Sábado – Pense por si

Como ajudar os miúdos que sofrem demais com o futebol

Quando o seu clube perde, há crianças que choram, perdem o apetite e até têm vómitos. Os pais podem usar estratégias para ajudar a gerir a frustração, mas se a situação escalar para a agressividade devem procurar ajuda. "Não existem 'pensos rápidos' na gestão emocional", diz a especialista.

Com o campeonato a decidir-se este sábado, entre o Benfica e o Sporting, haverá um que sairá a perder e os miúdos, por vezes incentivados pelos pais que são fervorosos adeptos, sofrem imenso e não conseguem gerir – nos jogos vemos com frequência as câmaras a focarem crianças a chorarem de desgosto e frustração quando o seu clube não ganha. Rosa Raposo, psicóloga no Centro Catarina Lucas, em Lisboa, explicou àSÁBADOcomo é que os pais devem lidar com as crianças que têm dificuldade na gestão das emoções e quando as reações às derrotas merecem a ajuda de um profissional.

Luís Manuel Neves/Medialivre

Num dia de uma final, como se deve lidar com as crianças que não conseguem gerir as emoções?

Cabe, em primeira instância, aos pais entender as emoções que podem decorrer de um desfecho menos favorável para a equipa de que a criança seja adepta, e fazê-la entender que, além de desagradáveis, são emoções expectáveis e até mesmo cruciais para o nosso desenvolvimento. É importante que, nestes momentos, os pais tenham presente a noção de "repertório emocional" – o conjunto de emoções que, agradáveis ou não, compõem uma pessoa saudável e estruturada, e que devem ser vividas e sentidas, por forma a que, futuramente, enquanto adultos, disponham de um conjunto de estratégias saudáveis que lhes permitam gerir as situações adversas que lhes sejam impostas na sua vida profissional ou pessoal.

Não existe, portanto, uma solução imediata…

Por mais que, enquanto pais, queiramos solucionar da forma mais eficaz o que aflige a criança, desenganemo-nos – não existem "pensos rápidos" na aprendizagem da gestão emocional. Apesar de complexo, é um caminho que deve ser trilhado muito antes do ponto em que tentamos recorrer a "soluções rápidas".

Que estratégias é que os pais devem adotar?

Chegados ao dia da "grande final", podem ser utilizadas algumas estratégias que permitam gerir melhor as emoções: planear atividades agradáveis, como um almoço em família num dos seus locais preferidos, deixá-los jogar o seu jogo favorito, encorajar o brincar com amigos, etc – numa tentativa de não só reduzir os níveis basais de ansiedade, como também de associar memórias positivas ao próprio dia. Devemos dialogar com a criança sobre as emoções que poderá sentir se o resultado for desfavorável, e relativizar o problema, procurando sempre atenuar as expectativas elevadas, usando ferramentas como o Termómetro das Emoções, tentar "descatastrofizar" os piores cenários hipotéticos. Também se pode recorrer à prática de atividades com um dispêndio de energia relativamente elevado, como uma corrida, de modo a apaziguar a sintomatologia ansiosa associada ao evento.

Os pais devem tentar arranjar atividades para desviar-lhes o foco do evento?

A introdução de várias atividades, com o propósito de retirar o foco do evento pode reproduzir resultados mistos - isto porque a criança necessita, e à semelhança de qualquer adulto, de empregar os mecanismos de apaziguamento da ansiedade. Assim, ao mesmo tempo que se devem promover atividades que desviem, temporariamente, o foco do evento ansiogénico, devem, também, encorajar-se comportamentos como os "rituais pré-jogo", como usar um cachecol do clube, conviver com determinados grupos de amigos e família ou participar dos cânticos e da atmosfera que se vive à entrada para o estádio. Este equilíbrio, no qual não retiramos por completo o foco do evento que acarretará uma resposta emocional inevitável, é fulcral para a criança, no que toca à aprendizagem de uma gestão eficaz e equilibrada das suas emoções e expectativas.

Quando há um mau resultado que tipo de comportamento é aceitável? 

O leque de sintomas, neste caso específico, pode variar desde uma tristeza profunda, caracterizada por choro, apatia e até sintomas mais intensos associados à raiva, como aumento do tom de voz e da gesticulação e agitação psicomotora. O aumento da frustração também pode gerar silêncio ou evitamento do assunto em questão. Quando existe uma tendência para a agressividade, comportamentos com base em humilhação, que prejudiquem a funcionalidade da criança ou que desrespeitem os limites do outro, estamos perante um quadro mal-adaptativo, e que de um ponto de vista funcional, se considera não-aceitável.

Devemos dialogar com a criança sobre as emoções que poderá sentir se o resultado for desfavorável, e relativizar o problema, procurando sempre atenuar as expectativas elevadas

Quais são os sinais de alerta para pedir ajuda profissional? 

Deve pedir-se ajuda quando há um padrão de má gestão emocional que afeta, por exemplo, o desempenho escolar, o rendimento ou o interesse nos desportos ou atividades extracurriculares, ou se verifica uma quebra abrupta nas relações sociais. Poderá haver outros sinais, como a somatização, ou seja, a manifestação dos problemas psicológicos através de sintomas físicos, como vómitos, dores de cabeça, dores de barriga ou no peito, diminuição do apetite, dificuldades em iniciar o sono ou choro frequente, intenso e injustificado.

E quando os comportamentos injustificados ou agressivos não ocorrem apenas em jogos decisivos?  

Devemos estar atentos quando há uma migração desta sintomatologia para outros ambientes competitivos, com acréscimo da sua intensidade, com irritação fácil em jogos de computador, de tabuleiro ou em situações sociais com algum grau de competitividade.

Quando ficam inconsoláveis, que tipo de discurso se deve adotar?

É importante validar as emoções da criança, que se sente destroçada pela derrota da sua equipa, e todas as emoções que daí advêm são expectáveis e devem ser processadas – validá-las torna-se a diretiva principal a curto prazo. Não se devem empregar estratégias como a desvalorização, dizer, por exemplo, "não penses mais nisso", "é só um jogo" ou "para de chorar", por contrastarem diretamente com aquele que é o processamento emocional da criança.

Alguns miúdos poderão processar as situações de um modo mais analítico, e beneficiar de uma estratégia baseada na exploração do evento, identificando pontos altos e baixos, desempenho de certos jogadores, lances decisivos, etc. Por outro lado, importa sempre assegurar que a criança não está sozinha nas suas emoções – muito provavelmente, existirão milhares ou milhões de adeptos a sentir o mesmo. Isso aproxima-a do clube a que pertence e promove uma sensação de validação e compreensão coletiva das suas emoções.

É importante validar as emoções da criança. Não se dizer, por exemplo, "não penses mais nisso", "é só um jogo" ou "para de chorar"

 

Em consulta, tem miúdos que sofrem com o futebol e não sabem lidar com a frustração?

Sim, acompanho algumas crianças com estas particularidades. As figuras futebolísticas são muito carismáticas e ganham o fascínio dos miúdos, que, por consequência, se tornam muito preocupados com as equipas e com os jogadores, e transportam para si o peso de um desempenho excelente, desenvolvendo, por vezes, ansiedade. Alguns apresentam muita dificuldade em lidar com as suas falhas ou até com as falhas dos colegas e sentem uma grande necessidade de sobressair, muitas vezes para prejuízo da equipa. Apresentam uma elevada competitividade, que acaba por afetar outras áreas da sua vida como a gestão emocional ou a impulsividade (têm de ser os primeiros a ser escolhidos, são muito críticos de si e dos colegas, não conseguem aguardar pela sua vez, etc).

Como intervém nessas situações?

A nossa intervenção baseia-se não só na implementação de estratégias saudáveis de reflexão, autocrítica e aprendizagem com as falhas, mas também na perceção do desporto como um todo, compreendendo e promovendo o trabalho em equipa, fomentando um nível realista de expectativas, aproveitando a prática desportiva pelo prazer. Importa-nos também que a criança aprenda não só a valorizar e a celebrar os seus sucessos, mas que saiba igualmente gerir as suas derrotas (aproveitando-as como um ponto importante de auto-melhoria), bem como promover e adotar comportamentos respeitosos e de fair play.

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