Sábado – Pense por si

Estudo mostra como nos sentamos pouco à mesa

Comer não é só ingredientes. É olhar olhos nos olhos, conversar e conseguir momentos de partilha.

Estamos todos sentados, em duas longas mesas, cheias de espírito natalício, em frente a um pequeno almoço entre o saudável e o mimoso - com bolo rei incluído, claro. De repente, num dos ecrãs montados na sala do restaurante Praça, no Hub Criativo do Beato, em Lisboa, solta-se a questão: "O que significa uma refeição à mesa?" A resposta tem muito que se lhe diga.

Cada vez nos juntamos menos à volta da comida. E quando o fazemos, a televisão e outros ecrãs estão omnipresentes
Cada vez nos juntamos menos à volta da comida. E quando o fazemos, a televisão e outros ecrãs estão omnipresentes

Além das palavras clássicas, evocadas quando o tema é esse, como união ou conforto, ouve-se que, ao deixarmos de comer juntos, se perde o contacto olhos-nos-olhos. Pior ainda, se substitui um rosto familiar pelo scroll constante pelas redes sociais ou por uma qualquer série num intrusivo tablet. 

Vem isto a propósito de um estudo Pitagórica, encomendado pelo Continente, com o aval da Associação Portuguesa de Nutrição, para servir de base à campanha de Natal da grande marca do retalho. E que, como defende a sua diretora de marketing, Filipa Appleton, se prolongará pelo posicionamento geral da marca. Mas o que realmente importa são os resultados, apresentados pela diretora técnica da empresa de sondagens, Rita Marques da Silva, na sequência de 1000 inquéritos, realizados entre 16 e 24 de outubro, a adultos.

Mais do que comer, as refeições à mesa significam partilha de conversas, laços reforçados e um refúgio à lufa-lufa das rotinas, pelo menos é essa a opinião de 80% dos inquiridos, com destaque para quem não vive sozinho e tem mais de 55 anos - um excelente ponto de partida. Setenta e três por cento diz, aliás, que se trata do momento principal da união familiar. Mais: 67% come melhor quando há mais pratos na mesa.

Números implacáveis

A realidade é, no entanto, implacável: uma em cada três pessoas janta mais vezes sozinha do que acompanhada. Com ou sem companhia, cerca de metade vê televisão durante a refeição e 44% mexe em tablets e telemóveis - entre os mais jovens, este número atinge os dois terços.

A rapidez na hora da comida é outro dos problemas, quando se sabe que mastigar os alimentos é fundamental para a digestão e sensação de saciedade. Mas os números espelham que 44% dos participantes do estudo despacha o assunto em meia hora. Sendo assim, onde fica a convivialidade, um dos pilares da dieta mediterrânica?

Helena Real, secretária-geral da Associação Portuguesa de Nutrição, realça que "quando se está com o outro, trabalha-se a qualidade alimentar". Perante a solidão é mais provável que se vá buscar conforto emocional a alimentos ricos em sal e açúcar e se for uma combinação dos dois, tanto melhor.

Não é por acaso que Alexandra Antunes, vice-presidente da Ordem dos Psicólogos Portugueses, aqui está. "A saúde mental tem impacto nas nossas escolhas alimentares, assim como as nossas escolhas podem impactar no nosso bem-estar psicológico", lembra, salientando que os olhos devem estar postos nas crianças e jovens, que muito sofreram com a pandemia, e que ficaram de fora do inquérito. "Eles são os filhos de uma geração que tem menos tempo e que já não promoveu os hábitos da mesa."

Quem come sozinho, nota Alexandra, tende a "saltar refeições, a fazê-las muito rapidamente ou de forma exagerada". O convívio é sempre mais compensador, sublinha. 

A convivialidade começa logo na preparação, quando se fazem as escolhas, quando se cozinha - tudo deve ser feito em partilha e de forma consciente. É essa também uma das conclusão de outro estudo sobre as práticas alimentares em Portugal, do Instituto de Ciência Sociais da Universidade de Lisboa, no seguimento do projeto FoodHabCrisis: Explorando o Impacto de Crises Recentes nos Hábitos Alimentares do Portugal Contemporâneo. O que está na despensa, arca ou frigorífico faz mesmo a diferença naquilo a que se chama de ambiente alimentar. 

Ambas as especialistas, cada uma em sua área, defendem a promoção da literacia nutricional, tendo sempre em conta o contexto social de cada família. Helena Real está expectante pelos resultados de outra investigação que aproveitou a amostra de mil pessoas, mas esses só serão conhecidos em janeiro. "Trata-se do primeiro grande estudo sobre literacia alimentar."

Incompreensível

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