Sábado – Pense por si

Porque caíram árvores na tempestade? Saiba o que fazer se foi afetado

Pedro Henrique Miranda
Pedro Henrique Miranda 25 de março de 2025 às 07:00
As mais lidas

Especialistas da ZERO apontam falta de planeamento urbano como causa. Se o seu carro ou casa foi danificado, saiba o que pode fazer.

A passagem da tempestade Martinho pelo País trouxe consigo um rastro de destruição: estruturas danificadas, alagamentos nas estradas e carros e edifícios afetados pelo desabamento de outro bem precioso - as árvores, talvez as mais visivelmente comprometidas pelos ventos fortes. Mas terão sido as rajadas o único elemento responsável pela queda acentuada de árvores, principalmente em meios urbanos? Especialistas ambientais argumentam que não.

MIGUEL A. LOPES/LUSA

Apesar de reconhecer que os "ventos muito fortes" tiveram um papel a desempenhar, Filipa Silva, gestora de projetos e especialista em questões de floresta da ZERO - Associação Sistema Terrestre Sustentável, acrescenta que "as árvores em contexto urbano têm dificuldade acrescida para se desenvolverem", o que as torna "mais frágeis a nível fitossanitário e de estrutura" e facilita a propensão para a queda.

Muito disto, explica, deve-se à excessiva pavimentação dos solos nas cidades. Como as árvores "são rodeadas de cimento, não dispõem de matéria orgânica para efetuar o ciclo natural dos nutrientes", ao contrário do solo de floresta, "rico em matéria orgânica, que ajuda a alimentar as raízes".

Acrescenta que ainda se comete "o grande erro ambientalista" de plantar, em contexto urbano, "árvores enormes crescidas em viveiro, normalmente em vasos, onde as suas raízes são afuniladas". Estas raízes, circunscritas no solo urbano por "canalização, tubos e cimento", dificilmente conseguem atingir o tamanho de uma "árvore saudável", o que, de acordo com a especialista, deveria equivaler a raízes "sensivelmente do tamanho da árvore que se vê à superfície".

Não é este, no entanto, o único efeito nefasto da excessiva pavimentação dos solos, como explica Paulo Lucas, coordenador da Área das Florestas da ZERO. Além de deixarem as árvores "mais fragilizadas e sujeitas a pragas e doenças", as cidades "artificializadas e com poucos espaços verdes" levam a que "não tenhamos muita drenagem" em situações extremas como a tempestade Martinho. "Precisamos de mais soluções baseadas na natureza para captar a água das chuvas nestes picos de precipitação", opina o especialista.

Essas soluções, para o coordenador, passam por "pensar as cidades mais globalmente, como se fossem bacias hidrográficas e não locais para nos livrarmos da água": criar "jardins de chuva, espaços verdes que retêm a água e promovem a biodiversidade", e "colocar mais árvores no espaço urbano", que funcionam como "esponja natural".

Para Filipa Silva, mesmo nos locais urbanos onde há árvores, "não temos muito cuidado com elas no planeamento da arquitetura paisagista", e colocamo-las "isoladas umas das outras, rodeadas de pedras ou de uma estrutura de metal". É imperativo, argumenta, seguir o exemplo de outros países europeus, e construir "faixas contínuas de solo com muitas plantas, para haver um aumento de matéria orgânica".

Ainda que se possa pensar que a solução passará por "cortar as árvores para não caírem em cima dos carros", Paulo Lucas defende a abordagem precisamente oposta: "Temos é de ter mais árvores, e mais saudáveis, para que em situação de intempérie não caiam com tanta facilidade." Lembra que as árvores "são importantes em matéria de qualidade do ar, na diminuição da temperatura nas cidades e no combate aos efeitos das alterações climáticas", e que "não são o problema, mas a solução" na "adaptação a estes fenómenos mais extremos".

O que fazer se foi afetado?

Se foi afetado pela queda de árvores ou outras consequências da tempestade, é importante estar a par das compensações a que tem direito. Susana Correia, jurista da DECO/Proteste, esclarece o que poderá reivindicar e que passos tomar para garantir o ressarcimento do valor dos seus bens.

Se for proprietário de um imóvel, a especialista lembra que "o seguro multirriscos de habitação, que se celebra por obrigatoriedade como parte do crédito à habitação, dá proteção em caso de tempestades e inundações", assegurando contra "alguma queda de árvores que a tempestade poderá ter provocado. Já no caso de viaturas, normalmente a mais expostas a este tipo de intempérie, pode não ser assim tão simples.

Susana Correia explica que "o seguro de responsabilidade civil, obrigatório e que a maior parte dos consumidores contratam como único seguro, assume os danos perante terceiros mas não os danos próprios", onde estão enquadrados estes fenómenos. O seguro apropriado, coloquialmente chamado "contra todos os riscos", é mais caro, "o que faz com que muitos consumidores não o tenham", refere.

Caso tenha contratado um destes seguros, pode estar protegido, e deve procurar por alíneas como "fenómenos naturais", "fenómenos da natureza" ou "riscos catastróficos". Poderá ser reembolsado até "um valor definido como máximo", que deverá ser, no momento da contratação do seguro, "o valor comercial do carro" - a especialista aconselha a ter isto em conta quando se contrata o seguro, porque "podemos achar que o valor do carro é superior ao coberto pelo seguro".

Se confirmar que está coberto por um destes seguros, a jurista explica que deve, "no prazo de oito dias da verificação dos eventos", fazer a "participação do sinistro", tirando fotografias ao estado da viatura e "explicando à seguradora que se encontra no estado atual devido à tempestade". O caso terá depois de ser sujeito a peritagem por parte da seguradora, que "tem um prazo para verificar os danos, fazer o relatório e indemnizar o consumidor".

A especialista avisa que "quando se tratam de fenómenos naturais mais localizados, as seguradoras podem exigir declarações do IPMA a comprovar a tempestade", mas, neste caso, "como é do conhecimento do público geral, há menos dúvidas de que e trata de fenómenos climáticos, e a questão da prova está facilitada".

Ainda que não tenha um seguro ao qual se socorrer, no entanto, poderá ter direito a uma indemnização caso haja "responsabilidade dos municípios", avisa Susana Correia, que explica que "os municípios e as autarquias têm responsabilidade de zelar pelo património e garantir que está devidamente cuidado" e que, se o dano se der por negligência do município, poderá ser compensado apelando junto desta entidade pública. Avisa, no entanto, que "o fardo da prova está do lado dos consumidores", e que "é uma prova difícil de fazer, que terá de ser avaliada caso a caso".

Artigos Relacionados
Cyber Crónicas

É urgente reconhecer a polícia

O descontentamento que se vive dentro da Polícia de Segurança Pública resulta de décadas de acumulação de fragilidades estruturais: salários de entrada pouco acima do mínimo nacional, suplementos que não refletem o risco real da função, instalações degradadas e falta de meios operacionais.