Trouxe a inteligência artificial para a vanguarda do discurso público e gerou apreensão e fascínio. Dois anos depois do seu "nascimento", o que reserva o futuro para este chat?
O ChatGPT nasceu há dois anos. Não sendo um produto revolucionário na indústria, inaugurou um novo capítulo tecnológico na sociedade, introduzindo o conceito de large language model (LLM, ou modelo de linguagem de grande escala) e inteligência generativa a milhões de pessoas e lançando discussões públicas sobre a evolução da inteligência artificial (IA) e as suas implicações no futuro.
REUTERS/Dado Ruvic/Illustration/File Photo
A semana passada, Nick Turley, o diretor de produto da OpenAI - a empresa dona do ChatGPT -, assumiu, em entrevista ao podcastHard Fork do New York Times, que o sucesso deste modelo de linguagem o apanhou de surpresa, não estando preparado para uma explosão tão grande. A empresa acreditava que poderia vir a ter 100 mil utilizadores na primeira semana. O ChatGPT atingiu um milhão de utilizadores cinco dias depois de ter sido lançado, no final de novembro de 2022. Atualmente, tem 180 milhões de utilizadores mensais ativos.
Rui Duro, country manager da Check Point Software Technologies em Portugal, diz que desde o advento do ChatGPT houve vários avanços significativos na IA. "Vimos uma expansão no tamanho e na eficiência dos modelos de linguagem, a integração de múltiplas modalidades (como texto, imagem e som) e melhorias na personalização e controlo", elenca, afirmando ainda que surgiram outras inovações que permitem "uma maior ênfase na redução do consumo energético e no treinamento de modelos mais verdes".
O representante da Check Point Software Technologies em Portugal defende que o sucesso do ChatGPT se deve a uma combinação de fatores. "Primeiro, o produto em si era disruptivo: uma interface de IA que finalmente trazia a inteligência artificial generativa para o uso quotidiano, com um nível de interação e utilidade que captou a atenção do público. No entanto, o contexto social também foi essencial", sublinha, afirmando que após a pandemia, o mundo estava já mais aberto a uma "aceleração da transformação digital". Mas reconhece que é impossível contornar o papel do marketing neste sucesso.
Num artigo de opinião, Arlindo Oliveira escreve que "parece difícil acreditar que passaram apenas dois anos, face a todas as inovações tecnológicas que tiveram lugar neste período". O professor do Instituto Superior Técnico (IST) e presidente do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores (INESC) defende, nesse texto do jornal Público, que "a disseminação viral do entusiasmo pelo ChatGPT mudou radicalmente a perceção que a sociedade tem das tecnologias de inteligência artificial". Nos últimos dois anos a IA passou de ser estudada em laboratórios e usada de forma "inconsciente" para estar presente em milhares de artigos e ser usada para criar memes nas redes sociais e fazer trabalhos de casa para alunos do básico.
O advento do ChatGPT trouxe consigo muitos medos para a população em geral e centenas de especialistas vieram a público dizer que eram medos infundados, enquanto outras centenas disseram que era um medo legítimo. Rui Duro acredita que a verdade está algures no meio destas declarações. "Por um lado, muitos dos medos iniciais eram exagerados, alimentados pela falta de conhecimento sobre como a IA realmente funciona. Medos como a substituição total de empregos ou um colapso ético iminente subestimam a complexidade da implementação prática e as salvaguardas que podem ser construídas. Por outro lado, os riscos são reais e não devem ser ignorados", sublinha, lembrando os usos maliciosos da IA - como o phishing automatizado e a divulgação da desinformação - e como a "dependência excessiva de modelos ainda em evolução são desafios justificados que precisam de atenção contínua". Destaca ainda a importância que "líderes em cibersegurança" como a Check Point Software Technologies têm na mitigação de riscos associados a esta tecnologia.
Quanto ao impacto no emprego, o Fórum Económico Mundial prevê que entre o segundo e o terceiro aniversário a inteligência artificial (em todas as suas formas) possa substituir até 85 milhões de trabalhadores. Mas maior parte das previsões a longo prazo apontam que o que vai acontecer acima de tudo é a alteração da forma como as pessoas trabalham.
Dois anos de festa e preocupação
Duas críticas têm sido tecidas de forma regular a estes novos modelos. O primeiro está relacionado com as suas aplicações. É comum ver comentários nas redes sociais de utilizadores que se queixam de que querem que a inteligência artificial os liberte de tarefas como lavar pratos e a casa para lhes dar tempo para escreverem, desenharem, etc., e não o contrário. Criticam assim a forma como a IA se tem desenvolvido no campo da geração de arte e texto e aparentemente estagnado na capacidade de desenvolver tarefas mais rotineiras e às quais prometia vir pôr cobro.
A outra crítica tem estado relacionada com o impacto ambiental. Há vários estudos que apontam para que a utilização destas ferramentas tem um efeito de aumento das emissões de gases de efeito estufa e a poluição. Um estudo publicado na revista Nature Climate Change, em 2022, estimou que a IA poderá representar 10% das emissões globais de gases de efeito estufa até ao ano 2040. Mas Rui Duro é da opinião que com o avançar da tecnologia, estes problemas vão tornar-se cada vez menores.
A massificação da IA potenciou igualmente o aparecimento de burlas e outros esquemas online. Os especialistas reconhecem que graças à IA é mais fácil identificar essas burlas, mas que a tecnologia facilita mais a vida àqueles que querem prejudicar outros. Os deepfake são uma das principais ameaças potenciadas pela IA, por exemplo.
Há ainda queixas institucionais contra o modelo de negócio da IA. A OpenAI foi processada por jornais por utilizarem o seu conteúdo para "alimentar" a inteligência artificial. O jornal norte-americano The New York Times avançou com um processo contra a Microsoft e a OpenAI por violação de direitos de autor. Estas empresas usaram milhões de artigos que pertencem ao jornal para desenvolverem chatbots e outros produtos que operam com recurso a IA. O New York Times refere que estas empresas recorreram ao arquivo que contém milhões de artigos escritos ao longo dos anos da sua existência para "treinar" os programas.
E qual o principal desafio para o ChatGPT neste caminho até ao terceiro aniversário? "Equilibrar a escalabilidade e a segurança. Com a tecnologia cada vez mais acessível e integrada, a superfície de ataque para agentes maliciosos também aumenta. O ChatGPT terá de lidar com questões como segurança cibernética, confiabilidade das informações e proteção da privacidade dos dados a uma escala global. Outro desafio será evitar a estagnação tecnológica e garantir que continua a evoluir para responder às expectativas crescentes, mantendo uma linha ética e social", defende Rui Duro.
Para poder adicionar esta notícia aos seus favoritos deverá efectuar login.
Caso não esteja registado no site da Sábado, efectue o seu registo gratuito.
O humor deve ser provocador, desafiar convenções e questionar poderes. É um pilar saudável da liberdade de expressão. Mas quando deixa de ser crítica legítima e se transforma num ataque reiterado e desproporcional, com efeitos concretos e duradouros na vida das pessoas, deixa de ser humor.
Trazemos-lhe um guia para aproveitar o melhor do Alentejo litoral. E ainda: um negócio fraudulento com vistos gold que envolveu 10 milhões de euros e uma entrevista ao filósofo José Gil.