Depois da Rave On vieram mais: no Castelo de Santa Maria da Feira (a 13 de agosto de 1994), entre as 22h e as 10h da manhã. Contava com "30 mil watts de som e 100 mil watts de luz (...) animadores e performances de fogo, um video wall e realidade virtual", noticiava a imprensa da época. A abertura da pista fazia-se com os portugueses The Ozone, mas o regresso a casa dos mesmos ficou marcado pela tragédia. Um dos elementos do duo, Eduardo Melo, morria aos 21 anos na sequência de um acidente. A carrinha capotava, algures entre Aveiras e o Carregado.
O caminho fazia-se de forma pioneira, inocentemente. "É um espírito muito português, do bora fazer. De
certo modo, este é o grande contexto socioeconómico. Mantido na
obscuridade da ditadura durante 48 anos, Portugal emerge como uma sociedade
relativamente inocente. Mas com um espírito muitas vezes inquebrável. O que nem
sempre é positivo", enquadra à SÁBADO o realizador Daniel Mota. Por negativo, o cineasta considera os "brandos costumes", a tal resiliência que faz com que "muitas vezes o povo não reclame convincentemente e
de forma aberta coisas que são seu pleno direito."
Dificuldade em "exportar grandes nomes"
O Dj Alex Fx (Alexandre Fernandes) viveu o boom do lado dos samplers, teria então 17 ou 18 anos, quando os computadores escasseavam e a sincronização fazia-se em modo MIDI. "Era
uma forma muito mais introspetiva e de tentativa/erro que era usada para se
fazer música. Eu já tinha alguma experiência, porque tinha começado a trabalhar
com essas tecnologias nos anos 80 e o facto de ser multi-instrumentista ajudava
imenso em termos de composição e arranjos", conta à SÁBADO.
Na altura, 98% da música era em formato de vinil, enquanto Alex Fx mostrava novas sonoridades na discoteca Amnésia, na praia de Francelos em Vila Nova de Gaia (demolida em 2003). "Vinham pessoas de Inglaterra de propósito (público). Eu
era tão inocente que julgava que eram turistas. Era tudo menos um wild
boy. Nunca vi aquilo como trampolim do que quer que fosse. Estava a fazer o
que realmente gostava e era pago miseravelmente. Mas isso era o extra", recorda.
O facto de sermos um povo que gosta de receber, faz com que ainda hoje tenhamos um défice de exportar grandes nomes
DJ Alex Fx (Alexandre fernandes)
Para lá, o Dj Alex Fx deslocava-se de comboio e regressava a casa de boleia ou táxi. "Como não tinha carro e não gostava de incomodar
ninguém, apenas ia aos clubes que estavam mais próximos do Porto ou quando ia tocar
(ao vivo) em algumas festas e me arranjavam boleia para poder levar os quilos e
quilos de material."
Olhando
em perspetiva, Alex Fx considera que foi uma "jornada tremenda", mas pecou pelo "espírito de subserviência que veio incutido de muitas gerações." Esta forma de ser e de estar reflectiu-se na música de dança, acrescenta: "O facto de sermos um povo que gosta de receber faz
com que ainda hoje tenhamos um défice de exportar grandes nomes lá para fora e
continuar a querer que venham cá os grandes nomes."
Se há momento de viragem para fora chama-se So Get Up (1994), protagonizado por Dj Vibe e Rui da Silva com voz de Ithaka Darin Pappas. "Foi o catalisador que permitiu à música eletrónica portuguesa ganhar
reconhecimento internacional. O disco não só foi tocado nos EUA, como também na
Europa", conta Dj Vibe.
Foi o catalisador que permitiu à música eletrónica portuguesa ganhar reconhecimento internacional
Dj Vibe (António Pereira) sobre So Get Up
So Get Up apareceu em artigos internacionais
sobre a música, como os publicados na Billboard Magazine e incluído em charts DJ de revistas, ou seja, listas das músicas
que os DJ's tocavam na altura, equivalentes às atuais playlists do Spotify. Para Dj Vibe, o futuro deste tipo de música continiua a ser promissor, ainda que noutros moldes: "Onde
a cena eletrónica é credível e integrada na própria cultura, sendo reconhecida
pelo governo e pela sociedade, e não marginalizada, como exemplo em
França, na Alemanha, Inglaterra ou nos EUA." Depois, há os destinos de sempre, como Ibiza, remata: "Uma instituição e onde continuam abrir clubbings."