Tribunal deu como provado que os abusos aconteceram quando a atriz era ainda menor de idade. Foi condenado a quatro anos de prisão.
É o desfecho do caso que desencadeou o movimento #MeToo na indústria de cinema francês: Christophe Ruggia foi condenado a quatro anos de prisão, dos quais dois serão cumpridos com pulseira eletrónica, por ter abusado sexualmente da atriz francesa Adèle Haenel, quando esta tinha entre 12 e 14 anos.
Aurelien Morissard/AP
O Tribunal Penal de Paris declarou que o realizador de 60 anos tem de pagar uma indemnização a Haenel, agora com 35 anos, no valor de 15 mil euros por danos morais e 20 mil euros para cobrir a ajuda psicológica necessária para superar o episódio. Terá ainda de ser inscrito no Registo Judicial de Autores de Infrações Sexuais ou Violentas e será proibido de trabalhar com menores durante cinco anos.
Segundo a imprensa francesa, a atriz do filme O Retrato da Rapariga em Chamas, parecia visivelmente nervosa antes do julgamento, e não reagiu ao veredito. Ruggia, evitou olhar para ela e também não mostrou qualquer reação, e os seus advogados anunciaram imediatamente que iriam recorrer por uma condenação "injusta". À saída do tribunal, Haenel, foi aplaudida e recebida com gritos de alegria e palavras de encorajamento.
Abrir o caminho do #MeToo francês
Aurelien Morissard/AP
O veredito encerra um caso que abriu o caminho para o #MeToo no cinema francês. Em 2019 a atriz, então no auge da sua fama depois de protagonizar as obras 120 Batimentos por Minuto e O Retrato da Rapariga em Chamas, expôs o caso numa investigação da Mediapart, acusando o realizador de lhe ter tocado de forma inapropriada durante as gravações do filme Les Diables em 2001. Na altura ela tinha 12 anos e ele 36.
Segundo os depoimentos de Haenel que descrevem as agressões, a atriz conta que estava sentada no sofá do seu apartamento em Paris quando ele se "colava" a ela e as mãos dele passavam-lhe por baixo da camisola e das calças. Durante o julgamento, esforçou-se para encontrar palavras para descrever a impossibilidade de sair deste ciclo vicioso de abuso perante um homem que dizia tê-la "criado", que não tinha "qualquer hipótese de se apaixonar por ela" e que era uma "adulta num corpo de criança".
Em dezembro do ano passado, o Ministério Público pediu uma pena de cinco anos, três dos quais seriam cumpridos em liberdade condicional e os restantes em prisão domiciliária. Como pena adicional, o realizador estaria proibido de contactar a atriz, e seria imposta uma proibição de trabalhar com menores durante 10 anos, assim como a sua inclusão no Registo Judicial de Autores de Infrações Sexuais ou Violentas. O Tribunal Penal conseguiu aplicar a maioria dos pedidos.
O julgamento atraiu uma audiência altamente solidária com a atriz, mas os advogados de defesa do realizador tentaram apresentar provas a seu favor, sublinhado que o relato de Haenel não era consistente. Inicialmente descrevia "toques que ela afastava" e depois passavam a agressões. A advogada alertou para o facto de não se poder confiar em "memórias traumáticas" porque "quando se recupera uma memória, esta muda inevitavelmente".
Durante o julgamento, a atriz, que desde então cortou qualquer laço com a indústria do cinema, deixou escapar um momento de raiva, gritando "cala a boca!". Levantou-se, virou as costas ao juiz e saiu da sala, tal como fez em 2020, quando abandonou a cerimónia dos prémios Césars para protestar contra a vitória de Roman Polanski como melhor realizador, cantando "viva a pedofilia, bravo a pedofilia".
Nos anos 1970, Roman Polanski fugiu dos Estados Unidos, depois de admitir ter violado uma criança de 13 anos, de forma a evitar um julgamento. Em 2009 foi preso na Suíça a caminho do Festival de Cinema de Zurique, depois de um mandado emitido pelas autoridades norte-americanas em 1978 relacionado com o mesmo caso. Recentemente foi acusado de novo por abuso sexual de uma menor em 1973 em Los Angeles, mas entretanto o litígio foi resolvido. O realizador do filme O Pianista alegadamente deu tequila a uma menor, e quando ela se começou a sentir tonta, levou-a para casa e violou-a.
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O Estado português falha. Os sucessivos governos do país, falham (ainda) mais, numa constante abstração e desnorte, alicerçados em estratégias de efeito superficial, improvisando sem planear.
A chave ainda funcionava perfeitamente. Entraram na cozinha onde tinham tomado milhares de pequenos-almoços, onde tinham discutido problemas dos filhos, onde tinham planeado férias que já pareciam de outras vidas.