Sábado – Pense por si

Roberta Metsola: “Estamos ensanduichados entre uma China com valores muito diferentes, uma Rússia agressiva e os EUA”

Ana Bela Ferreira
Ana Bela Ferreira 22 de maio de 2024 às 23:00
As mais lidas

A presidente do Parlamento Europeu candidata-se a um novo mandato nas próximas eleições europeias. Acredita que ainda há muito por fazer para fortalecer a União Europeia num mundo “mais pequeno do que pensamos”.

Roberta Metsola, de 45 anos, faz um balanço de dois anos de mandato à frente do Parlamento Europeu. Admite que o pior foi a invasão da Ucrânia pela Rússia e estabelece como prioridades para o próximo mandato – ao qual é candidata – o alargamento da União Europeia (UE), a luta contra as alterações climáticas e o reforço da defesa e da segurança da União. Numa entrevista por email, conta ainda à SÁBADO o orgulho que sente cada vez que vê manifestações de defesa da UE.

Assumiu a presidência do Parlamento Europeu em janeiro de 2022. Que balanço faz do seu mandato?

Estes últimos dois anos não têm sido fáceis. Acabei por me habituar a esperar o inesperado. Ao longo dos últimos anos, a União Europeia tem vindo a apresentar resultados sem precedentes. Defendemos os valores e o modo de vida europeu. Unimo-nos através da solidariedade. Distribuímos vacinas a todos os cidadãos da UE. Apoiámos firmemente a Ucrânia, iniciámos os processos da sua adesão à União Europeia, bem como a da República da Moldávia. Estamos a aproximar-nos dos países vizinhos, reforçando a nossa segurança coletiva. O nosso novo e histórico pacto em matéria de migração e asilo é justo para com aqueles que necessitam de proteção. A nova legislação europeia em matéria de clima, juntamente com a transição digital, tornam os nossas conquistas ainda mais importantes. Desafiámos as probabilidades e provámos que a Europa consegue responder às questões que interessam aos europeus, questões essas que não podem ser resolvidas por um só país.

Quais foram os momentos mais difíceis?

O mais difícil do mandato foi a invasão brutal e ilegal da Ucrânia, uma nação independente e soberana que foi atacada. Esta invasão foi contra tudo o que defendemos – uma ordem mundial baseada em regras, paz e liberdade.

Que momentos a marcaram pela positiva?

Os momentos mais emocionantes para mim são aqueles que têm uma forte componente europeia. Não só nos Estados-membros, mas também fora. Durante as minhas viagens a Kiev, senti-me orgulhosa da Europa. Durante uma grande manifestação na Moldávia, senti-me cheia de orgulho pela Europa. Sempre que vejo jovens a beneficiarem das oportunidades que a nossa União Europeia oferece, de Lisboa a Helsínquia, sei que a Europa é um projeto pelo bem.

O que falta fazer num eventual segundo mandato, quais são as prioridades?

Continuamos a apresentar resultados – mas ainda há muito a fazer. A questão da Ucrânia, a economia, a competitividade e a criação de emprego vão continuar a assumir uma importância crescente no próximo mandato. As economias da União Europeia são competitivas e têm de continuar a sê-lo. Os nossos Estados-membros estão entre os países mais competitivos e inovadores do mundo, e o mercado único é o nosso maior trunfo – temos de o desenvolver, sem nos fecharmos. A luta contra as alterações climáticas, através da transição ecológica, será, certamente, uma das prioridades nos próximos anos. Temos de a tornar compatível com a nossa competitividade e de a integrar na nossa agenda de crescimento. Ninguém deve ser deixado para trás. A transição digital, que está ligada à melhoria da competitividade da economia europeia, também é muito importante.

Os progressos na nossa política comum em matéria de migração e asilo também vão continuar a ser relevantes. Com o nosso novo Pacto para a Migração, nenhum Estado-membro vai assumir sozinho uma responsabilidade desproporcional, perante um grande número de chegadas de requerentes de asilo. Todos os Estados-membros vão contribuir para a solidariedade numa base constante.

O alargamento é outra prioridade. Não apenas para a Ucrânia, a Moldávia, a Geórgia e a Bósnia-Herzegovina, mas para todos nós. Não devemos perder de vista que uma União Europeia alargada, seja a 32, 33 ou a 35 Estados-membros, para funcionar, exige mudança, adaptação e reformas.

No que diz respeito à defesa, temos de reforçar urgentemente a coesão e a eficácia da segurança e da defesa europeias, em plena complementaridade, sem duplicação, e em coordenação com a NATO, para defender os interesses, os valores e os cidadãos europeus. Mas mais importante ainda, precisamos de mais recursos e vontade política para reforçar as capacidades tecnológicas e industriais europeias.

Estamos ensanduichados entre uma China com valores muito diferentes dos nossos, uma Rússia agressiva e expansionista, e os Estados Unidos. O nosso caminho é diferente, e acredito que vale a pena defendê-lo e convencer os outros disso. Relativamente ao nosso papel global, temos de entender que o mundo é um lugar muito mais pequeno do que por vezes pensamos. Temos de reforçar o nosso compromisso com a América Latina, a Ásia e a África, onde muitos países são cobiçados por autocracias. Temos de estabelecer parcerias entre iguais. Precisamos de ouvir mais.

Outro desafio é a luta contra a manipulação e a interferência estrangeira. Teme que a desinformação possa afetar as próximas eleições europeias?

Os novos desafios políticos e de segurança representam uma ameaça maior e mais complexa para as nossas democracias. A ascensão do populismo e do euroceticismo, alimentada pela desinformação, procura corroer a confiança nas instituições democráticas, impedindo os cidadãos de tomarem decisões informadas. A forma como respondemos a esta situação, e como continuaremos a responder àqueles que procuram minar a nossa democracia, será um teste decisivo aos nossos valores.

O Parlamento Europeu apoia uma estratégia de combate à desinformação para a sociedade como um todo. E esta luta é um aspeto importante e fundamental, para as eleições europeias. Tanto o Regulamento da IA, como a Lei dos Serviços Digitais da UE têm potencial para ajudar a combater a desinformação eleitoral. A Lei dos Serviços Digitais estabelece regulamentos para a remoção de conteúdos não autorizados. O Regulamento da IA regula sistemas que possam ser utilizados para criar e distribuir esses conteúdos. A posição do Parlamento Europeu sobre o Regulamento da IA define, de forma inequívoca, sistemas de alto risco, como aqueles cujos propósitos são influenciar o resultado de uma eleição, de um referendo ou de um outro comportamento por parte das pessoas singulares que exercem o seu direito de voto. No entanto, o Regulamento da IA não estará concluído a tempo destas eleições europeias, uma vez que o período de implementação está fixado em dois anos.

É previsível o crescimento da extrema-direita ou da direita populista no Parlamento Europeu. Trata-se de um risco ou é apenas a democracia a funcionar?

Não vou fazer juízos prévios sobre qualquer resultado eleitoral, mas vejo um problema nos extremos. E, para este caso, temos de explicar melhor o que estamos a fazer. Não podemos ignorar o facto de as pessoas se sentirem distantes. O facto de não abordarmos os receios das pessoas leva apenas a uma maior polarização. É mais fácil conduzir uma narrativa populista de preto no branco do que uma construtiva pró-europeia. Mas estou convencida de que, se explicarmos porque é que as decisões são tomadas e como a Europa continua a mostrar resultados, contrariamos essa narrativa e, assim, as pessoas vão votar. Ao mesmo tempo, é também importante que sejamos honestos sobre o que poderíamos ter feito melhor. A União Europeia não é perfeita.

Como podem os partidos tradicionais adaptar-se para responder a um eleitorado que opta por votar em movimentos anti-União Europeia?

A política é a arte de estabelecer pontes, dialogar, ouvir e trabalhar para o bem comum. Os europeus são inventores, construtores e inovadores. Precisamos de forças construtivas que cheguem às pessoas e mostrem que há valor no compromisso, na resistência às narrativas fáceis de preto no branco, mas que não apresentam uma imagem verdadeira da vida. Neste contexto, penso que apenas o centro pró-europeu pode apresentar resultados e trabalhar para o interesse comum dos europeus. Deste modo, vamos responder às preocupações das pessoas, não as vamos ignorar, e vamos resolver, não destruir.

DAINA LE LARDIC
Artigos Relacionados

As 10 lições de Zaluzhny (I)

O poder não se mede em tanques ou mísseis: mede-se em espírito. A reflexão, com a assinatura do general Zaluzhny, tem uma conclusão tremenda: se a paz falhar, apenas aqueles que aprendem rápido sobreviverão. Nós, europeus aliados da Ucrânia, temos de nos apressar: só com um novo plano de mobilidade militar conseguiríamos responder em tempo eficaz a um cenário de uma confrontação direta com a Rússia.

Cuidados intensivos

Loucuras de Verão

Até porque os primeiros impulsos enganam. Que o diga o New York Times, obrigado a fazer uma correcção à foto de uma criança subnutrida nos braços da sua mãe. O nome é Mohammed Zakaria al-Mutawaq e, segundo a errata do jornal, nasceu com problemas neurológicos e musculares.