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Caos na saúde é resultado do "enfraquecimento do SNS", acusam médicos e enfermeiros

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Sindicatos elencam falta de investimento no Sistema Nacional de Saúde como principal problema, e acusam Governo de "falta de vontade política" para com o setor público.

A chegada do mês de agosto é tipicamente prenúncio de problemas para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), que no pico do verão começa a acusar o peso das férias e da falta de profissionais, com serviços fechados, pressão de horas extra e falta de capacidade de resposta por parte dos serviços de urgência. Atendendo a estes problemas, o próprio Presidente da República indicou, na sexta-feira, ao jornal Público que "espera o fim do verão para, eventualmente, formular juízo sobre a matéria". Adiantando ter criado "expectativas muito altas" perante a apresentação do plano de emergência do Governo, no ano passado.

Ministra da Saúde é apontada como principal responsável pela crise no SNS
Ministra da Saúde é apontada como principal responsável pela crise no SNS Tiago Petinga/LUSA

Numa altura em que surgem notícias das consequências da falta de profissionais - meses acumulados de horas extra no INEM, problemas de acesso à plataforma do SNS e serviços de urgência de ginecologia e obstetrícia fechados -, dirigentes sindicais de médicos e enfermeiros dizem tratar-se não de uma situação conjuntural, mas estrutural, e apontam o dedo ao governo de Luís Montenegro - que, ainda antes de assumir o poder, em março de 2024, prometera um "plano de emergência para a saúde em 60 dias" para resolver os problemas do setor.

"O que estamos a viver hoje não é do acaso nem é pontual, é o resultado deliberado do enfraquecimento do SNS", diz Joana Bordalo e Sá, presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), à SÁBADO, apontando para o número de partos fora das maternidades registados este ano, que já ascenderam a mais de 40, contra 50 na totalidade do ano passado. Para a FNAM, a questão é "símbolo de uma grave crise no SNS".

Já Fátima Monteiro, coordenadora da direção regional do Porto do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP), refere que "os problemas que se vivem têm-se aprofundado com os sucessivos governos, e de forma mais forte neste governo", que acredita estar a assumir uma "política de externalizar serviços, de ter o SNS mais como financiador do que como prestador". 

Na perspetiva dos enfermeiros, permanecem fundamentais os problemas de "contratos precários", o não reconhecimento por parte do Executivo do "risco e penosidade da profissão" ou a falta de "remuneração compatível com a exigência" do cargo, que Fátima Monteiro compara com outros países europeus, em que, "além da remuneração ser quase o dobro", se possibilita a "progressão rápida de carreira", o que levará a que "muitas vezes os enfermeiros decidam emigrar". 

Na sua leitura, é esta a razão por trás da falta de profissionais, que já levou a que, "só no primeiro semestre deste ano, tenhamos 45 mil horas extraordinárias em algumas instituições": um "programa de Governo sem plano concreto de investimento" na saúde pública, com "medidas avulsas e pseudo-negociações, mas sem respostas para o que é estrutural".

Do lado dos médicos, Joana Bordalo e Sá tem uma visão muito semelhante. "A responsabilidade é do primeiro-ministro, Luís Montenegro, e da ministra da Saúde, Ana Paula Martins, que nada fizeram para que fosse diferente", acredita, em particular nos "cuidados de saúde essenciais": refere a urgência do Hospital Santa Maria, em Lisboa, que em agosto "estará encerrada mais de 20 dias", ou o plano de concentrar as urgências de obstetrícia em centros regionais (como o de Almada, que vai absorver doentes do Barreiro e de Setúbal), o que vai deixar "as grávidas da Margem Sul a percorrer quilómetros e quilómetros para serem atendidas".

Nos casos não urgentes "o problema não é só das horas de espera" nos hospitais, acrescenta, mas também na medicina geral e familiar. "Estamos a caminhar para 1,7 milhões de utentes sem médico de família", diz a presidente da FNAM, acrescentando que "só em junho, foram mais 25 mil utentes" a serem privados deste direito, e que, "mesmo assim, a ministra recusou-se a abrir mais vagas" para esta especialidade.

Dá o exemplo da Unidade Local de Saúde de Trás-os-Montes, que pediu "28 vagas para médicos de família" ao ministério, tendo-lhe sido atribuídas "pouco mais de 10" - "havia médicos de lá, que se formaram lá e estavam disponíveis para trabalhar no SNS que ficaram de fora", explica. "Se temos falta de mil médicos no País" - o que, grosso modo, corresponde à estimativa das necessidades portuguesas -, "têm que abrir todas as vagas necessárias, mas só abriram metade, e dessas 500, apenas 270 foram ocupadas", o que o sindicato atribui à escolha "pelo setor privado ou o estrangeiro". 

"Entendemos que nada disto tem que ser assim", conclui a presidente do FNAM, "que tem que haver um investimento forte no SNS que não está a acontecer". Acredita que "a culpa não é dos médicos, mas da falta de vontade política para instituir salários justos e condições dignas", e que, "se os ministros não assumem responsabilidade por este caminho, alguém tem de o fazer", mas que "o SNS não pode continuar a viver à custa do sacrifício" dos profissionais de saúde. 

Em abril, Montenegro defendeu que, "há um ano, a Saúde estava pior do que está agora", afirmando que "espera-se menos tempo para ter uma consulta e para ter uma cirurgia e também há menos urgências fechadas", apesar de reconhecer que "há muita coisa para fazer". Já em julho, o bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, avisava que o SNS chegava a um "nível crítico de dificuldades" e "uma situação de linha vermelha", temendo que viessem a ocorrer "cada vez mais situações dramáticas". 

Agora é Marcelo Rebelo de Sousa que deixa antever uma análise crítica à situação para setembro. Para os utentes resta a solução de continuar a ligar para a linha de Saúde 24 (ou 112 no caso das emergências) antes de se dirigir a um serviço de saúde ou verificar no site do SNS que serviços estão a funcionar na sua área de residência.

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