Sábado – Pense por si

Índia. Primeiro-ministro inaugura templo sobre as ruínas de mesquita do século XVI

Andreia Antunes
Andreia Antunes 22 de janeiro de 2024 às 17:03
As mais lidas

A construção do templo Rama na cidade de Ayodhya cumpre uma promessa nacionalista hindu, que ajudou a impulsionar o Partido do Povo Indiano, que defende o reforço da noção de Estado hindu em vez do laico.

Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia, inaugurou um grande templo ao deus hindu Rama, na cidade de Ayodhya, sobre uma mesquita do século XVI demolida por hindus em 1992, no âmbito do seu projeto populista de tornar o país num Estado hindu.

A cerimónia, que foi transmitida em direto, mostrou o primeiro-ministro a realizar rituais religiosos no santuário, juntamente com sacerdotes e Mohan Bhagwat, chefe do Rashtriya Swayamsevak Sangh, organização nacionalista hindu de direita.

"A data de hoje ficará na história", afirmou Narendra Modi. "Após anos de luta e inúmeros sacrifícios, o deus Rama chegou [a casa]. Quero felicitar todos os cidadãos do país por esta ocasião histórica."

O evento contou com dezenas de milhares de devotos hindus a agitar bandeiras e a tocar tambores, e helicópteros lançaram pétalas de flores sobre o templo. Várias bandeiras com imagens de Rama - um avatar hindu que é considerado a encarnação divina de Vishnu, deus protetor representado com quatro braços – estavam alinhadas pelas ruas enfeitadas com flores, e também com cartazes com o rosto do primeiro-ministro e do ministro-chefe do estado Uttar Pradesh, Yogi Adityanath.

Noutras cidades do norte da Índia, onde o novo templo se situa, os hindus acenderam candeeiros e bandeiras com as imagens de Rama nos telhados. Até os cinemas exibiram o evento, com os grandes ecrãs a transmitirem imagens da cidade de Ayodhya para as praças e bairros residenciais.

A cerimónia, conhecida como Pran Pratishtha, que em sânscrito, língua ancestral do Nepal e da Índia, significa "estabelecimento da força vital", durou cerca de uma hora. Os hindus acreditam que a entoação de mantras e a realização de rituais à volta de uma fogueira infundem vida sagrada a um ídolo ou a uma imagem de uma divindade.

Milhares de polícias foram destacados para o evento desta segunda-feira, apesar do primeiro-ministro ter apelado aos peregrinos para não comparecerem e assistirem à cerimónia pela televisão. Nos estados governados pelo partido, foi convocado um feriado de meio dia ou dia inteiro, com escolas e universidades fechadas.

As autoridades afirmam esperar mais de 150 mil visitantes por dia, quando o templo estiver totalmente concluído. Para fazer face a este afluxo, estão a ser construídos novos hotéis e os já existentes estão a ser melhorados. Nas últimas semanas, foram também inaugurados um novo aeroporto e uma nova estação ferroviária.

Estão a construir uma "cidade de classe mundial, onde as pessoas vêm como peregrinos e turistas", segundo as autoridades. No entanto, muitos habitantes locais disseram que as suas casas, lojas e "estruturas de natureza religiosa" foram totalmente ou parcialmente demolidas para expandir as estradas e criar outras instalações.

A contrução do templo custou cerca de 199 milhões de euros. Apenas o piso térreo foi inaugurado, mas espera-se que o resto esteja concluído até ao final do ano. As obras de construção fazem parte de uma renovação da cidade, cujo custo está estimado em mais  de 2,7 milhões de euros.

A polémica por de trás do templo

Este templo substitui uma mesquita do século XVI que foi demolida por motins hindus em 1992, que provocaram a morte a cerca de 2 mil pessoas. Muitos hindus acreditam que a mesquita de Babri foi construída por invasores muçulmanos sobre as ruínas de um templo onde nasceu o deus hindu.

Em 2019, o Supremo Tribunal atribuiu o terreno, que estava em disputa, aos hindus, após uma longa batalha jurídica que se seguiu à demolição da mesquita. Já os muçulmanos receberam um terreno fora da cidade para construir uma nova mesquita, apesar de ainda não o terem feito.

Um membro da comunidade muçulmana em Ayodhya disse à BBC que os hindus têm o direito de construir o templo, após o Supremo Tribunal lhes ter dado o local. "Não aceitámos essa decisão de bom grado, mas o que podemos fazer", disse.

A construção do templo Rama na cidade de Ayodhya cumpre uma promessa nacionalista hindu de várias décadas, que ajudou a impulsionar o partido Bharatiya Janata (Partido do Povo Indiano), onde milita o primeiro-ministro.

Narendra Modi e os partidos nacionalistas consideram o templo essencial para a sua visão de reclamar o orgulho hindu, que afirmam ter sido suprimido durante séculos de domínio do império Mughal e do colonialismo britânico. Defendem também o reforço da noção de Estado hindu em vez da democracia laica que se encontra atualmente.

Alguns videntes hindus, religião Rishi onde os videntes são considerados como os mensageiros divinos, e uma grande parte da oposição boicotaram o evento, afirmando que o primeiro-ministro estava a utilizá-lo para obter ganhos políticos. Já outros afirmaram que, como o templo não estava totalmente construído, era contra o hinduísmo realizar rituais no local.

As eleições gerais na Índia estão previstas para maio, e os rivais políticos do primeiro-ministro afirmaram que o Partido do Povo Indiano, que se encontra no poder, está a procurar votos em nome do templo num país onde cerca de 80% da população é hindu.

Vários críticos também acusaram o governo de explorar uma celebração religiosa num país que, de acordo com a sua constituição, é laico.

Artigos Relacionados

Férias no Alentejo

Trazemos-lhe um guia para aproveitar o melhor do Alentejo litoral. E ainda: um negócio fraudulento com vistos gold que envolveu 10 milhões de euros e uma entrevista ao filósofo José Gil.