Nasceu numa família rica, a sentir-se sempre diferente dos outros. Adorava jogar às cartas com a avó e era tratado como Terno. Mas ia enlouquecendo os pais, com a sua rebeldia e espírito contestatário. Diz que hoje teria sido diagnosticado com autismo. Passou uma noite na prisão e centenas de horas a programar. Conheça a autobiografia do fundador do Microsoft.
Chega esta terça-feira às livrarias Código-Fonte, O Meu Começo. A autobiografia de Bill Gates pode ter um título que leva ao engano, mas não se vai falar de programação ao detalhe, nem sobre os fundamentos do software. Aqui o foco são os primeiros anos de Bill Gates. Nesta autobiografia do génio dos computadores, fundador da Microsoft, revela-se um lado desconhecido do bilionário filantropo.
Parece ser a primeira parte da sua história, porque dedica-se aos detalhes da infância, às dificuldades na escola, às experiências com drogas, à importância da família e ao início da Microsoft. É provável que Gates lance mais tarde a continuação da autobiografia.
Génio da matemática, com uma dedicação fora de série aos seus projetos, Bill Gates também reconhece os seus privilégios. "Nascer num país rico como os Estados Unidos pesa muito na lotaria do nascimento, tal como nascer branco e do sexo masculino numa sociedade que privilegia o homem branco", escreve no epílogo de Código-Fonte, editado em Portugal pela Ideias de Ler.
A SÁBADO teve acesso ao livro e conta-lhe 13 histórias do ex-diretor executivo da Microsoft, a maior empresa de software do mundo. Gates revolucionou o mundo dos computadores e a sua fortuna está hoje avaliada em 103 mil milhões de euros. Já não está à frente da empresa e dedica-se ainda mais à filantropia.
Frustrado, infeliz e rebelde
Logo no infantário, Bill começou a dar problemas. Descrito como "criança agressiva e rebelde" que lutava com os outros miúdos e que estava "quase sempre frustrado e infeliz". Gates assume que os pais sofreram muito com ele. "A luta dos meus pais com um filho hiperativo, bastante inteligente, turbulento e frequentemente do contra gastou-lhes muita energia e marcou de modo indelével a família." O fundador da Microsoft recorda que na escola não era bem visto pelos colegas por ser diferente. "No terceiro ou quarto ano, percebi que não era fixe ler a enciclopédia." Aliás, ele adorava tanto ler, que os pais o proibiram de levar livros para a mesa de jantar.
Ao mesmo tempo, Gates era um contestatário em casa. Conta que a sua fase rebelde chegou aos 9 anos e descreve que tinha discussões épicas com os pais. A mãe, sempre ciosa das regras, era com quem tinha mais embates. Recorda que numa das discussões o pai teve de intervir e disse: "Tens de nos respeitar." Bill Gates retorquiu: "Não, não tenho."
Desesperados, os pais levaram-no a um terapeuta. Numa das sessões, a criança explicou-lhe: "Estou em guerra com os meus pais". Mas foi este terapeuta que o ajudou. Se por um lado, explicou aos pais que tinham de o aceitar como era e de lhe dar liberdade, a mensagem foi: "Desistam. Ele vai ganhar." Por outro, ele convenceu o pequeno Gates que em vez de aplicar a sua energia a lutar contra os pais, devia "canalizá-la para adquirir as competências de que necessitaria no mundo."
Diagnóstico: autismo
Em criança, Bill Gates não mostrava qualquer interesse em interações sociais. A mãe, bastante preocupada, inscreveu-o nos escuteiros. Na escola as notas oscilavam, ora boas ou más. O que também oscilava era o estado de espírito da criança. Os pais levaram-no a um terapeuta da fala da escola cujo veredito foi: Bill devia repetir de ano. "Acho que ele disse que eu era 'atrasado', um termo que hoje é considerado datado e insultuoso, mas que na altura era aplicado aos miúdos que pareciam não se enquadrar na sala de aulas", escreve no livro.
Bill Gates reconhece que o apoio dos seus pais foi determinante para o seu sucesso e defende que "se fosse hoje, provavelmente teria recebido um diagnóstico de transtorno do espectro do autismo." Acrescenta que à época os pais não sabiam como entender "porque é que o filho ficava tão obcecado com determinados projetos" e porque "podia ser malcriado ou desagradável sem se dar conta do efeito nas outras pessoas". O autor confessa que o facto de lhe terem dado liberdade, proporcionado acesso a todo o tipo de conhecimentos, e de sempre o terem impulsionado a não ficar fechado - ao inscrevê-lo em várias atividades que melhoravam as suas "competências sociais" - foi essencial.
Jogos de cartas
Com 8 anos, um dos hobbies do empresário era jogar às cartas. Gami, a sua avó, ensinou-o a jogar rummy, bridge ou canasta. Ainda muito pequeno ganhou o apelido de Terno - o três das cartas - porque era o terceiro Bill Gates da família, a seguir ao pai e avô. Foi com Gami, que lhe ganhava todos os jogos, que aprendeu o valor da estratégia e da lógica. Passou a compreender as táticas de jogo da avó que tinha uma memória prodigiosa e decorava as cartas de todos. "A minha avó tinha uma máquina de estados impecável para as cartas; o seu algoritmo mental trabalhava as probabilidades, as árvores de decisão e a teoria dos jogos", escreve Gates no livro. Passados cinco anos, a avó já perdia todos os jogos com o neto.
As raparigas e o teatro
Bill Gates confessa que quando era adolescente mal conseguia falar com outros rapazes que não fossem "os totós", por isso nem se aproximava das raparigas. A exceção eram as irmãs e algumas amigas da família. Mesmo assim, encheu-se de coragem e inscreveu-se nas aulas de teatro. "Confesso que o principal atrativo era a presença de muitas raparigas", escreve no livro.
Bill Gates: de criança problemática a génio da programação
Foi na secundária de Lakeside, uma escola da elite, que contactou com computadores pela primeira vez. Foi lá que escreveu o seu primeiro programa: o jogo do galo. Gates estava no oitavo ano e a sala onde se trabalhava com computadores era uma atração para todos. Os rapazes estavam sempre em competição. Certa vez, Paul Allen (dois anos mais velho e com quem viria a fundar a Microsoft) desafiou-o: "Bill, já que te achas tão esperto, resolve lá isto." Com poucas instruções, e alguns livros em segunda mão dos professores, o jovem tentava resolver os problemas e criar programas. Foi o início de uma relação promissora. Mas o interesse da maioria dos rapazes por aquela tecnologia foi desaparecendo. "Escrever código era um nivelador social", conclui.
Fugir de casa à noite
O jovem Bill Gates saia de casa sem ninguém perceber e voltava tarde de madrugada. Motivação? Não era para namorar nem ia sair à noite. Nada disso. Bill, Kent, Paul e Ric passavam horas a mexer no computador da C-Cubed, a codificar e a depurar programas. Foi em 1968, que Gates e os amigos puderam ter acesso a um computador sem restrições. A escola recebeu uma proposta irrecusável: "Se alguns dos jovens programadores da escola colaborassem" com uma empresa a identificar os erros do seu programa, esta "disponibilizar-nos-ia acesso gratuito ao seu computador DEC".
Os fins de semana eram aqui passados, na sede da C-Cubed. A empresa precisava que testassem os computadores e encontrassem quais os problemas. Era preferível serem os adolescentes do que os clientes. Mas os sábados não chegavam. Certa noite, Gates pensou: "Porque é que estou aqui a perder tempo quando podia estar ao computador?" Então, às dez decidiu fugir de casa sem ninguém perceber. Apanhou um autocarro e vinte minutos depois estava a trabalhar. "Foi a primeira das muitas noites que me escapuli." E se perdesse o último autocarro às duas manhã? Voltava a pé.
Perdeu-se um grande político?
Na sua candidatura à Universidade de Harvard, partilhou a sua experiência com computadores, mas confessou outro interesse: Direito. O pai era advogado, isso pode ter influenciado. Escreveu: "Trabalhar com o computador revelou-se uma grande oportunidade para me divertir, ganhar algum dinheiro e aprender muito. No entanto, não planeio continuar focado nesta área. Estou mais interessado em Gestão ou Direito." Estávamos em 1972 e Bill Gates trabalhava como voluntário nos serviços administrativos da Câmara dos Representantes e ficou contagiado por aquele ambiente. Confessa no livro: "Comecei a ponderar mais seriamente uma carreira no governo e na política."
A experiência de tomar LSD
"A pedra foi o máximo", foi desta forma que Bill Gates - ainda visto como um nerd pelos colegas da secundária de Lakeside - descreveu a sua experiência com drogas. Foi na viagem de finalistas, em 1973, com um grupo de amigos que teve a sua primeira experiência com LSD. Mas Bill, que foi convencido pelo seu amigo Paul de que precisava de ser "experiente", pensava que o efeito da droga era rápido. Enganou-se. No dia seguinte de manhã tinha uma consulta no dentista. Descreve a experiência como estranha, porque não sabia se aquilo era real ou não. A segunda vez que tomou LSD já não tinha consultas marcadas. Foi com o seu amigo Paul enquanto viam a série Kung Fu. Depois foram passear numa mata e ficaram maravilhados com as cores das folhas das árvores.
Caloiro com lençóis por lavar
Quando chegou a Harvard, foi difícil destacar-se. Afinal, naquela universidade todos eram excelentes alunos. Bill Gates conta que se sentiu "sozinho" e a nadar "num piscina muito maior" do que a sua escola secundária. Para provar que encaixava naquele local, Gates passava os dias a programar e a estudar. "Chegava a estar 36 horas sem dormir." Depois caía para o lado - literalmente - e dormia vestido e calçado durante 12 horas ou mais. Como tinha contratado um serviço de lavandaria para a roupa de quarto de estudante, apercebeu-se do seu estado de isolamento. É que estava tão ocupado que se esqueceu de levar os lençóis para lavar. Resultado? "Os lençóis estavam sujos e manchados de tinta e lama." Quando os entregou na lavandaria percebeu que tinha batido um recorde: um mês e meio com os mesmos lençóis sem serem lavados.
Pressão do primeiro ano e uma colite ulcerosa
Durante o primeiro ano em Harvard, pensou noutras hipóteses de trabalho. Paul Allen continuava a pressioná-lo para deixar a universidade e irem trabalhar juntos. Bill Gates chegou a ir a entrevistas de trabalho para empresas de software. Até a General Electric o queria como programador. Sabia que os pais iam odiar a decisão. No final desse ano teve uma colite ulcerosa que lhe provocou uma febre de 41º. O stress era muito. Mas no início do verão aceitou a proposta de trabalho da Honeywell e exigiu uma coisa: parceira com Paul G. Allen.
Quase expulso de Harvard
Quando Bill Gates e Paul Allen conseguiram criar o primeiro software escrito para o primeiro computador pessoal, parecia que não iam encontrar mais dificuldades. Mas um telefonema do vice-diretor do laboratório de Harvard ia mudar tudo. É que o projeto não era visto com bons olhos, o facto de terem contratos para fins comerciais por terem usado material do laboratório da universidade levantou questões.
O vice-reitor viu em Gates "um estudante indisciplinado que tinha sido imprudentemente autorizado a entrar no laboratório dele e que levava dois cúmplices às escondidas para o laboratório protegido de Harvard para trabalharem juntos num produto misterioso durante a noite, para não serem detectados". O jovem estudante de Matemática e Direito corria o risco de ser expulso de Harvard.
O pai de Bill era advogado e ajudou-o a resolver a confusão. O jovem escreveu uma carta a pedir desculpa e a explicar que em 1974 - vivia-se o advento do microprocessador - e que os computadores poderiam ser "mais pequenos do que uma caixa de fósforos". Até a avó de Gates, Gami soube da situação e deixou-lhe um conselho: "[deves] Ser honesto em tudo o que fizeres".
Preso por excesso de velocidade
O carro de Paul Allen transformou-se com a alcunha Armadilha Mortal. O Chevy Monza servia para tudo. Bill Gates também o usava e uma vez despistou-se contra uma vedação de arame farpado. Pagou o arranjo, mas o padrão de condução arriscada manteve-se. Tanto que uma vez foi preso por excesso de velocidade. "O polícia não achou graça às minhas piadas e passei a noite na cadeia."
Dormir no chão
Teve mesmo de interromper os estudos, porque sentia que aquele era o futuro. Tirou um semestre de licença de Harvard e foi para Albuquerque. Ele e Paul iam fundar a Micro-Soft. Trabalhavam muitas vezes de noite, quando não havia muitos utilizadores dos terminais. Porque existiam poucos. Estavam a trabalhar na primeira versão do seu programa BASIC para a MITS. Como não tinham uma impressora, no fim do dia "um de nós metia-se no carro e fazia os poucos quilómetros até ao distrito escolar para ir buscar as resmas de papel perfurado com o nosso código secreto." Bill Gates conta que programava sem parar e dormia só quando tinha de ser. "Fazia uma soneca sentado no terminal ou limitava-me a deitar no chão."
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