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Aumentar penas para violência doméstica? "É correr atrás do prejuízo"

Débora Calheiros Lourenço
Débora Calheiros Lourenço 12 de fevereiro de 2025 às 07:00
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IL quer aumentar as penas dos crimes de violência doméstica e contra a autodeterminação sexual e a proposta será discutida no Parlamento. Dalila Cerejo, investigadora do Observatório Nacional de Violência e Género, reforça que a aposta deve ser na prevenção. Cátia Pontedeira, da UMAR, refere que a ideia pode diminuir penas suspensas.

O Parlamento vai discutir esta quarta-feira uma alteração ao Código Penal proposta pela Iniciativa Liberal (IL) com vista a alterar as molduras penais dos crimes de violência doméstica, além do aliciamento de menores para fins sexuais e crimes contra a autodeterminação sexual e liberdade sexual. André Abrantes Amaral, deputado da IL, explica à SÁBADO que o objetivo desta revisão passa pelo "aumento das penas efetivas" previstas para estes crimes, mas também pelo aumento das "penas acessórias, especialmente no caso dos crimes contra a autodeterminação sexual, para evitar o contacto de agressores com possíveis vítimas".   

Isto porque a alteração proposta pelo partido prevê o aumento dos prazos em que um condenado deve ficar impedido de exercer trabalhos com menores, remunerados ou não, assim como o número de anos em que deve ficar impedido de iniciar um processo de adoção ou apadrinhamento civil.   

Mas será este o caminho? Dalila Cerejo, investigadora do Observatório Nacional de Violência e Género, explica à SÁBADO que "no que toca aos crimes de autodeterminação sexual", como abuso sexual ou lenocínio (favorecimento da prostituição), "era importante que o Código Penal eliminasse a zona cinzenta no que toca à questão do consentimento, mais do que o aumento das penas". Isto porque neste momento, "a questão jurídica da diferença entre a violação e abuso sexual deixa algumas dúvidas no que toca ao consentimento e à utilização da força" e, para a investigadora, é claro que "para que ocorra uma violação, não tem que existir violência".   

As recomendações de Dalila Cerejo vão ao encontro daquilo que foram as "recomendações do GREVIO [Group of Experts on Action against Violence against Women and Domestic Violence, responsável pela monitorização da implementação da Convenção de Istambul pela prevenção e combate à violência contra mulheres] relativamente ao sistema português".

Aumentar penas evita os crimes?

No que toca ao crime de violência doméstica, lê-se na proposta submetida pelo partido: "Em pleno ano 2025 continuamos a ler notícias de mortes de pessoas vítimas de violência doméstica, a Iniciativa Liberal considera essencial rever, para este crime, em concreto, o agravamento da moldura penal, em especial, nos casos de violência doméstica reiterada e frequente, bem como o alargamento de prazos da sanção acessória de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, no caso das situações mais graves".  

O partido defende que os crimes de violência doméstica que resultem em "ofensas à integridade física" devem ter uma pena de três a dez anos, ao contrário dos dois a oito anos atuais. Já os que levam à morte passam a ser punidos com pena de cinco a doze anos, em vez de três a dez.   

André Abrantes Amaral considera que é essencial "adaptarmos as leis àquilo que são as novas realidades e as perceções da sociedade relativamente às implicações desses crimes". Assim, o deputado considera que se trata acima de tudo de uma questão de "atualização" para evitar "a sensação de injustiça e de que alguns dos crimes não têm penas adequadas".   

Apesar de considerar que "todas as penas têm um efeito dissuasor" e que por isso, esta alteração pode ter um efeito importante nesse processo, o deputado admite que não é a mesma que "vai fazer com que as pessoas não cometam crimes": "Passa por conseguirmos uma punição adequada para os crimes cometidos, garantindo, tal como é pedido pelo próprio Código Penal, que a pena não é superior ao efeito negativo do crime que foi cometido".   

A investigadora Dalila Cerejo considera que "aumentar as penas é pouco e pode não ser eficaz", "especialmente porque os dados demonstram que apenas 15 a 20% dos crimes de violência doméstica transitam em julgado". Ou seja, "para a grande maioria dos casos de violência doméstica, esta alteração não vai fazer qualquer efeito".   

"Podemos subir as penas o que quisermos, mas enquanto não percebermos que tem de haver formação nas escolas, logo desde o pré-escolar, não vamos conseguir alterar o paradigma", considera. Isto porque este tipo de crimes "são baseados em assimetrias de género, onde as mulheres são muito mais vezes vítimas" e "é preciso que os jovens aprendam sobre a existência de minorias, os comportamentos que são aceitáveis dentro de uma relação e o respeito pelo outro". 

Cátia Pontedeira, criminóloga da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), expõe uma visão diferente partilhando que a atual moldura penal "prevê suspensões provisórias em casos em que o crime vá até cinco anos": "Isto acontece em todos os crimes, não apenas nos de violência doméstica." A especialista crê que "atualmente, muitas penas por casos de violência doméstica estão a ficar suspensas devido à utilização desta brecha". Para que a pena seja suspensa, "é necessário que a vítima dê a sua autorização, mas não podemos achar que uma vítima de violência doméstica tem a sua liberdade de escolha garantida".  

"O agravamento da pena pode fazer com que deixe de ser possível existirem tantas suspensões", o que para Cátia Pontedeira pode ser um ponto positivo.  

"Há um desfasamento entre a gravidade do crime e as penas" 

Cátia Pontedeira considera que "o facto de o crime passar a ter uma medida penal mais gravosa faz com que, de um ponto de vista legal, o crime passe a ser visto de uma forma mais grave", o que pode também ser utilizado para proteger mais as vítimas. 

A especialista explica que em muitos dos casos, "o que vem descrito na decisão não deveria poder corresponder a uma pena suspensa", mas os tribunais acabam por considerar que "como não existem antecedentes criminais reportados que provem que são pessoas perigosas", os culpados podem cumprir pena em liberdade.  

Ainda assim, Cátia Pontedeira reforça que "os agressores são pessoas perigosas" porque "colocaram em perigo a vida das pessoas que mais deveriam proteger". O facto de não terem antecedentes criminais reportados "não quer dizer que eles não existam", por isso, considera que existe um "desfasamento entre a gravidade deste crime e as decisões penais".  

Prevenção deve começar nas escolas 

O crime de violência doméstica continua a ser o que mais mata em Portugal. Segundo a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, durante o ano de 2024 foram feitas 30.086 queixas à PSP e à GNR, e existiram 22 homicídios em contexto de violência doméstica.   

Por isso, o deputado André Abrantes Amaral considera que é necessário que seja feita uma aposta na "prevenção" e nesse trabalho, as escolas assumem um papel essencial na sua capacidade de "consciencialização e sensibilização". O deputado liberal acredita que a disciplina de Cidadania deve ser o lugar de excelência para que essa consciencialização seja feita, mesmo tendo em conta as passadas críticas da IL a essa disciplina: "Nós já questionámos o currículo da disciplina, mas não a necessidade de existir. Para nós deve centrar-se no respeito pela liberdade individual e é claro que a prevenção da violência doméstica está inserida na proteção da liberdade individual".  

Dalila Cerejo também considera essencial esta disciplina, e partilha que é "preocupante" que o "atual Governo tenha aberto uma 'caixa de Pandora' sobre a importância da Cidadania", especialmente porque os estudos sobre a violência no namoro têm demonstrado que "mesmo após sucessivos governos do PS onde houve um investimento na disciplina de cidadania ou jovens continuam a aceitar vários comportamentos violentos".  

A investigadora alerta ainda para o facto de "a proteção às vítimas ter custos muito elevados, que poderiam ser diminuídos se trabalhássemos realmente para a prevenção e deixássemos de correr atrás do prejuízo".   

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