É a primeira vez que falo de mim publicamente. Faço-o agora porque acredito que 2020 será um ano de concretizações, em que conseguirei dar a conhecer ao grande público a minha luta de 25 anos pela música: sou autor, intérprete, performer e DJ. Chamo-me Edgar Alves, nunca recorri a nome artístico. Tenho 39 anos, uma mulher linda que me apoia neste ideal – sim, porque até à data só lancei cinco EP’s e zero álbuns – e dois filhos, um de 9 anos e uma menina de 2 que já canta todos os dias.
Sou um homem de paixões e tento conciliar duas delas: o trabalho na produção e controlo de qualidade de detergentes e a música. Ou seja, de dia – quando os turnos rotativos não são noturnos – faço detergentes. À noite, heavy-metal. Nas folgas e horas vagas sou vocalista na banda Allgema. Certa noite, em julho de 2019, estava a cantar no bar Side B Rocks, em Alenquer. Ouviram-me e convidaram-me para fazer parte do grupo. Somos cinco: eu sou vocalista e letrista, há dois guitarristas, um baixista e um baterista.
A 1 de janeiro de 2020 lançámos oficialmente o single Sex & Coffe no nosso canal de You Tube. Esta semana começou a passar em algumas rádios nacionais. Gravámos no estúdio Dynamisc, no Lumiar, em Dezembro de 2019. O videoclip foi feito em Alcochete e produzido por Pedro Silva, baterista dos Allgema. Finalmente, tenho um grupo de trabalho que dá todas as garantias de que agora vai dá certo.
Na maioria das vezes, falo dos nossos fantasmas internos: da frustração, da maledicência, da falta de amor-próprio. Porque eu passei por tudo isto, mas em contraponto também abordo as alegrias e festas
As letras são escritas e interpretadas por mim. Os temas são vários, mas nunca extremistas: passam pela força de viver, dureza de levar negas e, num âmbito geral, pelos conflitos armados. Na maioria das vezes, falo dos nossos fantasmas internos: da frustração, da maledicência, da falta de amor-próprio. Porque eu passei por tudo isto, mas em contraponto também abordo as alegrias e festas. Canto ainda noutra banda do género, a LPBD.
O lado A na fábrica
Gosto muito do meu emprego de especialista químico, que me permite ter estabilidade e entusiasma há 19 anos. Na fábrica, fazemos 100 toneladas por semana de base de detergente. Vendemos para o mercado nacional – outras fábricas que fazem a adaptação do produto – e para Espanha.
No trabalho, sabem da minha faceta artística e são compreensivos. Mas tento não misturar as coisas
Cumprimos com rigorosas normas de segurança. Uso diariamente equipamento próprio: luvas, óculos, capacete, máscara. Tudo isto para evitar risco de queimaduras químicas ou de gases nefastos de ambiente fabril e laboratorial. Os colegas são porreiros e temos formação contínua. Há sempre muito a aprender. É uma área fascinante, que alia o conhecimento à qualidade e performance. É dinâmica, como eu gosto. Num dia normal, ando quatro quilómetros na fábrica, de um lado para o outro. Ao final do dia, tenho de assegurar que as coisas ficam limpas, arrumadas e com a melhor qualidade possível.
No trabalho, sabem da minha faceta artística e são compreensivos. Mas tento não misturar as coisas. Conciliar as folgas e férias com a música e família não é fácil. Faço-o por amor. A minha mulher e filhos apoiam-me incondicionalmente e podem contar comigo a 100%. Era impossível ter a vida que tenho sem a ajuda deles.
Quando era um puto dos subúrbios
Comecei a gostar de heavy-metal em 1994. Era um puto de 14 anos, dos subúrbios da Grande Lisboa. Ouvia o programa Lança Chamas do António Sérgio e sonhava ter uma banda a atuar em estádios, a fazer digressões mundiais e a chegar ao coração das pessoas. Entretanto, aprofundei conhecimentos com Pantera, Metallica, Sepultura. Ouvia-os na rádio, no meu tijolo com dois decks para cassetes.
Nunca fui violento. Sempre apelei à irmandade e ao divertimento. Fiquei com vontade de ir ao festival Boom e conheci Goa Trance
Estreei-me ao vivo a 2 de fevereiro de 1994, no União Desportiva Recreativa e Cultural de Casais Novos, em Alenquer. Na plateia estavam 182 pessoas, tinha nascido para aquilo. Sentia borboletas na barriga, como se estivesse apaixonado, mas sempre com muita confiança. Era vocalista de Little Bone Heads, uma banda de grunge alternativo. Nas bandas sempre fui vocalista.
Após duas demos, os Little Bone Heads terminaram em 1998. No mesmo ano, entrei para a banda de metal X Alternative. Nunca fui violento, nem me associei a movimentos extremistas. Sempre apelei à irmandade e ao divertimento. Pouco tempo depois, fiquei com vontade de ir ao festival Boom e conheci Goa Trance. Entrei neste mundo psicadélico sem cometer excessos.
Nasceu a vontade de fazer uma mistura de Prodigy com trance. Em 2002, surgiu o projeto Vulkanik com o meu amigo produtor, Ricardo Fialho, e Hugo Palha também como produtor. Conseguimos fazer dois EP’s e um concerto no Alcântara-Mar
Assim nasceu a vontade de fazer uma mistura de Prodigy com trance. Em 2002, surgiu o projeto Vulkanik com o meu amigo e master produtor, Ricardo Fialho, e Hugo Palha também como produtor. Fundámos a banda no quarto do Fialho, em Lisboa, com um teclado, computador e microfone. Conseguimos fazer dois EP’s e um concerto com videoclip no saudoso Alcântara-Mar. Casa cheia, o pessoal amou. Foi um freak show. Eu aparecia de túnica branca e cabelo punk. Atuámos ainda num bar em Alcântara, no Op Art e noutro perto do Marquês de Pombal.
O lado B no palco
Sempre gostei de excentricidade em palco. Cheguei a vestir saias, vestidos africanos, roupas da minha mãe e da minha avó. Este visual nunca me impediu de ter sempre namorada. Aos 15 anos, achava piada às tranças e à barba comprida – tipo viking.
Usava pêra e bigode, cabelo espetado para cima. Vestia transparências e saia preta
Os Vulkanik não vingaram por falta de disponibilidade, valeram pelo experimentalismo. E regressei ao metal, em 2005 com Decaying Factor. Era uma banda de Almeirim, malta que tocava há uns anos e nunca tinha experimentado este género – e isto interessou-me. Usava pera e bigode, cabelo espetado para cima. Vestia transparências – camisolas da minha namorada – e saia preta. O grupo acabou por causa da crise, em 2008: dois dos cinco elementos emigraram por não arranjarem trabalho cá. E eu mantive-me fiel aos detergentes.
DJ e programas de rádio
Em 2008, enveredei na rádio local de Vila Franca de Xira. Tinha dois programas de música na Ultra FM: um de metal, Cuidado com o Cão, outro de rock eletrónico RoxyGenio. Foi dar continuidade a uma paixão da secundária, quando passava música nos intervalos e fazia especiais sobre bandas portuguesas.
No ano seguinte, tive uma banda de covers. Cantava Billy Idol, Eagle-Eye Cherry, U2, em bares de Alverca e Santa Iria de Azóia. Pagavam 150 euros por atuação à banda. Éramos quatro, mal dava para a gasolina. Depois tentei rock blues, nunca tinha feito. Formei os Fire on Water, em 2012, porque achei interessante voltar às raízes. de certa maneira, sempre fiz rock. Fizemos um EP fusion, mas a banda acabou por incompatibilidade de feitios.
Ao longo dos anos, fui fazendo participações na TV como músico da NOA, Filipe Delgado e Marco Paulo. Marco Paulo é super fixe, tal como Toy e Fernando Correia Marques
Nunca fiquei parado, sendo entretanto DJ em festas, bares e centros comerciais. A última vez que passei música foi no outono de 2019, num bar da ilha Graciosa (Açores). Não pus som das minhas bandas, porque ainda não me sinto à vontade para tal.
Tento dormir o melhor possível, para conseguir fazer tudo. Ao longo dos anos, fui ainda fazendo participações na TV como músico da NOA, Filipe Delgado e Marco Paulo. Fazia de guitarrista. Marco Paulo é super fixe, tal como Toy e Fernando Correia Marques. São todos excelentes profissionais, humildes e lutadores. Certa vez, fui acompanhar o cantor Filipe Delgado a um programa da TVI, gravado em Terras de Bouro. Eram duas da manhã e bateram à porta do aparthotel onde ficámos instalados. Lá fora, cinco graus negativos. Era Toy e a sua banda, que iam atuar no mesmo programa. Ofereci-lhes um copinho de vinho e ficámos na cavaqueira.
Faz-tudo até chegar aos detergentes
Tenho o 12.º ano da área de Humanidades e fiz um pouco de tudo: desde vendedor de sapatos, a animador museológico, motorista, operário fabril. Em 2001, fiz um curso profissional de turismo e fui ao centro de emprego. A funcionária arranjou-me cinco trabalhos. O primeiro era como vendedor de lixívias; não me agradou. O segundo para trabalhar numa imobiliária como vendedor; achei instável. O terceiro como montador de peças numa fábrica de automóveis; pareceu-me monótono. O quarto seria montador de cozinhas, também não me entusiasmou. E quinto como analista químico de detergentes. Escolhi esta área porque já tinha trabalhado numa fábrica de químicos de peças.
Quando saio da fábrica, meto-me no carro e faço 42 quilómetros para um estúdio de música em Queluz
Não me arrependo da escolha. Quando saio da fábrica, meto-me no carro e faço 42 quilómetros para um estúdio de música em Queluz. São mais de 80 quilómetros entre viagens de ida e volta. Faço isto duas vezes por semana, consoante a disponibilidade dos turnos rotativos do trabalho. É cansativo. Mas faço-o por amor às duas camisolas.
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