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Incêndios: aumento de vegetação, má gestão florestal e calor foram balas da "roleta russa"

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Houve um aumento significativo de vegetação este ano. Não foi tratada, cresceu e secou (como pólvora). A culpa dos incêndios é complexa e devia gerar "consenso nacional", considera Xavier Viegas, diretor do Laboratório de Estudos sobre Incêndios Florestais.

Estamos em julho de 2022. Durante o mês com maior intensidade de incêndios, o então recém-eleito presidente do PSD Luís Montenegro colocou o ónus de responsabilidade no Executivo socialista de António Costa. “É que sempre que há um problema, a culpa é de toda a gente menos do Governo… parece que é sempre culpa de toda a gente, menos do Governo", afirmou o líder da oposição durante os incêndios no distrito de Leiria, onde se verificaram falhas operacionais na rede de comunicações SIRESP (Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal). Um mês depois, viria a repetir: “Fico um pouco apreensivo quando o Governo se tenta desresponsabilizar por tudo aquilo que corre mal… Não se pode estar todos os anos à espera que acabem os incêndios para fazer avaliações e depois, no ano seguinte, continua a haver incêndios”. Volvidos três anos, a moeda virou: Montenegro é primeiro-ministro e, confrontado com uma crise de incêndios no País, lamentou que “nas situações de crise é sempre muito difícil fazer essa gestão”: "Estejam cientes de que, com elevadas temperaturas que temos tido, com níveis baixos de humidade, com ventos fortes que, muitas vezes, são os responsáveis pela imprevisibilidade do comportamento dos próprios fogos e da sua propagação", afirmou a 31 de julho, em Valpaços. 

Bombeiros combatem incêndios em Portugal, que já consumiram milhares de hectares
Bombeiros combatem incêndios em Portugal, que já consumiram milhares de hectares Pedro Sarmento Costa / Lusa

Em tempo de grandes incêndios, os partidos políticos trocam responsabilidades — contudo, a culpa é complexa e devia ser motivo de "consenso nacional", considera Xavier Viegas, diretor do Laboratório de Estudos sobre Incêndios Florestais, da Universidade de Coimbra. "Não devemos politizar, é um fenómeno com fatores muito complexos e que exigem um consenso nacional", frisa o especialista."

"Acompanho incêndios há mais de 30 anos e, este ano, parece que estou a ter um déjà vu. As condições naturais parecem as de há vinte anos: com as chuvas do início do ano, houve um crescimento significativo de vegetação herbácea e arbustiva fina. Alguma foi cortada em iniciativas de limpeza de vegetação, mas voltou a cresceu e seca, disponível para arder, concluiu o professor jubilado da Universidade de Coimbra.

As lacunas do Governo

Este ano pode ser um dos piores das últimas décadas. Segundo dados do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), os incêndios de 2025 já consumiram mais de 172 mil hectares até domingo, ultrapassando uma área superior à que ardeu em 2024. E arderam 32 mil hectares só entre sábado e domingo. "Não chove desde o início de junho e a vegetação ardida está a propagar-se. E não há território livre disso: temos visto concentração de incêndios no Centro e Norte, mas também Alentejo e Algarve", reflete Xavier Viegas.

Na segunda-feira, estavam ativos quatro grandes incêndios, com mais de quatro mil operacionais apoiados por 30 meios aéreos. Chegaram a estar ativos 12 grandes fogos em Portugal continental, a maioria no interior centro do País, com especial foco para os distritos de Viseu, Guarda e Coimbra. Destes fogos classificados como ocorrências significativas na página da Proteção Civil, metade começaram há dois dias ou mais, não tendo até agora sido controlados.

Existem queixas de que houve inação do Governo. “Consideramos que, perante as condições meteorológicas registadas na semana passada, teria sido oportuno convocar a Comissão Nacional de Proteção Civil para avaliar a situação e adotar medidas adequadas”, sublinhou António Nunes, presidente da Liga dos Bombeiros, que teve na segunda-feira uma reunião com o Presidente da República. Vão voltar a reunir-se na próxima semana: “Vamos aguardar serenamente pela reunião da próxima semana com o senhor Presidente da República. Vamos uma vez mais sistematizar aquilo que entendemos que o setor precisa”, anunciou António Nunes.

Não é a única queixa: Xavier Viegas aponta para a importância de se ter chamado a ajuda europeia mais cedo e de ter os Canadair funcionais - no entanto, só isso não bastaria para a prevenção total destes incêndios. "É verdade que o pedido de ajuda à Europa [o mecanismo europeu de Proteção Civil] devia ter sido pedido há mais tempo. E mesmo assim, mesmo com um pedido antecipado, não sei se ia resolver muito", conclui. "Oxalá haja precipitação."

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