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Sesimbra. Bebé que assistiu à morte da mãe "vai guardar memórias deste episódio traumático"

Psicóloga clínica explica que agora é importante restabelecer rotinas e se possível entregar a criança de 18 meses a alguém com quem tenha laços afetivos. Apesar de não saber interpretar o que viu, gatilhos podem surgir mais tarde na vida.

Um homem de 45 anosmatou a mulher e enteada esta quarta-feira à noite, e pôs termo à própria vida após o crime. Uma bebé de um ano e meio, filha do casal, escapou ilesa e foi encontrada na habitação após o crime. Melanie Tavares, psicóloga do Instituto de Apoio à Criança (IAC), refere que apesar da tenra idade da bebé, esta "vai guardar memórias deste episódio traumático" e vai precisar de apoio para garantir que cresce de forma saudável e equilibrada.

João Cortesão

"Temos aqui uma situação em que a criança como é muito pequenina não vai conseguir organizar as memórias e fazer um sequenciamento das imagens, mas vai guardar as sensações devido ao contexto em que aconteceu e da violência daquilo que testemunhou", diz a psicóloga, sublinhando que as expressões faciais que viu vão ficar consigo. A especialista explica que os bebés interpretam expressões faciais das pessoas mais ligadas a si e com quem têm uma relação afetiva mais próxima e que "organizam as suas emoções" de acordo com essas expressões que captam. "A bebé interpretou toda aquela situação como uma situação de insegurança, ter-se-á sentido desamparada e emocionalmente desorganizada. Mas o que não consegue é fazer um relato e uma sequência lógica da história", diz.

As sensações que captou neste evento traumático poder-se-ão vir a manifestar à medida que for crescendo, indica Melanie Tavares, explicando que haverá gatilhos que irão despertar memória das sensações deste evento traumático e que é preciso haver um "ambiente de afeto e de harmonia para garantir que existe um crescimento emocional e cognitivo equilibrado desta criança".

Como se faz o acompanhamento?

Nesta primeira fase deve-se garantir o suporte à pessoa que ficar com a custódia da bebé, "para que possa reforçar o vínculo da figura maternal que ficou agora vago", informa Melanie Tavares. "É preciso assegurar que quem cuida da criança sabe quais são as necessidades desta bebé e sabe como suprir essas necessidades de proteção emocional", complementa. E o mais importante é manter as rotinas. "A criança perdeu as referências familiares mais próximas e por isso agarrar-se às rotinas é muito importante", sendo por exemplo aconselhado a trabalhar com uma possível educadora ou ama que acompanhasse a criança.

A psicóloga defende que esta criança deve ficar com alguém com quem já tivesse um vínculo afetivo para não ser preciso recomeçar um processo de vinculação emocional do zero e é por isso que se costuma tentar que as crianças que passam por eventos traumáticos que implicam a perda de progenitores fiquem com familiares próximos. "Tem de ser uma pessoa com a qual a criança se sinta confortável e que reconheça", sublinha, mas lembra que isso levanta outra questão. "Por norma, se ficar com os avós ou com tios, essas pessoas também estão a passar por um processo de luto o que dificulta a sua capacidade de desempenhar as funções parentais." E é por isso que é essencial garantir que há um sistema de acompanhamento aos cuidadores "para que consigam passar à criança segurança, conforto, afeto e protecção".

Já o acompanhamento à bebé entra uma fase posterior. "A verdade é que não existe uma idade para começar o acompanhamento, tem tudo a ver com o que a criança for manifestando. Pode até acontecer que a bebé não manifeste qualquer tipo de sintoma até aos seis anos e quando entrar no pré-escolar começa a receber estímulos que remetam para essa experiência traumática e aí sim começa a ser preciso lidar com a situação", explica Melanie Tavares, dizendo que se o cuidador for bem acompanhado, pode até nem haver essa necessidade tão cedo.

E a que sinais é preciso estar atento para perceber se a criança precisa de ajuda profissional? "Vai depender de criança para criança e da idade. Porque no imediato podemos perceber que está a sofrer com o trauma por se recusar a comer, ou ter alterações no sono. Mas mais tarde pode desenvolver doenças psicossomáticas, isolar-se ou ter dificuldades em relacionar-se com os seus pares. No entanto, temos sempre de avaliar o contexto, porque esse isolamento pode não estar relacionado com o evento traumático, mas sim, por exemplo, com bullying ou até a personalidade da criança", defende a psicóloga.

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