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A moda também é para pessoas com deficiência, mas não é acessível a todos

Gabriela Ângelo 13 de fevereiro de 2025 às 07:00
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Primark lançou linha de roupas adaptadas, uma entrada num mercado em que ainda há pouca oferta. Roupa tem que ser "adaptada e acessível" financeiramente, frisa Catarina Oliveira, da Espécie Rara Sobre Rodas.

Bolsos extra-largos, fechos magnéticos ou laterais: estas são algumas das diferenças que tornam a roupa acessível a pessoas com mobilidade reduzida ou outras necessidades especiais. Este ano, a marca de fast-fashion Primark lançou uma linha para pessoas com deficiência, em colaboração com a designer Victoria Jenkins. Apesar de já existir alguma oferta de roupa adaptada no mercado, o novo lançamento pode ajudar na acessibilidade financeira. 

Wodicka/ullstein bild via Getty Images

Quem o diz à SÁBADO é Catarina Oliveira, criadora de conteúdos digitais no Instagram através da conta Espécie Rara Sobre Rodas. Parte da população com deficiência "está num risco maior de pobreza e exclusão social", lembra, e "não nos podemos esquecer que não é só criar um produto acessível, tem de ser adaptado e acessível" financeiramente. Afinal, apesar de existirem marcas que oferecem produtos adaptados com "boa qualidade, custos de produção elevados, material 100% algodão (para pessoas com sensibilidade sensorial)", as peças deixam de ser acessíveis "a uma população sem capacidade económica". 

Não é fácil encontrar roupas adaptadas no mundo da moda mainstream: em 2016 a Tommy Hilfiger foi uma das primeiras a apostar em roupas acessíveis através da Tommy Hilfiger Adaptive, uma coleção que inclui t-shirts em tecidos que não irritam as pessoas com sensibilidade sensorial, assim como peças com fechos magnéticos para pessoas com problemas de destreza. Em 2023, a Victoria's Secret lançou roupa interior adaptável com fechos magnéticos na abertura frontal dos sutiãs e tecidos não irritantes. No setor da roupa desportiva, a Nike desenvolveu uma linha de ténis adaptados e a Decathlon uma coleção com peças fáceis de vestir e para pessoas com próteses ou mobilidade reduzida.

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Apesar de Catarina Oliveira achar o lançamento da Primark positivo, lembra que todas as marcas deviam "pegar nessas ideias e implementar na roupa que vai saindo". Exemplos? "Integrar um buraco para sondas (alimentares) em qualquer roupa", algo que pode ser acrescentado sem ter de se criar uma coleção exclusiva. 

Por outro lado Helena Rato, vice-presidente da Associação Portuguesa de Deficientes (APD), aponta que, para pessoas que "enfrentam problemas graves, o problema do vestuário ocupa um segundo lugar" e é uma questão que apenas surge "quando as pessoas saem de casa". 

"A maior parte das pessoas com deficiência não têm a possibilidade de sair de casa", explica à SÁBADO. "Moram num prédio que não tem elevador ou as escadas não têm plataformas elevatórias." Recorda ainda a falta de acessibilidade que as pessoas com necessidades especiais enfrentam no dia a dia, não só para sair da própria casa, mas na rua. "Se quiserem ir ao teatro ou ao cinema, tem de haver apoio familiar" para que possam fazer estas atividades, lamenta. Se for uma pessoa institucionalizada, "nem pensar". 

A Organização Mundial da Saúde aponta que cerca de 1.3 mil milhões de pessoas têm uma deficiência significativa, representando 16% da população ou 1 em cada 6 pessoas, constituindo um "nicho" na sociedade, aponta Catarina Oliveira, que as marcas acabam por não ter em conta. Esta falta de oferta leva a que as pessoas com necessidades especiais adaptem as peças que já têm em casa.

No caso de Catarina, que desenvolveu uma deficiência em adulta que a deixou dependente de uma cadeira de rodas, não tem tanta necessidade de fazer estas alterações. No entanto, realça que as peças de lojas comuns "não são feitas para quem passa o tempo sentada", como, por exemplo, as calças de ganga que "em pé ficam bem, mas sentadas ficam muito curtas", ou o fecho que devia ser colocado na lateral para ser mais fácil de vestir e despir. No caso de pessoas com sensibilidade sensorial ou autismo, "a roupa tem de ter texturas agradáveis"; perante deficiências motoras, deve ser pensada a forma "como a roupa é aberta, com botões ou ímanes, com coisas magnéticas". 

As roupas desportivas acabam por ser uma alternativa para quem não arranja peças adaptadas, pela simples razão de serem mais simples de vestir. "É a característica que importa mais para pessoas com deficiência", explica Catarina, "a dificuldade está em vestir e usar tecidos mais rígidos". As roupas de desporto acabam por ser "peças que se adaptam ao corpo e são confortáveis". 

Helena Rato, que não reconhece o estado do mercado da moda adaptada, por não ser "um assunto no qual se fale muito", reconhece que um setor que tem vindo a ter cada vez mais procura por pessoas com necessidades especiais é o de desporto, "apesar dos pouquíssimos apoios". Após o 25 de Abril, a APD fez um grande esforço para potencializar este setor e "criar práticas de desporto adaptado" nomeadamente "na área do basquetebol". Recentemente, o surf adaptado tem começado a ganhar tração, sendo necessário "vestuário adaptado". 

A coleção da Primark está disponível apenas em três lojas em Portugal, no Norte Shopping (Porto), UBBO (Amadora) e no Centro Comercial Colombo (Lisboa). Conta com 40 peças para homem e mulher, que podem ser utilizadas por qualquer pessoa, com preços que variam entre os 14 e os 45 euros. Em 2024, lançou uma linha de roupa íntima adaptada. 

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