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Pedro Ledo
Pedro Ledo
28 de dezembro de 2025 às 13:35

Videovigilância mais segurança

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Edição de 22 a 28 de dezembro

Vimos esta semana que a videovigilância acabou por desvendar mais um massacre nos Estados Unidos feito desta vez por um Português.

É de extrema importância munir as nossas cidades com tecnologia de vídeo vigilância para a salvaguarda das pessoas e bens.

É impossível discutir seriamente videovigilância em Portugal sem reconhecer o bloqueio ideológico imposto por sucessivos governos de esquerda, que transformaram a segurança num tema secundário, quase embaraçoso, subordinando a proteção efetiva das pessoas e dos bens a uma leitura maximalista e frequentemente distorcida do RGPD. O resultado prático é um país progressivamente mais cego do ponto de vista da prevenção criminal, onde o Estado e as entidades privadas são desencorajados de instalar sistemas modernos de videovigilância, mesmo em contextos de risco evidente, por receio de sanções administrativas, processos judiciais ou exposição mediática.

A instrumentalização do RGPD como arma política contra a segurança é particularmente grave. O regulamento europeu nunca teve como objetivo impedir a videovigilância legítima, proporcional e fundamentada, mas sim garantir que o tratamento de dados pessoais respeita direitos fundamentais. Em Portugal, porém, a interpretação dominante tornou-se excessivamente restritiva, burocrática e penalizadora, criando um ambiente em que a pergunta já não é como implementar videovigilância de forma legal, mas se vale a pena correr o risco de a implementar. Esta abordagem não protege cidadãos, protege criminosos, que sabem perfeitamente onde não há câmaras, onde não há registo e onde a probabilidade de identificação é mínima.

A obsessão política com a chamada liberdade de circulação e com uma visão abstrata de privacidade ignora deliberadamente a realidade operacional do crime moderno. Criminalidade organizada, vandalismo, furtos, agressões e atos de sabotagem não são fenómenos teóricos, são ocorrências diárias que exigem meios concretos de prevenção e prova. Sem videovigilância eficaz, as forças de segurança chegam tarde, investigam com menos meios e vêem processos judiciais cair por falta de prova objetiva. A esquerda política portuguesa prefere preservar uma narrativa ideológica a assumir a responsabilidade por esta fragilização estrutural da segurança pública.

É igualmente revelador que Portugal esteja a ficar para trás face a outros países europeus que, respeitando o RGPD, conseguiram implementar sistemas de videovigilância inteligentes, transparentes e auditáveis. França, Alemanha, Países Baixos ou Espanha avançaram com enquadramentos legais claros que permitem o uso de câmaras com análise inteligente em espaços críticos, sempre com controlo e supervisão. Em Portugal, optou-se pelo caminho mais fácil politicamente, o bloqueio, a proibição implícita e o medo administrativo, criando um deserto tecnológico onde a inovação em segurança é vista como suspeita à partida.

Esta postura tem consequências diretas na proteção do espaço público, do comércio, dos transportes e das infraestruturas críticas. Municípios impedidos de reforçar videovigilância em zonas problemáticas, operadores privados limitados na proteção dos seus próprios ativos e cidadãos expostos a riscos acrescidos são o preço real desta política. Falar de segurança sem aceitar videovigilância moderna é um exercício de hipocrisia política, que transfere o custo da inação para quem trabalha, circula e vive nesses espaços diariamente.

Por fim, importa dizer com clareza que não existe verdadeira proteção de direitos sem segurança. A narrativa de que a videovigilância é intrinsecamente opressiva é falsa e perigosamente simplista. Sistemas bem regulados, com inteligência artificial responsável, minimização de dados e supervisão humana, são instrumentos de liberdade, porque permitem viver e circular com menor risco. Ao atrasar deliberadamente a adoção destes sistemas, os governos de esquerda não estão a defender a privacidade, estão a comprometer a segurança coletiva e a condenar Portugal a um atraso estrutural num domínio crítico do Estado moderno.

Fontes: Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados Regulamento UE 2016 679; Comissão Nacional de Proteção de Dados Orientações sobre Videovigilância em Espaços Públicos; European Data Protection Board Guidelines 3 2019 on Processing of Personal Data through Video Devices; ENISA Artificial Intelligence and Data Protection in Security Systems; Ministério da Administração Interna Relatórios Anuais de Segurança Interna RASI; Comissão Europeia Study on the Use of Video Surveillance and AI in Public Security Contexts; Tribunal de Justiça da União Europeia jurisprudência sobre proporcionalidade e segurança pública.

A videovigilância atravessa uma transformação estrutural impulsionada pela inteligência artificial, deixando de ser um mero instrumento de registo passivo de imagens para se tornar um sistema ativo de prevenção, deteção e apoio à decisão em matéria de segurança. Nos últimos anos, a conjugação entre câmaras de alta definição, sensores inteligentes, capacidade computacional distribuída e algoritmos avançados de visão por computador alterou profundamente o modo como organizações públicas e privadas abordam a proteção de pessoas, infraestruturas e ativos críticos. Este novo paradigma exige uma reflexão técnica, jurídica e ética madura, especialmente num contexto europeu fortemente regulado e sensível à proteção de dados pessoais.

Do ponto de vista técnico, a introdução de modelos de aprendizagem automática e aprendizagem profunda permitiu às plataformas de videovigilância ultrapassar limitações históricas associadas à análise humana contínua. Um operador consegue observar apenas um número reduzido de ecrãs durante um período limitado de tempo sem perda significativa de atenção. A inteligência artificial veio colmatar essa fragilidade ao permitir a análise simultânea de dezenas ou centenas de fluxos de vídeo em tempo real, identificando padrões, anomalias e comportamentos relevantes de forma consistente e contínua. Deteção de intrusão, reconhecimento de objetos, contagem de pessoas, identificação de comportamentos suspeitos, análise de trajetos e deteção de eventos fora do padrão esperado tornaram se capacidades correntes em sistemas modernos.

A evolução mais relevante não reside apenas na capacidade de ver, mas sobretudo na capacidade de interpretar. Algoritmos treinados com grandes volumes de dados visuais conseguem distinguir contextos normais de situações potencialmente perigosas, reduzindo drasticamente falsos positivos e aumentando a eficácia operacional. Em ambientes críticos como aeroportos, hospitais, infraestruturas energéticas, transportes públicos ou espaços urbanos densos, esta capacidade traduz se numa resposta mais rápida a incidentes, numa melhor alocação de recursos humanos e numa redução efetiva do risco global. A videovigilância deixa assim de ser reativa e passa a integrar uma lógica preditiva e preventiva.

Outro eixo fundamental é a descentralização do processamento através de edge computing. Em vez de enviar todos os fluxos de vídeo para centros de dados centrais ou para a cloud, muitos sistemas incorporam processamento local diretamente nas câmaras ou em dispositivos próximos. Esta abordagem reduz latências, melhora a resiliência operacional e mitiga riscos associados à transmissão massiva de dados sensíveis. Do ponto de vista da segurança da informação, esta arquitetura diminui a superfície de ataque e facilita a implementação de princípios de minimização de dados, uma exigência central do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados.

No entanto, o avanço tecnológico coloca desafios significativos ao nível jurídico e ético. A utilização de inteligência artificial em videovigilância envolve necessariamente o tratamento de dados pessoais e, em muitos casos, dados biométricos. A legislação europeia impõe princípios claros de licitude, necessidade, proporcionalidade e transparência. A adoção destas tecnologias deve ser sustentada por avaliações de impacto sobre a proteção de dados, definição rigorosa de finalidades, limitação de retenção de imagens e mecanismos robustos de controlo de acesso. A inteligência artificial não pode ser encarada como um atalho tecnológico que dispense a responsabilidade legal e organizacional das entidades que a utilizam.

Acresce a necessidade de garantir explicabilidade e auditabilidade dos sistemas. Modelos de decisão opacos, frequentemente designados por caixas negras, são particularmente problemáticos quando suportam decisões com impacto em direitos fundamentais. Num contexto de segurança, é essencial que seja possível compreender porque motivo um determinado alerta foi gerado, quais os critérios utilizados e como o sistema pode ser corrigido em caso de erro ou enviesamento. A governação da inteligência artificial em videovigilância exige políticas claras, documentação técnica adequada e supervisão humana permanente.

Do ponto de vista estratégico, a integração da videovigilância com inteligência artificial deve ser encarada como parte de um ecossistema mais amplo de segurança. A verdadeira mais valia surge quando estes sistemas comunicam com plataformas de gestão de incidentes, controlo de acessos, sensores IoT, centros de operações de segurança e equipas de resposta no terreno. Esta convergência permite uma visão holística do risco e uma atuação coordenada, baseada em dados em tempo real e em inteligência contextualizada. Para as organizações, isto implica investimento não apenas em tecnologia, mas também em formação, processos e cultura de segurança.

Importa igualmente abordar a dimensão da confiança pública. A aceitação social da videovigilância inteligente depende da perceção de que estas ferramentas são utilizadas para proteger e não para vigiar indiscriminadamente. A comunicação transparente, a sinalização adequada dos sistemas, a existência de canais de esclarecimento e a demonstração de benefícios concretos em termos de segurança são fatores determinantes. Sem confiança, mesmo a tecnologia mais avançada corre o risco de se tornar um fator de conflito e contestação social.

A videovigilância tem-se tornado uma ferramenta central para as forças de segurança pública e privadas em todo o mundo na identificação, seguimento e captura de criminosos e fugitivos, através de câmaras fixas, sistemas de reconhecimento facial, análise inteligente de vídeo e integração com bases de dados de mandados. A sua aplicação vai desde a captura direta de suspeitos, apoio à investigação criminal e prevenção de atividades ilícitas até à coordenação de respostas em tempo real pelas autoridades.

Um dos exemplos mais relevantes atualmente é o sistema de videovigilância de São Paulo conhecido como Smart Sampa. Este sistema utilisa cerca de 25 000 câmaras equipadas com reconhecimento facial e inteligência artificial que monitorizam a cidade de forma contínua. Em apenas seis meses de operação foram detidos mais de 1 000 fugitivos, incluindo assassinos e violentos, além de mais de 2 000 crimes flagrantes captados pelas câmaras e 60 pessoas desaparecidas localizadas com apoio dos sistemas de análise de imagens e algoritmos de correspondência facial. As autoridades afirmam que grande parte destas detenções ocorreu sem confrontos violentos, usando alertas automáticos quando um rosto coincidia com um mandado de captura ativo. Este exemplo demonstra como a videovigilância integrada com IA pode acelerar a localização e detenção de alvos de interesse policial e é referido em reportagens jornalísticas recentes.  

No contexto de grandes cidades dos Estados Unidos como Chicago ou Nova Iorque, sistemas de videovigilância mais amplos, ainda que com enfoques diferentes, também são usados para apoiar policiamento e captura de criminosos. O Operation Virtual Shield em Chicago é um programa que liga milhares de câmaras de vigilância a um sistema centralizado que permite detetar atividade suspeita em tempo real, incluindo a utilização de reconhecimento facial e sensores variados para antecipar ou registar crimes antes da chegada da polícia.   Em Nova Iorque, o Domain Awareness System integra dados de mais de 18 000 câmaras com milhões de registos ligados a veículos, chamadas de emergência, queixas e mandados, criando um ecossistema onde a análise de vídeo e outros dados aceleram a identificação e localização de suspeitos.  

Casos emblemáticos de aplicação tradicional de videovigilância em investigações mostram o valor deste tipo de evidência na captura de criminosos, mesmo em períodos policiais passados ou sem tecnologia de IA. Na investigação do atentado da maratona de Boston em 2013, filmagens de CCTV permitiram identificar os autores e coordenar uma caçada que terminou na sua detenção.   Outro caso histórico relevante aconteceu durante os motins em Londres em 2011, onde milhares de horas de filmagens de câmaras públicas ajudaram a identificar e deter participantes em saques e ações violentas.  

Além da vigilância fixa, muitos países usam reconhecimento facial em tempo real ligado a bases de dados de procurados para alertar agentes no terreno. Cidades como Londres utilizam unidades móveis com tecnologia facial que comparam rostos de transeuntes com listas de procurados, resultando em detenções imediatas ou em apoios à identificação de suspeitos.  

A videovigilância evoluiu também para incluir análise preditiva e detecção de comportamentos suspeitos, o que significa que sistemas com inteligência artificial já conseguem sinalizar automaticamente atividades fora do comum (como movimentos bruscos ou aglomerações suspeitas) e enviar alertas em tempo real à polícia antes de um crime ser consumado ou para localizar um fugitivo rapidamente após a ocorrência.  

Estes sistemas são complementares aos métodos tradicionais de investigação e captura, incluindo cooperação internacional, bases de dados partilhadas de mandados, e campanhas públicas como a Operation Captura no Reino Unido e Espanha, que combinam divulgação de imagens com esforços de polícias locais para localizar fugitivos transfronteiriços.  

Em síntese, a videovigilância suportada por inteligência artificial representa uma das mais profundas evoluções no domínio da segurança contemporânea. Oferece ganhos substanciais em eficácia, rapidez de resposta e capacidade preventiva, mas exige um elevado grau de maturidade técnica, jurídica e ética. Para os profissionais de segurança, o desafio não é apenas adotar estas tecnologias, mas integrá-las de forma responsável, alinhada com a legislação, com os valores democráticos e com uma visão estratégica de longo prazo. O futuro da videovigilância não será definido apenas pelo que a tecnologia consegue fazer, mas sobretudo pela forma como escolhemos utilizá-la.

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