade de construir habitação destinada ao alojamento de trabalhadores agrícolas fora das áreas urbanas existentes.
Os sociais-democratas incluíram ainda a medida que propõe a necessidade de demonstração do impacto da reclassificação dos solos nas infraestruturas existentes, bem como dos encargos do reforço dessas infraestruturas.
O que é preciso para requalificar o seu terreno rústico?
Será preciso comunicar à câmara municipal se a propriedade rústica tem potencial para vir a ser um espaço de construção. E as autarquias só o podem permitir se a reclassificação de solos rústicos em urbanos tiver como finalidade construção habitacional e que um mínimo de 70% da área total de construção será destinado a habitação pública, arrendamento acessível ou habitação a custos controlados.
Depois de ser aprovada a requalificação do terreno, as obras devem estar concluídas no prazo de cinco anos. Só por razões excecionais esse prazo poderá ser prolongado e, mesmo assim, só se o processo de construção já tiver começado.
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