Quando algo corre mal, é costume dizer-se “isto é mesmo para esquecer”.
Ora, em 2025 as coisas não “correram mal”, correram pessimamente. Só que, face à magnitude desta tragédia, o que, de todo, não podemos fazer é esquecer o que se passou neste ano que agora termina.
Este foi o ano em que Donald Trump e o seu governo de republicanos MAGA concluíram a destruição total da Ordem Mundial criada na sequência dos Acordos de Bretton Woods e do final da Segunda Guerra Mundial, pondo em causa uma situação internacional que, apesar de tudo, permitiu uma era de relativa paz (ou, pelo menos, de menor beligerância), estabilidade e prosperidade para a generalidade dos povos do Planeta.
E, pior ainda, quando se cumpriram 80 anos sobre o fim do mais sangrento e destrutivo conflito mundial (a Segunda Guerra Mundial), eis que a possibilidade de uma nova guerra generalizada ensombra de novo a Humanidade.
Como se a desregulação económica e comercial não fossem já uma ameaça mais do que suficiente para a qualidade de vida e para os direitos e liberdades, individuais e colectivas, das populações do Planeta.
Concluindo um percurso que se iniciou, há já algumas décadas, com a vitória ideológica da ideologia dita neo-liberal, as relações internacionais voltaram aos tempos da “lei do mais forte” anteriores à eclosão da Primeira Guerra Mundial.
Anteriores à Primeira Guerra Mundial, insisto.
E o mesmo acontece relativamente às relações interpessoais que se estabelecem no seio das Comunidades nacionais, nas quais, para além dessa selvagem “lei do mais forte”, prevalece igualmente o socialmente perverso e perigoso lema “cada um por si”.
E com isso foi destruído o contrato social que permitiu dar aos mais desfavorecidos uma qualidade de vida e a fruição de direitos e liberdades mais consentâneas com a sua condição de seres humanos com dignidade.
Condição essa que não é - e não pode de maneira alguma ser considerada constituir - um apanágio apenas destinado aos mais ricos e poderosos.
Ironicamente (uma ironia cruel, acrescento), o ressentimento das populações causado pela destruição do Estado Social que foi edificado - lamentavelmente não por todo o planeta - após o final da Segunda Guerra Mundial, serviu apenas para fortalecer os responsáveis por essa tragédia.
Ou melhor, de um modo muito cuidadosamente planeado e executado, esse ressentimento, que é justificado, foi usada por esses já antes privilegiados para aumentar o seu poder e as suas riquezas pessoais.
Tratou-se, claramente, de um caso de dar todo o benefício ao infractor.
E para essa gente sem escrúpulos e sem vergonha, vale tudo para alcançar os seus objectivos egoístas e predatórios.
E se alguns e algumas ainda tentar mascarar esses perversos desígnios – por exemplo, invocando que são eles e elas os verdadeiros defensores de uma moral cristã, outros e outras (e Elon Musk é o expoente máximo desse grupo de pessoas) já nem disfarçam a sua iniquidade.
Curiosamente (ou talvez não) essas pessoas apregoam muito a sua pretensa moralidade, mas falam pouco ou quase nada de ética. O que é muito sintomático.
Aliás, nem sequer invocam só uma moralidade - que, à luz dos valores cristãos que tanto proclamam ser os seus, é uma imoralidade -, como alegam possuir uma superioridade moral, a raiar a santidade (pseudo-santidade, claro), que justifica todas as iniquidades que praticam. Que praticam e que planeiam.
Tomemos o caso português.
Para além da deterioração, de um modo transversal e não apenas no que respeita às grávidas e ais recém-nascidos, da prestação dos cuidados de saúde à população do país, e de outras prestações sociais - na administração da Justiça e na educação, entre outras -, e da ausência de respostas concretas e eficazes para outras carências dos portugueses e das portuguesas, dos mais novos e novas aos mais velhos e velhas, quer-se agora destruir a estabilidade dos vínculos laborais.
Tudo em prejuízo dos mais carenciados, a quem até a carga de impostos não será tão aligeirada como foi prometido.
Afinal, se calhar haverá algumas pessoas em Portugal que muito gostariam que o nosso país fosse igual ao Bangladesh.
E o pior é que, com a actual maioria parlamentar resultante da adição dos deputados da AD com os do Chega, da IL e do JPP - não sendo ilógico considerar que esse projecto apenas está a aguardar que, com as eleições presidenciais, sejam eliminados todos os obstáculos à concretização do mesmo -, poderemos deparar-nos com uma situação de total derrogação da Ordem Constitucional que actualmente vigora, ao arrepio do que se prevê na Constituição.
De facto, com um Presidente da República e um Tribunal Constitucional coniventes (essa já referida maioria permite a eleição de todos os juízes desse tribunal sem necessidade dos votos de todos os outros deputados dos outros partidos com assento na Assembleia da República), numa revisão constitucional poderá até ser alterado o texto do artigo 288º dessa Lei Maior.
O que tornaria possível a concretização das maiores arbitrariedades.
Uma tal revisão seria inconstitucional, mas não haveria tribunal para assim o declarar nem Presidente da República para a vetar – ou para tomar as medidas actualmente constitucionalmente previstas para o evitar.
Em 1925 na Itália e em 1933 na Alemanha, foi possível destruir a Democracia e o Estado de Direito usando os mecanismos da Democracia e do Estado de Direito e Benjamin Netanyahu e Donald Trump estão actualmente a tentar fazer o mesmo nos seus respectivos países.
E outros poderão tentar fazer o mesmo. E a Democracia, o Estado de Direito e o pleno exercício dos direitos humanos universais poderão desaparecer da face da terra.
Infelizmente, o desígnio de tornar impossível às populações do planeta o exercício pleno dos direitos humanos universais inscritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e em outros documentos congéneres, não constitui um exclusivo dos auto-proclamados cristãos, já que o mesmo nefasto intento é perfilhado pelos muçulmanos radicais (e nos países muçulmanos não existe Estado de Direito).
Ou seja, pretensos cristãos e muçulmanos radicais, todos eles, querem o mesmo: negar às pessoas a sua dignidade como seres humanos.
E, nomeadamente, é isso que acontece no confronto entre o grupo terrorista Hamas e os criminosos genocidas que ocupam o poder no Estado de Israel, isto é, o discurso é diferente, mas os objectivos são os mesmos.
Já agora e a propósito dos crimes de guerra e crimes contra a Humanidade que estão a ser cometidos na Faixa de Gaza (e cuja perpetração não cessou apesar do pretenso “plano de paz” gizado pela Administração presidida por Donald Trump), algumas argumentações usadas para desvalorizar e relativizar a gravidade desses crimes tornam indispensável que se recorde que existem diferenças ontológicas e em grau de perversidade e danosidade entre massacres, ainda que generalizados, e genocídios.
E é por isso que os crimes praticados pelas forças militares israelitas a mando do governo racista de Benjamin Netanyahu não podem ser colocados no mesmo plano, por mais horríveis que sejam esses actos (e são mesmo), com os cometidos em outros lugares do Mundo, como por exemplo na Ucrânia e na Federação Russa, ou em Mianmar e outras regiões da Ásia, ou na Síria e em outras áreas do Médio Oriente, ou no Sudão, no Iémen, na Somália, na Nigéria, na Etiópia, na República Democrática do Congo ou em outras zonas de África.
E é por isso que é para mim insuportável e inaceitável, especialmente quando isso é feito por pessoas licenciadas em Direito, que se intitulam defensores dos direitos humanos universais, que seja alegado que as iniciativas tomadas contra esse governo racista dirigido pelo genocida e criminoso de guerra Benjamin Netanyahu não passam de condutas anti-semitas.
Bem pelo contrário, o aumento dos ataques de ódio aos judeus que se vem verificando nos últimos tempos – que, por se tratar de uma generalização abusiva e da aplicação de um intolerável princípio da culpa colectiva criado pelos nazis exactamente contra esse povo, é, de igual modo, uma situação inaceitável - também se fica a dever a essa prática genocida de que está a ser vítima a população da Faixa de Gaza.
E, a propósito de generalizações abusivas e da aplicação de um intolerável princípio da culpa colectiva, quando, como fazem André Ventura e o Chega, se afirma ou tão só se insinua que grupos étnicos inteiros – os ciganos, os imigrantes oriundos do Bangladesh e de outros países indostânicos - são um bando de criminosos, é exactamente esse conceito criado pelos nazis que está a ser utilizado.
Nessa como em outras formas de actuar, é a “cartilha MAGA” que André Ventura e o Chega estão a seguir à risca.
E, para voltar ao início desta minha última crónica de 2025, é esse discurso de mentiras e de ódio que está a arrastar a Humanidade para um conflito generalizado cujas consequências, com um elevado grau de probabilidade, serão não apenas desastrosas como potencialmente irreversíveis.
Só loucos irresponsáveis podem achar que, uma vez começada, a guerra ficará circunscrita ao uso de armas nucleares tácticas e à utilização de armas com capacidade para destruir os sistemas electrónicos dos adversários.
Porque é essa a natureza humana e, no caso dos mesmos, porque é esse o seu grau de egoísmo e de insanidade, se percepcionarem que irão ser derrotados e destituídos do seu poder, os actuais líderes dos países que detêm armas nucleares estratégicas irão mesmo ordenar que tais instrumentos de destruição sejam utilizados.
E as armas electrónicas não serão suficientes para o impedir.
Todavia, a eclosão de uma guerra não constitui uma fatalidade inevitável que nos atingirá inexoravelmente.
Acontece, porém, que a propaganda dos insanos belicistas e amantes da guerra é (tem sido) muito mais eficiente do que a daqueles que a eles se opõem.
E, por total incúria e cegueira ideológica de gerações inteiras de dirigentes políticos europeus (com raras e honrosas excepções), a total submissão dos países governados por esses políticos (homens e mulheres) aos interesses dos sucessivos governos dos EUA, transformaram toda a Europa - e não apenas a União Europeia e os seus Estados Membros – num mero observador sem força para influenciar o rumo dos acontecimentos.
E o que se passa na Ucrânia é disso um exemplo muito claro.
Uma Europa - que não apenas a União Europeia e os seus Estados Membros – unida na defesa dos valores éticos que constituem o núcleo primordial da Civilização Ocidental (que estão nos antípodas dos defendidos pelos já aludidos auto-proclamados cristãos), e auto-sustentada com armas próprias e não pelas que compra aos EUA, em conjugação de esforços com países como o Canadá, a Austrália, a Nova Zelândia, o Japão e a Coreia do Sul, constituiriam uma força de paz com um poderio que creio suficiente para se opor ao projecto apocaptíco dos amantes da guerra.
Apesar de céptico, espero que essa aliança pela paz possa ser concretizada.
E que uma nova ordem mundial possa ser construída a partir dessa paz.
Para que o Mundo deixe de ser, como é agora, uma verdadeira Zombielândia.
Depois do canalha Musk ter tido o descaramento de declarar que a empatia é uma das fraquezas fundamentais da civilização europeia, eis que a Administração Trump se atreve a proclamar que as actividades da UE minam a liberdade política e a soberania dos povos.
Infelizmente existe um risco real de que não apenas a Democracia, o Estado de Direito e os direitos humanos poderão vir a desaparecer da face da Terra, como também que o mesmo aconteça com a Vida Humana.
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