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"O Fabian Figueiredo despediu-me por telefone": novo testemunho de mãe dispensada pelo BE

Leonor Riso , Marco Alves 31 de janeiro de 2025 às 11:13

Uma das trabalhadoras despedidas pelo Bloco de Esquerda quando estava a amamentar relata como a sua substituta foi colocada a trabalhar ao seu lado, enquanto ela ficou sem respostas.

Uma das trabalhadoras do Bloco de Esquerda (BE) despedida quando tinha acabado de ser mãe enviou uma carta aos militantes, a que a SÁBADO teve acesso. Na missiva, relata como foi dispensada por telefone apesar de estar na sede do partido, como colocaram a sua substituta ao seu lado enquanto ela ficou sem funções, e recorda que apesar da situação, não podia tomar calmantes por estar a amamentar. Tinha uma bebé de nove meses. 

Foi a 3 de fevereiro de 2022 que quando estava no "posto de trabalho no Palmeiras [sede do partido na Rua da Palma, Lisboa]", "o camarada Fabian Figueiredo (em isolamento devido à covid-19) me telefonou despedindo-me por telefone e informando-me que seria substituída pela camarada RS", conta. "Minutos depois entra o ex-deputado Jorge Costa na nossa sala, dirigindo-se a um colega despedido também por telefone minutos antes de mim, visivelmente abalado e que lhe diz que já fora informado do seu despedimento. Em resposta o dirigente e ex-deputado responde que tinha trabalho para ele fazer. Estavam na sede vários dirigentes e deputados, mas não consideraram digno despedirem-nos olhos nos olhos."

Afirma que o despedimento "não podia ter sido pior gerido" e "custa-me crer que decorreu num partido que defende os direitos dos trabalhadores": "Trabalhadores foram despedidos por telefone e conversas Zoom que não ultrapassaram os dois minutos, num processo sem qualquer empatia pelo significado que um despedimento tem para qualquer trabalhador, inclusive um funcionário político."

Marisa Cardoso/Sábado



A trabalhadora despedida questionou o Bloco sobre a sua data de saída e sobre se podia tirar os 45 dias de férias por gozar, não obtendo resposta. Em vez disso, "a camarada que me ia substituir (…) começa a sentar-se na secretária ao meu lado e desempenhando tarefas que por mim não passavam": "Foi um período de enorme sofrimento e ansiedade que se agravava por não poder tomar qualquer tipo de calmante por estar a amamentar."

Lamenta que o partido tenha despedido as duas recém-mães de uma equipa de seis pessoas. "Na hora de despedir, o Bloco de Esquerda tomou a mesma decisão que tomam as empresas que tanto criticamos: despediu quem menos produz, não apoiou quem está em situação de maior vulnerabilidade."

Esta recém-mãe na altura diz ainda ter sido alvo de críticas de pessoas do partido, por exemplo à "amamentação prolongada pela camarada que nunca exigiu atestado de amamentação" ou "sobre a longa ausência por licença de maternidade". "O trabalho durante a baixa de gravidez de risco ou licença de maternidade é um esforço militante. Tudo linhas que se cruzam e que sabemos que não toleraríamos num outro trabalho", frisa.



A autora da carta aponta que a figura de comissão de serviço, através da qual trabalhava no partido, não se aplicava às suas funções no partido e que deveria pertencer aos quadros. O despedimento não se deveria ter desenrolado daquela forma: "Se tivesse seguido para Tribunal do Trabalho, como ameacei, o desenrolar do processo teria sido outro." Lança ainda a questão: "Será que há trabalhadores a falsos recibos verdes, por exemplo?"

Desde que a SÁBADO revelou o despedimento de cinco recém-mães, esta visada lamenta ter sido alvo de "muitos insultos, alguns deles focados no facto de ter recebido um salário para não trabalhar" – uma referência aos contratos fictícios feitos às lesadas que vigoraram entre maio e dezembro de 2022. "Para mim foi um gesto indigno, humilhante e a assinatura do contrato foi muito claramente a venda do meu silêncio. (…) Saber que o meu partido preferia pagar-me tendo-me longe a ter-me a trabalhar para ele foi para mim uma enorme humilhação. Que na sequência disso nenhum dirigente tivesse entrado em contacto comigo foi um murro no estômago."

A trabalhadora conta ainda que depois de a sua história ter sido tornada pública, contactou o Bloco de Esquerda mas não obteve respostas. "Estive em silêncio quase três anos. Durante muito tempo tinha de mudar de canal ao ver na televisão pessoas a quem em tempos chamei amigos e camaradas. As manifestações eram incómodas. Os encontros na rua igualmente."

Lamenta ter visto a sua situação ser motivo de piadas por parte de uma dirigente do partido, bem como o "comunicado absurdo sobre ataques da extrema-direita".

"Envio este email a muitas mulheres, algumas com as quais pouco ou nada falei, na esperança que compreendam que o feminismo também é feito para as mães e que aquilo que um partido político defende também tem de ser aplicado dentro de portas. O debate sobre formas de financiamento é velho, ficará para quem continua no partido. Peço que não deixem estes assuntos cair no esquecimento. Que se apliquem regras internas e que se pensem práticas que temos como normais. Por que motivo é que as mulheres desaparecem da vida política quando são mães? Por que é que as mulheres ativas na política ou não têm filhos ou já os têm mais crescidos? Por que é que mesmo dentro do Bloco há tanta estranheza quando um homem diz que não pode ir a um plenário por ter de cuidar de um filho", conclui.

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