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Governo e municípios em guerra sobre limpeza de terrenos

23 de janeiro de 2018 às 18:30
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Associação de Municípios rejeita a legislação que responsabiliza as autarquias pela limpeza das florestas e quer uma reunião urgente.

Os autarcas estão contra o Governo na questão da limpeza de terrenos para impedir incêndios florestais. Hoje, depois de uma reunião do Conselho Directivo (CD), a Associação Nacional de Municípios Portugueses anunciou que rejeita a legislação que responsabiliza as autarquias pela limpeza das florestas, caso os proprietários não a façam, e garantiu que vai pedir uma reunião com urgência ao Governo. Para as autarquias, essa actividade cabe à Protecção Civil.

A associação liderada por Manuel Machado, presidente da Câmara Municipal de Coimbra, aprovou "por unanimidade", uma posição contra o projecto de diploma do Governo sobre a gestão de combustível nas matas, no âmbito do Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios.

A posição contra o projecto de Regime Excepcional das Redes Secundárias de Faixas de Gestão de Combustível, preconizado no artigo 153.º do Orçamento do Estado para 2018 (Lei 114/2017), foi aprovada por "todos os membros do CD", que são autarcas eleitos pelo PS, pelo PSD e pela CDU, e vai ser transmitida a todos os municípios e ao Governo, ao qual a ANMP solicitará "uma reunião com carácter de urgência".

A Associação "não pode aceitar que o Estado central legisle numa perspectiva de colocar o ónus de resolver tudo aquilo que não foi feito em décadas, nos municípios, tendo estes, segundo o legislador, que realizar esta tarefa em menos de três meses", afirma Manuel Machado.

O poder central "tem de assumir - tal como os municípios têm feito através dos seus orçamentos e sem apoios externos -, de uma vez por todas, as suas responsabilidades no âmbito da protecção civil", sustentou o presidente da ANMP, salientando que "a segurança de pessoas e bens é uma função de soberania constitucionalmente consagrada", que "compete ao Estado central".

O Estado "não realizou, até ao presente", apesar das "sucessivas solicitações" da Associação, "o cadastro da propriedade rústica e não conseguiu impor", ao longo de décadas, a limpeza das florestas aos privados", sublinha Machado.

A administração central "nem tão pouco cuidou das matas sob sua jurisdição". O que aquilo que é determinado na Lei do Orçamento do Estado para 2018, "não é exequível".

O legislador desconhece, "notoriamente, a realidade do território nacional" e "as condições em que [esse território] está identificado e cadastrado", acrescenta.

A prioridade do regime excepcional deveria ser, para a ANMP, "enfatizar, de forma inequívoca, a responsabilização dos proprietários, em sentido amplo", em relação à execução das faixas de gestão de combustível e não "fazer transparecer para a opinião pública a ideia de que a obrigação imediata está na esfera dos municípios, quase desobrigando os proprietários" das suas responsabilidades.

"Parece que a preocupação do Estado central mais não foi do que passar responsabilidades" para as autarquias, sem verificar se "as condições para o êxito das medidas estavam asseguradas na prática e não apenas na letra da lei", critica o presidente da ANMP, que "repudia" igualmente a sanção prevista para os municípios que "eventualmente não consigam cumprir com o regime".

Para conseguirem executar "a tarefa imposta de limpeza das faixas de gestão de combustível", os municípios terão de recorrer a empresas, cuja contratação, apesar de, na circunstância, poder ser feita por ajuste directo, não dispensa o cumprimento de prazos mínimos, refere ainda Manuel Machado.

Além disso, o mercado pode não estar preparado para responder de imediato à "procura que se vai verificar de empresas especializadas nestes trabalhos de limpeza", provocando uma subida exponencial dos preços, sublinha.

Mas a ANMP reconhece que "os trágicos incêndios florestais registados nos últimos meses" exigem dos municípios, do Estado central e das "demais entidades com responsabilidades nesta área", capacidade de adopção, "com celeridade", de "alterações estruturais" e medidas que minimizem "a possibilidade de ocorrência destes flagelos" e que "é fundamental a implementação de um conjunto de reformas" do sistema de protecção civil e do ordenamento da floresta.

Os municípios "estão conscientes das suas responsabilidades", assumem-nas e reafirmam a sua disponibilidade e empenho em cooperarem na resolução dos problemas, mas o Estado central também tem de assumir as suas responsabilidades, advertem.

As limpezas de vegetação em redor de casas e povoações devem ser realizadas até Março, alertou hoje o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, apelando à prevenção para evitar os incêndios florestais.

Em Vila Nova de Poiares, um dos concelhos afectados pelos fogos de 15 e 16 de Outubro de 2017, Eduardo Cabrita fez "um apelo a todos os portugueses", incluindo autarquias, empresas públicas e privadas e cidadãos em geral, para que esses trabalhos sejam concluídos dentro do prazo.

A aposta na prevenção permite "criar condições para que os incêndios possam ser combatidos adequadamente" no futuro, sublinhou, frisando que se trata de "uma indiscutível prioridade nacional".

O ministro da Administração Interna falava aos jornalistas, em Vila Nova de Poiares, no distrito de Coimbra, após ter presidido, nos Paços do Concelho, à cerimónia de assinatura de um protocolo para a constituição da equipa de intervenção permanente (EIP) local, envolvendo o município, a Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) e os Bombeiros Voluntários.

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