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Não coloque copos no vidrão: compromete o processo de reciclagem

Susana Lúcio
Susana Lúcio 25 de setembro de 2025 às 07:00
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Portugal apenas recicla 56% das embalagens de vidro, desperdiçando matéria-prima que vai para o aterro e que poderia ser reciclada “infinitamente” pela indústria vidreira nacional

Até 2030, Portugal tem de reciclar 75% das embalagens de vidro. A meta foi definida pela União Europeia, mas estamos longe desse valor. Apenas 56% das embalagens de vidro usadas foram recicladas, segundo os últimos números, de 2023.

Portugal recicla 56% das embalagens de vidro, abaixo da meta europeia de 75% até 2030
Portugal recicla 56% das embalagens de vidro, abaixo da meta europeia de 75% até 2030

Os hotéis, restaurantes e cafés são ainda piores do que as famílias portuguesas a colocar as garrafas no vidrão - apenas 36 % do vidro é recolhido para reciclagem. Tendo em conta que cada estabelecimento produz, em média, mais de 2000 kg de embalagens de vidro usadas por ano, o impacto deste setor na sustentabilidade nacional é enorme.

Por que razão os hotéis, restaurantes e cafés não reciclam mais foi uma das perguntas que a SÁBADO colocou ao presidente da Associação de Industriais de Vidro de Embalagem (AIVE), Tiago Moreira da Silva, para marcar o Dia Nacional da Sustentabilidade.

Portugal recicla 56% das embalagens de vidro. Este valor tem aumentado nos últimos anos?

Os dados mais recentes são de 2023, e estes 56% representam um crescimento de 5 pontos percentuais nos últimos 5 anos. Um progresso demasiado lento face às metas europeias de 75% em 2030. Este resultado não reflete, contudo, a capacidade de reciclagem em novas embalagens de vidro da indústria, mas sim a insuficiência na separação e recolha seletiva das embalagens de vidro usadas. A taxa de reciclagem depende da quantidade de vidro usado, recolhido por exemplo na rede de ecopontos ou porta-a-porta que chega às nossas fábricas, comparativamente à quantidade de embalagens de vidro com alimentos e bebidas, que são colocadas no mercado nacional— e hoje esse fluxo é claramente insuficiente em Portugal. Quanto mais embalagens de vidro usadas forem recolhidas seletivamente, maior será sempre a sua incorporação no processo produtivo de novas embalagens, uma vez que todas as embalagens de vidro colocadas no mercado podem ser recicladas em novas embalagens.

Por que razão os portugueses não reciclam mais?

A responsabilidade não é apenas dos consumidores. A indústria do vidro de embalagem, através da AIVE, foi pioneira na recolha das embalagens de vidro usadas: em 1983 com a colocação do primeiro vidrão na Câmara Municipal de Oeiras, numa iniciativa voluntária, muito antes das obrigações decorrentes da legislação europeia, que no nosso país acontecem em 1997. Mas o sistema nacional de gestão de resíduos (SIGRE) não tem conseguido bons resultados no que se refere à gestão das embalagens de vidro usadas. As taxas de reciclagem do vidro estão muito abaixo do necessário.

O que é necessário para conseguir melhores resultados?

Para conseguirmos alcançar resultados expressivos há muito que melhorar e é essencial um trabalho sistemático e planeado de acompanhamento no terreno. Será necessário reforçar a recolha por parte dos prestadores de serviço municipais, com uma melhor adaptação à sazonalidade nas épocas de produção de resíduos mais elevadas; desenvolver soluções de recolha adaptadas ao canal HORECA (hotéis, restaurantes e cafés) e a locais de difícil acesso, mas com alta concentração de vidro e incluir mais estabelecimentos na recolha porta-a-porta. Todas estas melhorias operacionais, terão que ser acompanhadas com uma aposta forte na sensibilização e educação para a reciclagem e mecanismos de monitorização e acompanhamento do desempenho do sistema, reforçando uma abordagem de proximidade que apoie os utilizadores domésticos e os estabelecimentos HORECA no esforço de reciclagem, mas também com medidas de fiscalização para cumprimento das obrigações. Falta ainda uma maior articulação entre municípios, sistemas de gestão de resíduos e entidades gestoras e sobretudo uma estratégia coordenada, tendo em conta o número de atores existentes, que tornam esta gestão e melhoria do circuito dos resíduos muito complexa.

Quais são os desafios de reciclagem no canal HORECA?

Os hotéis, restaurantes e cafés são, de facto, a maior oportunidade para aumentar as taxas de reciclagem em Portugal. Cada estabelecimento gera, em média, mais de 2000 kg de embalagens de vidro usadas por ano, um valor muito superior aos 63 kg gerados por cada agregado familiar. No entanto, no canal Horeca, apenas 36% deste o vidro é recolhido para reciclagem, deixando uma grande margem para melhoria. As barreiras são várias: falta de conhecimento sobre as regras de reciclagem, pouca sensibilização para os benefícios ambientais, elevada rotatividade do pessoal e muito má e escassa infraestrutura de recolha dedicada às necessidades específicas deste canal. Considerando que Portugal tem a maior densidade de estabelecimentos HORECA por habitante na Europa, este deveria ser o foco principal para aumentar rapidamente os níveis de reciclagem. A AIVE desenvolveu recentemente um projeto piloto no grupo hoteleiro, The Editory Collection Hotels, com foco em comunicação e formação digital, conseguindo resultados notáveis: aumento de 12% na taxa média de reciclagem de vidro, em todas as unidades em menos de um ano, conseguindo assim atingir uma taxa de reciclagem de 80%.

Tiago Moreira da Silva é o presidente da Associação de Industriais de Vidro de Embalagem
Tiago Moreira da Silva é o presidente da Associação de Industriais de Vidro de Embalagem

Reciclar mais tem impacto económico para consumidores?

Sim, Portugal arrisca penalizações da União Europeia. Isso terá custos adicionais que, inevitavelmente, acabam por refletir-se no consumidor. Além disso, as embalagens de vidro fabricadas em Portugal poderão perder competitividade, face a outras, de países com taxas de reciclagem mais avançadas.

Como são recicladas as embalagens de vidro?

O vidro é um material verdadeiramente circular. Uma embalagem de vidro usada, se for depositada no ecoponto ou recolhida seletivamente, transforma-se numa nova embalagem de vidro infinitas vezes, sem perda de qualidade. O processo é simples: o vidro recolhido é limpo de contaminantes (rótulos, tampas e outros materiais que inadvertidamente são colocados no ecoponto) e transformado em “casco”; o casco é misturado com as restantes matérias-primas virgens como a areia, a soda e o calcário; essa mistura entra no forno a 1.600ºC, funde-se e o vidro é moldado em novas embalagens; as embalagens que forem rejeitadas no controlo de qualidade voltam ao forno, fechando o ciclo. É um exemplo perfeito de economia circular.

Garrafas sujas ou com beatas são recicláveis?

Todas as embalagens de vidro — garrafas, frascos ou boiões — podem e devem ser colocadas no vidrão. Não é preciso retirar rótulos, tampas ou lavar as embalagens. Mas há objetos que não devem ser depositados no ecoponto verde, nomeadamente espelhos, lâmpadas, loiças, pirex, janelas ou copos. A composição química é diferente e compromete o processo de reciclagem. É essencial reforçar esta mensagem junto dos cidadãos.

Nos últimos 30 anos, a indústria vidreira conseguiu-se reduzir em 50% as emissões de CO2 e em 80% o consumo de água na indústria do vidro. Qual foi o maior desafio?

O grande desafio foi garantir que este desempenho ambiental não comprometesse a produção e a competitividade do setor. A indústria do vidro exige processos de fusão a temperaturas muito elevadas e a eficiência energética depende de inovação contínua em tecnologias, matérias-primas e na gestão operacional. Além disso, ao longo das últimas décadas, enfrentamos contextos regulatórios e económicos muito diferentes: crises energéticas, alterações nas políticas ambientais e flutuações na procura. Apesar de tudo, conseguimos modernizar os processos, investir em tecnologias de eficiência e otimizar o consumo de água e energia, provando que é possível crescer e reduzir a pegada ambiental ao mesmo tempo.

Como se conseguirá a descarbonização da indústria até 2050?

O caminho passa por três eixos centrais. Primeiro na energia substituir gradualmente o gás natural por biometano, eletricidade verde e talvez hidrogénio. Cada uma destas opções tem vantagens, mas também limitações de custo, escala e infraestrutura. Hoje, nenhuma delas está disponível em quantidade e preço compatíveis com a realidade industrial portuguesa, nem mesmo europeia. Segundo, nas matérias-primas, aumentando a utilização de vidro reciclado no processo de fabrico de novas embalagens de vidro. Cada tonelada de casco usado permite reduzir emissões e poupar energia e matérias-primas virgens. Atualmente, a indústria nacional já tem uma taxa de incorporação de vidro reciclado de cerca de 50%, mas gostaríamos de aumentar esse valor. O grande obstáculo é a escassez desta matéria-prima secundária no mercado português. Terceiro, na inovação tecnológica e investimento. Os fornos de vidro têm ciclos de vida de cerca de 12 anos. A descarbonização exige investimento em novas infraestruturas e tecnologias que ainda estão em fase experimental. Para avançar, precisamos de estabilidade regulatória, políticas públicas de longo prazo e incentivos financeiros que suportem esta transição.

Será possível atingir a meta europeia de 75% até 2030?

Temos noção que será um esforço gigante, mas gostamos de acreditar que sim. A indústria do vidro de embalagem está totalmente comprometida em cumprir as metas, mas não o conseguirá sozinha. É urgente acelerar a recolha seletiva, principalmente no canal Horeca, apostar em campanhas educativas e criar condições para que municípios, entidades gestoras e setor privado trabalhem juntos.

Reconhecer Abismo

"From the River to the Sea", desde o rio até ao mar é tudo deles, resumidamente, a convulsão de delírio consiste em varrer com Israel, a única democracia da região, única.