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Defesa. Até onde pode ir o investimento da União Europeia?

Não faltam apelos para os Estados-membros investirem mais em Defesa, de Trump à NATO e até da presidente do Parlamento Europeu. Mas perito ressalva que o Estado Social não deve ser descurado.

Nos últimos meses, tem aumentado a pressão aos países da União Europeia para investir mais na Defesa: o secretário-geral da NATO fez esse apelo ao Parlamento Europeu em janeiro e já este mês, também António Costa reuniu os líderes europeus num retiro informal sobre segurança. Já em fevereiro, Roberta Metsola, presidente do Parlamento Europeu, indicou que é preciso "fazer mais para proteger a Europa" e apelou a um maior investimento em segurança, por exemplo através da capacidade do Banco Europeu de Investimento para maximizar o financiamento privado. 

Francisco Pereira Coutinho, especialista em Direito Europeu, explica à SÁBADO que "em teoria" estes investimentos não se sobrepõem porque "a defesa europeia estrutura-se na NATO". "Os Estados-membros da NATO baseiam a sua segurança na NATO", o que quer dizer que "numa situação normal, quando a União Europeia fala em aumentar o investimento na Defesa, está a falar de aumentar o seu investimento na aliança militar".  

No entanto, não vivemos uma "situação normal", a eleição de Donald Trump veio agitar as coisas e neste momento "não sabemos o que vai acontecer", alerta Francisco Pereira Coutinho. "Por isso, tem de haver um plano B, de contingência, com o qual os líderes europeus não estariam preocupados se Trump tivesse perdido as eleições." 

Para a criação de um plano B o especialista refere que "existe a possibilidade de ser criado algum instrumento europeu, especificamente para este fim, como foi feito com o PRR depois do covid", porque será necessário "tentar não afetar muito as despesas já existentes com o Estado Social", contrariando as sugestões do próprio secretário-geral da NATO: Mark Rutte propôs que uma parte dos orçamentos alocada à saúde, pensões e segurança social pudesse ser usada para fortalecer as capacidades militares da Europa.  

Ana Miguel dos Santos, ex-eurodeputada e especialista em Direito Europeu, partilha com a SÁBADO que "o objetivo deve ser trabalhar para a complementariedade" isto porque se por um lado "a maior parte dos membros da União Europeia são também membros da NATO" por outro "a autonomia não deixa de ser importante", sempre "sem prescindir da NATO": "Nos próximos anos temos de apostar na autonomia estratégica protegendo a NATO". 

Mas Francisco Pereira Coutinho sustenta que é importante para a União Europeia "salvaguardar o Estado Social para manter o apoio da população", até porque o apoio ao investimento em segurança está "normalmente ligado às precessões de segurança e estas são muito diferentes nos vários estados: nos países Bálticos é muito mais unânime a necessidade de aumentar os gastos com a Defesa do que em Portugal", considera.  

Ana Miguel dos Santos também considera que "a política é feita de opções" e que é claro que "vai ter se ser aumentado o investimento na defesa", começando pelo "investimento a nível nacional" que vai ter impacto "na defesa comunitária, seja ela através da NATO ou da União Europeia".

Exemplo da imprevisibilidade trazida por Trump são as suas consecutivas declarações sobre a Gronelândia, território semiautónomo que pertence à Dinamarca. O especialista em Direito Europeu relembra que "a NATO se baseia na confiança mútua dos aliados" e que as ameaças de Trump enfraquecem essa confiança.   

Francisco Pereira Coutinho afirma ainda: "Já existiram casos de tensão entre dois aliados, como o caso da Grécia e da Turquia, mas nunca aconteceu com os Estados Unidos e a realidade é que toda a aliança se baseia no poder militar americano".   

Apesar das ameaças diretas a outros membros da NATO, os Estados Unidos têm pedido que os países europeus gastem 5% do seu PIB em Defesa, valor que está muito longe do gasto atualmente por Portugal, que nem cumpre a anterior meta de 2%. Francisco Pereira Coutinho considera "impensável" que seja gasto esse valor, que "nem os americanos gastam": "Na realidade o que vai acontecer é que esse anúncio público vai ser utilizado como pressão nas negociações para conseguir um aumento para 3% do PIB".  

Ana Miguel dos Santos recorda que "anualmente os Estados Unidos investem 800 mil milhões de dólares em Defesa e a UE toda junta não chega a 10% deste valor", o que explica a forma como "nos deixámos ficar dependentes do investimento norte-americano sem termos de nos preocupar com a Defesa".

Apesar das críticas feitas a Trump, o professor universitário considera "compreensível o pedido de aumento de financiamento" uma vez que "tanto o Canadá como os países europeus fizeram muito pouco investimento na Defesa desde o final da Segunda Guerra Mundial, deixando tudo a cargo dos Estados Unidos". Afinal, "Trump não é o primeiro presidente dos Estados Unidos a pedir que o financiamento aumente".   

"Não vamos perder a proteção americana", acredita Ana Miguel dos Santos e reforça que "devemos tentar perceber que o que Donald Trump pede agora, de uma forma mais agressiva, é o mesmo que outro presidentes norte-americanos já pediram", o aumento do investimento europeu na aliança. 

A ex-eurodeputada reforça ainda que "não podemos pensar em parcerias económicas sem termos a nossa Defesa garantida" e que neste momento é essencial termos em conta que "a Defesa não tem só a ver com as armas e munições que possuímos", mas cada vez mais com a proteção contra outro tipo de ataques sejam eles "ataques cibernéticos, apagões, ou ataques a estruturas críticas".  

"Portugal, por exemplo, está muito mais sujeito a ataques cibernéticos do que a um ataque clássico e através de um ataque cibernético a Portugal é possível ter acesso a todos os dados da NATO", recorda.  

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