Marcelo tem o pedido de cidadania parado desde setembro de 2024. Jheniffer enviou toda a documentação para o mesmo efeito, no final daquele ano, e o processo nem foi aberto. As reclamações chovem ao Portal da Queixa: 277 contra o IRN, desde janeiro de 2025 até 15 de setembro.
O trabalho por conta própria corre-lhe bem, gosta do que faz (é formador), elogia o clima ameno da região transmontana e a segurança. Mas na vida organizada de Marcelo Carvalho, natural do Paraná (sul do Brasil), há uma incógnita que o assusta. Aos 56 anos, e há sete em território nacional, questiona-se se até ao final deste ano conseguirá obter cidadania portuguesa – isto porque a 3 de janeiro de 2026 caduca o título de residência. E depois? "Depois disso não consigo ter contrato por não ter título de residência válido", diz Marcelo Carvalho à SÁBADO.
O mau atendimento lidera a maioria das queixas (58%) em relação ao IRN (Instituto de Registos e Notariado), que chegam ao Poral da Queixa Diogo Pinto
Não he faltam qualificações: a par da actividade profissional, o requerente prepara um doutoramento na área de Educação e já conta com um mestrado no currículo. Depois de cinco anos com títulos de residência temporários no norte do País, renováveis anualmente, chegara a altura de fixar-se. Sente-se totalmente integrado, paga impostos e segurança social (dos €140 aos €400 por mês, consoante o volume de trabalho).
Processo parado
O imigrante brasileiro fez o pedido de nacionalidade em fevereiro de 2024, na conservatória de Vila Real (pertencente ao Instituto de Registos e Notariado, IRN). O pedido foi registado no início daquele mês (2.ª fase) e os documentos analisados (3.ª fase). Tudo correu de feição em 2024, tendo em conta a burocracia associada. O processo ia passando as diversas etapas, mas desde 11 de setembro daquele ano que nada acontece. Está parado quase no final da jornada, a mais decisiva: a quarta e última, que lhe permitirá ser cidadão de plenos direitos.
Quando o requerente consulta online o ponto de situação, através do portal do ministério da Justiça (o IRN está sob a sua tutela), depara-se com a seguinte indicação (datada de 30 de outubro de 2024): "O pedido já passou por todas as transações , com a excepção da transação 'Proposta de Decisão'."
Preocupado com o impasse, e depois de várias tentativas de resposta por parte dos serviços – dizem-lhe que nada podem fazer, que quem decide são "instâncias superiores" –, Marcelo Carvalho resolveu expor a situação no Portal da Queixa. Na reclamação de 8 de setembro de 2025 escreveu: "No dia 2 de fevereiro próximo fará dois anos que entrei com o meu pedido de nacionalidade por tempo de residência. Os processos estão muito atrasados para todos os requerentes, contudo, se todos os documentos exigidos já foram analisados e a única coisa que deve ser feito é o parecer, não compreendo a demora no processo."
Continua sem respostas, à SÁBADO fala com preocupação: "O próprio Estado gera caos. Se não consigo revalidar título, não consigo contrato de trabalho e terei de requerer subsídio de desemprego (€400). Eu não quero €400 do Estado, quero pagar €400 de impostos."
Portal da Queixa nota agravamento
A tendência de agravamento no número de
reclamações dirigidas ao IRN é notada no Portal da Queixa, que, em comunicado recente, enumera os principais problemas apontados pelos requentes. "O mau atendimento motiva a maioria das queixas
dos cidadãos (58%), onde há relatos de ineficiência, atendimento
inadequado, falhas de comunicação, informação insuficiente ou mesmo recusa de
serviço", lê-se. O período em análise vai de 1 de janeiro a 15 de setembro de 2025, tendo sido registadas 277 reclamações face às 210 do período homólogo do ano anterior. Um aumento de 32%, o que se traduz num baixo índice de satisfação (IS): numa escala de 0 a 100, o IRN recebe 20.2 pontos. O seu desempenho é considerado pelos utentes como "Fraco", refere o mesmo comunicado.
Pedro Lourenço, fundador do Portal da Queixa diz que há uma "insatisfação generalizada do cidadão"Ricardo Meireles/SÁBADO
O que leva o fundador do Portal da Queixa, Pedro Lourenço, a falar à SÁBADO de "insatisfação generalizada do cidadão". O mesmo responsável assegura que tentam comunicar com o IRN "variadíssimas vezes", sem sucesso. "O IRN é notificado, via email, a cada reclamação no Portal da
Queixa. Está a par de todas as reclamações que nos chegam", diz.
A SÁBADO tentou também obter esclarecimentos junto do organismo público, através de envio de questões por email ao Ministério da Justiça. Até à hora de fecho deste artigo não obteve resposta.
"Nem deram entrada ao processo"
A demora do IRN é apontada por Jheniffer Tereza, numa reclamação de 15 de setembro no Portal da Queixa. "Enviei meus
documentos e fiz o pagamento para obter a nacionalidade em dezembro de 2024 e
até então nem deram entrada no meu processo, nem senha recebi. Ligo e ninguém
atende, mando e-mail e só me respondem com mensagens automáticas", lê-se.
À SÁBADO, a queixosa refere que enviou os documentos necessários, por correio, aos serviços centrais de Lisboa: formulário preenchido, documento de identificação, certidão de nascimento, registo criminal e comprovativo de pagamento para dar início ao processo [€250]." Nada acontece.
Advogados insatisfeitos
Desde a pandemia que muitos funcionários do IRN adotaram o regime de teletrabalho, mudança que no entender do advogado Frederico
Assunção (da firma Dantas Rorigues & Associados) agravou os atrasos nos procedimentos. "Notámos que os serviços passaram a demorar muito mais desde esse
período para cá", diz à SÁBADO. E exemplifica: "Fizemos em outubro de 2024, um registo de cessação de funções de gerente (por
óbito do mesmo), que só veio a ficar concluído cinco meses depois. Ou seja, um
regime, sem qualquer tipo de complexidade, demorou vários meses até estar tratado."
Esperam-se meses por vaga de atendimento presencial, segundo o advogado Frederico Assunção (da firma Dantas Rodrigues & Associados): D.R.
Existem outros
registos, por exemplo de constituição de sociedades ou alterações de quotas que
demoraram três a quatro meses a ficarem concluídos. Tal lentidão prejudica as empresas que, nesses períodos, algumas chegam a ter dificuldades
financeiras. O advogado explica: "Veem-se impossibilitadas
de receberem valores/rendimentos, já que para alterarem dados nos bancos necessitam
de juntar as certidões comerciais atualizadas e não conseguem."
Nos atendimentos presenciais, há funcionários que atendem enfadados, relata o mesmo advogado: "Muitas vezes é preciso ter sorte com o funcionário que apanhamos, já que muitos
parecem que nos estão a fazer um favor." A “regra” passou a ser
a marcação prévia ou antecipada, "mas geralmente demora-se semanas ou meses para
se ter vaga nos grandes centros urbanos." E frisa: "É urgente que a tutela
tome medias drásticas para que o IRN não colapse totalmente."
"Severa" falta de pessoal
Há uma "severa falta de pessoal , incluindo Conservadores e os serviços informáticos", lamenta à SÁBADO o advogado Germano Costa Campos, quando questionado acerca da situação do IRN. Sobre as falhas na plataforma, recorda a recente suspensão pelo IRN de alguns serviços como a “casa pronta” e o “balcão de heranças e partilhas por divórcio”.
O advogado Germano Costa Campos aponta para a falta de pessoal nos serviços do IRND.R.
De todos os atrasos, destaca os processos referentes aos imigrantes e relata um caso de pedido de nacionalidade, em maio de 2022. Mais de três anos decorridos, "nem sequer existe previsão para que seja proferida decisão." Por isso, Germano Costa Campos sugere "a criação de uma plataforma digital exclusiva dos advogados, que permita a submissão de documentos e acompanhamento dos processos, permitindo a existência de condições que visem a celeridade dos processos."
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A condenação do CSMP assenta na ultrapassagem das limitações estatutárias quanto à duração dos mandatos e na ausência de fundamentos objetivos e transparentes nos critérios de avaliação, ferindo princípios essenciais de legalidade e boa administração.
A frustração gera ressentimento que, por sua vez, gera um individualismo que acharíamos extinto após a grande prova de interdependência que foi a pandemia da Covid-19.