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Poupança: está de volta o tempo das vacas magras para quem não aceita risco

A poupança está em máximos de duas décadas e nunca houve tanto dinheiro de depósitos, mas nenhuma opção sem risco - depósitos, certificados de aforro ou PPR - vai conseguir bater a inflação este ano. Depósitos nos bancos mais pequenos continuam a ser a "agulha no palheiro": há mais de 20 com taxas anuais líquidas acima de 1,6%.

A taxa líquida dos Certificados de Aforro no próximo mês já ficará abaixo de 1,5%, numa altura em que os bancos estão continuamente a rever em baixa as taxas de juro dos depósitos a prazo. Noutra aplicação sem risco para o capital, os PPR que não investem em ações, os desempenhos são também muito pobres. Depois de um ano excecional de 2024, em que as taxas de retorno das aplicações sem risco em muitos casos bateram a taxa de inflação – preservando o valor das poupanças – está de volta o tempo das vacas magras para a esmagadora maioria de portugueses que, tendo poupanças para pôr a render, não tolera risco. 

"É cíclico, volta e meia regressamos ao período de taxas de juro baixas em que é preciso procurar uma agulha no palheiro", afirma António Ribeiro, analista de aplicações financeiras na DECO/Proteste. A novidade, agora, é que as "agulhas" – ou seja, as opções que pagam melhor e não têm risco de perda direta de capital – dificilmente superam a taxa de inflação (o que significa uma perda de poder de compra desse dinheiro). 

Nos primeiros cinco meses do ano, a taxa média de inflação foi de 2,2% e a previsão anual do Banco de Portugal aponta 2,7%. As taxas melhores dos depósitos não chegam a 2% e as dos certificados de aforro (da série F) estarão nos já referidos 1,45% em julho. A descida dos juros – decorrente da descida das taxas de referência pelo Banco Central Europeu – surge numa altura em que a poupança está em máximos de duas décadas e em que há um volume recorde aplicado em depósitos bancários: 193 mil milhões de euros (dados até abril).  

Mesmo que a magreza seja a regra, nota António Ribeiro, "vale a pena procurar as opções mais rentáveis para minimizar a perda face à inflação". Entre depósitos dos bancos e produtos de aforro do Estado, os primeiros são os que por enquanto vão pagando menos mal o investimento sem risco. O analista da DECO/Proteste nota que há mais de duas dezenas de depósitos que pagam taxas anuais líquidas superiores a 1,6%. Como sempre, as opções mais rentáveis neste universo estão nos bancos mais pequenos, que têm mais necessidade de pagar melhor para atraírem recursos – os maiores (em particular os cinco maiores: Caixa, Millenium bcb, BPI, Novo Banco e Santander) não precisam e pagam pior. 

Os exemplos incluem o Bison Bank, o ex-banco de investimento do Banif que foi comprado por acionistas chineses, que propõe uma taxa bruta de 2,54% para um montante mínimo de 25 mil euros aplicado em 12 meses (458 euros de juro líquido de impostos ao fim de um ano). No BNI Europa, detido pelo BNI Angola, é possível aplicar um mínimo de 2.500 euros a 2,5% brutos anuais (1,8% líquidos de impostos) durante dois anos – mas sem poder mobilizar o dinheiro durante esse período. Outras opções incluem prazos mais curtos: o BAI Europa, outra instituição bancária detida por capital angolano, paga uma taxa bruta de 3% mas para períodos de 3 a 6 meses (e não renovável com as mesmas condições). Todos estes depósitos estão protegidos, até 100 mil euros, pelo Fundo de Garantia de Depósitos.

"É cíclico, volta e meia regressamos ao período de taxas de juro baixas em que é preciso procurar uma agulha no palheiro", afirma António Ribeiro.

Fora da banca e dos Certificados de Aforro, sobram os PPR, que ainda mantêm uma parte da sua popularidade. Aqui, contudo, as notícias não são melhores. David Almas, analista financeiro e editor do boletim de finanças pessoais Tlim, compilou as rentabilidades líquidas (de comissões e impostos) de todos os PPR no mercado e concluiu que mais de metade rendeu menos do que a inflação na última década – estes incluem a esmagadora maioria dos PPR que não investem em ações e que rendem muito pouco. Entre 2022 e 2024, anos de inflação mais alta, 99% dos PPR no mercado tiveram retornos abaixo da inflação. 

Interesse no ouro

A magreza dos retornos tem aumentado o interesse noutros ativos percebidos pelas pessoas como tendo um nível de risco ainda aceitável. "As pessoas com quem contactamos, que dizem ‘não quero assumir muito risco’, acabam por demonstrar interesse tanto no ouro, como nas obrigações", conta Bárbara Barroso, que fundou e lidera a Money Lab, uma consultora de finanças pessoais. 

O interesse no ouro não é novo – o ouro físico, tal como o imobiliário, são produtos de risco bem enraizados na cultura de investimento portuguesa – e incide quer sobre o ouro físico, quer em aplicações em fundos índice (ETF) em ouro, disponibilizados por vários bancos e plataformas online de transação. Desde o início do ano, o ouro valorizou mais de 28%, beneficiando do seu estatuto de reserva de valor em tempos de incerteza elevada. Investir em ouro, contudo, significa estar disposto a tolerar o risco da subida e descida da cotação.

Já o interesse em obrigações – títulos de dívida de empresas ou unidades de participação em fundos de investimento em obrigações – é tipicamente maior quando há emissões de empresas portuguesas, nota Bárbara Barroso. Além do risco inerente às empresas que devem o dinheiro (repercutido no juro das obrigações) há também o risco cambial, caso estejam cotadas em dólares, lembra Barroso. Ou seja: pode ser uma opção de investimento interessante, mas não está isenta de risco. Para dormir sem pensar em risco, as opções são genericamente as do início deste texto – a segurança tem um preço, neste caso a erosão da poupança.

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