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Turquia quer "regime presidencial", diz embaixadora

20 de julho de 2016 às 10:01
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Ebru Barutçu Gökdenizler garante que a Turquia continuará a ser um "rochedo de estabilidade" num meio geopolítico "muito complicado". Sobre a re-introdução da pena de morte, relembra que tudo depende do parlamento

A embaixadora da Turquia em Lisboa assumiu que existe o desejo de um regime presidencial no país e assinalou que a eventual reintrodução da pena de morte terá de ser discutida e aprovada pelo parlamento. 

 

"É verdade que na Turquia existe o desejo de um regime presidencial, que requer uma alteração na Constituição. De momento é algo que deve ser decidido pelo parlamento, por ser necessário um certo número de votos para atingir esse resultado. Mas não posso prever quais as decisões do parlamento nos próximos dias, qual o desfecho destes acontecimentos", referiu Ebru Barutçu Gökdenizler, em entrevista à Lusa, ao ser questionada sobre as possíveis consequências para o país da fracassada tentativa de golpe militar de sexta-feira.

 

O Presidente Recep Tayyip Erdogan e o Governo atribuíram a tentativa de golpe ao que designam por Organização Terrorista Fethullah Gülen (FETÖ), numa referência ao influente clérigo islamita que se auto-exilou nos EUA em 1999 e que, de aliado do actual chefe de Estado, se tornou a partir de 2013 num dos seus principais inimigos, acusado de pretender criar um "Estado paralelo" no país através da sua influência no meio escolar, militar, judicial, ou nos media.

 

"As autoridades turcas possuem provas irrefutáveis de que se tratou de uma acção da FETÖ", assegurou a diplomata, quando Ancara já enviou às autoridades norte-americanas um dossier destinado a justificar o pedido de extradição do ex-aliado de Erdogan.

 

"De momento penso que o Governo vai actuar sobre as fontes que indicam existir uma ligação directa com a organização FETÖ, responsável por este golpe de Estado fracassado", assinalou. "Também pedimos aos Estados Unidos a extradição de Fethullah Gülen, o pedido já foi feito oficialmente e julgo que também pedimos que seja entretanto colocado sob detenção até que o processo evolua".

 

A embaixadora da Turquia sublinhou ainda o "importante papel desempenhado" por diversos media turcos para impedir o golpe, reconheceu que permanece um "trauma" pelas características desta sublevação militar que originou um "banho de sangue", e disse ser necessário entender o actual "clima" que hoje se vive no país. "Estamos a falar de traição... Neste caso, não seria normal para alguns media fazerem a propaganda [do golpe] nos seus próprios canais", aludiu.

 

E precisou: "Existe um grande trauma... É natural que as nossas autoridades pretendam levar essas pessoas que são responsáveis perante a justiça. E a justiça vai prevalecer no âmbito dos processos judiciais".

 

Em contraposição, assegura que "as pessoas também celebraram o facto de terem defendido a democracia, que também demonstra a maturidade a que chegou a democracia na Turquia. Ao ponto de o povo ter defendido a sua democracia e enfrentado esta conspiração".

 

A responsável diplomática assinalou neste contexto que, pela primeira vez, "o povo se tornou no alvo dos conspiradores, o parlamento foi bombardeado, o palácio presidencial foi bombardeado, isso nunca tinha acontecido", motivando reacções mais emotivas no rescaldo dos violentos confrontos que provocaram quase 300 mortos e perto de dois mil feridos.

 

Assim, e alusão aos apelos populares para a reintrodução da pena de morte, recordou a resposta do Presidente Erdohgan na entrevista que concedeu na noite de segunda-feira à cadeia televisiva norte-americana CNN, e onde referiu ser uma questão que deve ser discutida pelo parlamento.

 

"Nos últimos anos foram aplicadas numerosas reformas uma Turquia, uma delas foi a abolição da pena de morte, promovemos numerosas reformas, claro que se inseriram no nosso processo de adesão à União Europeia (UE), um objectivo estratégico para a Turquia e continuamos a seguir esse caminho. Mas penso ser demasiado cedo para extrair conclusões, é algo que deve ser discutido no parlamento turco e veremos o que acontece", afirmou Ebru Gökdenizler.

 

Sobre a eventual aplicação da lei marcial no país, uma medida que estava a ser hoje avançada por diversos media, a embaixadora disse desconhecer tal decisão e aconselhou a "não se extraírem conclusões precipitadas".

 

Os apelos de diversos aliados da Turquia e de organizações internacionais para o respeito pelos direitos fundamentais, numa referência às dezenas de milhares de prisões, detenções, demissões ou afastamentos compulsivos em diversas instituições estatais desde sexta-feira.  "Alguns dos nossos aliados e amigos expressaram apoio à Turquia ao condenarem o golpe de Estado e apoiarem as instituições democráticas eleitas, mas também houve algumas vozes que manifestaram preocupações", reconheceu.

 

"Neste momento, precisamos de um pouco mais de apoio dos nossos aliados. Primeiro, porque a Turquia é um país governado pelo Estado de direito, o que significa que as pessoas que estão a ser detidas, todos esses casos terão os respectivos processos judiciais e de acordo com a lei".

 

A natureza "democrática" do regime turco foi outro aspecto sublinhado pela representante diplomática de Ancara, que recordou a eleição presidencial directa de 2014, onde Erdogan foi eleito com 52% dos votos, para além das consecutivas eleições para o parlamento, desde 2002 dominado pelo Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP, a formação 'islamita-conservadora' do chefe de Estado).

 

"Ninguém poderá contestar que [Erdogan] não seja um líder democrático, o nosso parlamento é eleito, somos uma democracia plena e governada pelo Estado de direito", frisou.  "E foi visível o povo turco defendeu a sua democracia, colocou-se frente aos tanques, impediu o avanço dessas forças que, devo sublinhar, são um grupo muito pequeno nas Forças Armadas turcas".

 

Ebru Gökdenizler assegurou que, nesta situação de pós-golpe fracassado, "o nosso combate ao terrorismo vai continuar", designado em particular o grupo jihadista Estado Islâmico, os rebeldes curdos do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), e ainda a FETÖ.

 

"Tentamos explicar aos nossos amigos e aliados o que fez esta organização. Infelizmente até agora os nossos apelos para cooperação nesta área não foram escutados, mas a sua capacidade enquanto organização terrorista tornou-se claramente evidente face ao que aconteceu na Turquia, e não é algo que possa ser abordado com leveza".

 

O futuro da Turquia permanece evidente para a embaixadora: apesar de momentos de "altos e baixos", um "rochedo de estabilidade" num meio geopolítico "muito complicado".

 

Concluiu: "Os desafios são enormes mas temos um Governo forte e vamos continuar a tentar... Talvez esta seja uma oportunidade para afastar de vez certos elementos que estavam a comprometer a estabilidade do nosso país. Continuaremos a ser uma inspiração estável, um rochedo estável nesta nossa parte do mundo".