No encerramento da sessão solene de abertura do ano judicial, no Supremo Tribunal de Justiça, em Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa referiu que "da parte do Governo ficou já explícita a disponibilidade para equacionar as pistas agora propostas".
"Importa igualmente conhecer o posicionamento dos partidos que dispõem de assento na Assembleia da República e apurar se - independentemente das suas perspectivas próprias e até da salutar afirmação de vias diferentes quanto à governação - aceitam também, desta feita, receber e ouvir com apreço e espírito aberto o que resultou da ponderação difícil e longa daqueles que todos os dias cumprem a sua missão na nossa justiça", declarou.
O Presidente da República defendeu que "há que aproveitar estes ventos e não perder tempo" à espera da "construção ideal de um sistema completo". "Avancemos com medidas urgentes em áreas em que a necessidade é mais visível", apelou.
Na sua intervenção, de cerca de dez minutos, Marcelo Rebelo de Sousa não abordou o tema das relações entre os Estados português e angolano a propósito do processo judicial que envolve o ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente.
Também não se pronunciou sobre a polémica quanto à recondução ou não da actual procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, e quanto à admissão ou não no texto da Constituição de uma renovação do seu mandato, que termina em Outubro - um tema que, na semana passada, através de um comunicado, o chefe de Estado já tinha remetido para o "momento em que deve ocorrer tal designação".
No final do discurso, o Presidente da República aconselhou a que não se confunda "o institucional com o que não é, a essência com a especulação sobre ela, o fundamental com a espuma de cada dia" "Não nos dispersemos, entretanto, quanto ao essencial: dignificar e vitalizar a nossa justiça, num ordenamento constitucional claro na caracterização dos poderes e, desde logo, na definição como públicas das missões da própria justiça", disse.
Perante o primeiro-ministro, António Costa, o presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, e os mais altos representantes do sector da justiça, Marcelo Rebelo de Sousa acrescentou: "Sigamos em frente, serena e determinadamente. Temos muito caminho a percorrer".
"Podem todas vossas excelências, cientes, espero, da necessidade de mudança, contar com o apoio do Presidente da República, desde o primeiro minuto do exercício de funções até ao termo de compromisso resultante dos votos dos portugueses -- tal como todas vossas excelências, sempre, e só, a pensar em Portugal", concluiu.
Quanto ao Pacto de Justiça, tema principal da sua intervenção, o chefe de Estado considerou que "a maioria esmagadora dos protagonistas da justiça entendeu plenamente" o seu apelo, feito na sessão solene de abertura do ano judicial de 2016, e expressou reconhecimento aos signatários deste acordo.
No seu entender, "o poder político só ganha em contar com a energia vital daqueles que têm a vida permanentemente ligada à efectivação da justiça".
Relativamente ao conteúdo do acordo entre os parceiros da justiça, segundo Marcelo Rebelo de Sousa, houve "arrojo, em propostas de estimulante controvérsia, mesmo constitucional, desde o estudo da unificação das jurisdições comum e administrativa e fiscal à especialização dos tribunais superiores na área da família e da criança, à maior publicidade e comunicação da justiça, à transparência da informação sobre sociedades".
O Presidente da República incluiu também nesta lista as propostas de "rejeição de fórmulas questionáveis de cobrança extrajudicial" e de "escalonamento nos custos da justiça" e a "reflexão sobre a compatibilização de tipos criminais com realidades sociais e económicas em mutação".
Agora é preciso "não abrandar" e prosseguir este processo com um "encontro ainda mais intenso entre os parceiros da justiça, o Governo e a Assembleia da República", afirmou.
"O que todos desejamos é que dessa interacção com a Assembleia da República e o Governo possam decorrer muitos mais passos positivos para todos os portugueses, que lhes sejam explicados e que possam motivar a sua adesão", reforçou.
Van Dunen: País "está em processo de mudança acelerada"
A ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, congratulou-se, por seu turno, com o facto de 2017 ter terminado com menos 300 mil processos pendentes nos tribunais, por comparação com Dezembro de 2015.
"A acção executiva, um dos espaços maiores de congestionamento do sistema, é responsável por uma parte substancial dessa descida", disse Francisca Van Dunem, ressalvando que a justiça penal está a dar "respostas em prazo razoável e melhoria dos níveis de esclarecimento do crime".
Admitiu, contudo, que os processos administrativos e tributários continuam a "registar bolsas de congestionamento", em particular no segmento da justiça tributária, mas que tiveram uma redução de 13%.
Em matéria de combate ao branqueamento de capitais, Van Dunem realçou o "reforço de obrigações de reporte e a criação do regime do beneficiário efectivo" que "densificam a malha de controlo em matéria de criminalidade económico-financeira e de terrorismo".
Francisca Van Dunem aproveitou a abertura do ano judicial para fazer um balanço da acção governativa, lembrando a reabertura dos 20 tribunais encerrados na reforma de 2014, a reabertura de cursos de formação para juízes e magistrados do Ministério Público e a entrada de cerca de 400 oficiais de justiça.
A modernização do sistema de informação e da organização dos tribunais inseridos no programa Justiça + Próxima e novos desenvolvimentos no sistema informático CITIUS foram outros temas da intervenção.
"Está em curso, em modo experimental, o desenvolvimento vertical do Citius com extensão a dois tribunais da relação estando previsto o seu alargamento a todos durante o corrente ano de 2018", anunciou.
Segundo a ministra, "a modernização da organização burocrática dos tribunais continua a estar no centro da agenda" do Governo".
Lembrou que as mudanças não se fazem sem "rupturas, nem sobressaltos" e que é num contexto de colaboração e diálogo que se situam os acordos para o sistema de justiça.
"Todos somos poucos para concretizar o desígnio comum de uma justiça acessível, célere segura e compreensível. Mas precisamos de consolidar este caminho, de fixar as fórmulas de não retorno", concluiu.
Van Dunem vincou que o País "está em processo de mudança acelerada" e que "o papel dos tribunais será ainda mais importante, na afirmação do direito à diferença. Do género, da raça, da religião, da nacionalidade".