Além das Forças Armadas, a permissão das fotografias por parte dos pais de menores é solicitada em competições desportivas, programas educativos ou científicos promovidos por universidades, peças de teatro, exposições, intercâmbios escolares e visitas de estudo. "Isso reflete a necessidade de equilibrar o direito dos alunos à privacidade com as exigências institucionais de promoção das suas atividades", prossegue Carolina de Freitas Nunes. E propõe: "Uma solução seria as escolas criarem autorizações específicas para eventos excecionais, garantindo que os pais e alunos compreendem e concordam com o uso da sua imagem em situações específicas fora do recinto escolar."
Minimizar estes efeitos
As escolas podem minimizar os efeitos de exclusão, criando alternativas. Mas como? "Incluir materiais que não exijam fotografias, ou realizar versões alternativas de registos visuais que respeitem as escolhas e os direitos individuais", responde a terapeuta.
No seguimento desta proposta, a pediatra Isabel Saraiva de Melo (coordenadora da clínica de pediatria do Hospital da Cruz Vermelha) refere que há exemplos bem conseguidos de fotos tiradas a partir de ângulos em que não se identificam as crianças. "Quando é para efeito de redes sociais ou do site da escola é mais do que suficiente", diz.
Uma solução seria as escolas criarem autorizações específicas para eventos excecionais"
Carolina de Freitas Nunes, psicóloga
Tito de Morais, cofundador do projeto de segurança digital Agarrados à Net, sugere fotografar os alunos excluídos de costas ou ocultar os rostos, "sobretudo nos casos de jardins de infância ou escolas de primeiro ciclo." Porque as fotos documentam momentos importantes, sobretudo nesta época em que as escolas "investem em dinamizar atividades com crianças, apostando em peças de teatro, momentos musicais, que se transformam em verdadeiros cenários fotográficos", reforça Cristiane Miranda, também cofundadora do projeto Agarrados à Net.
Torna-se uma missão quase impossível que um smartphone ou uma câmara fotográfica não apanhe uma criança em específico, adverte Cristiane Miranda. "A escola pode até ter o cuidado de não fotografar a criança, de a colocar num 'papel' menos visível, mas a probabilidade de outros pais fotografarem a criança juntamente com os seus próprios filhos e partilharem essas imagens na net, é enorme."
Conversa com os filhos
Por tudo isto, a psicóloga Inês Resende defende que os pais mais cautelosos devem falar com os filhos, sustentando o discurso na verdade. Podem começar por dizer-lhes que "uma imagem, uma vez publicada, existe para sempre na Internet." Assim, vão sensibilizando para o risco de darem acesso à imagem.
Não quero que estejas num contexto em que nós não controlamos quem tem acesso à tua imagem"
Inês Resende, psicóloga sobre conversa que estes pais podem ter com os filhos
Cada pai tem o seu nível de gestão de segurança e a opção destes pais, sendo mais apertada, pode não coincidir com a de outros mais descontraída. Exemplo de discurso: "Não quero que estejas num contexto em que nós não controlamos quem tem acesso à tua imagem." Discurso este "sustentado na verdade" e que ajude a criança a crescer de forma segura. Frase final: "À partida nós acreditamos que não vai acontecer, mas…".
Desafio "complexo"
No início do ano lectivo, a generalidade das escolas pede autorização aos pais para os filhos serem fotografados em recinto escolar. Há pais que recusam todas as opções – por exemplo fotos para divulgação interna e nas redes sociais –, outros que aceitam algumas. "A esmagadora maioria dos pais concede essa autorização. Da nossa experiência, a generalidade das escolas é respeitadora da vontade dos pais", diz Tito de Morais.
Sobre a proibição total dos alunos fotografarem com os telemóveis nas escolas, pelo risco de cyberbullying, a colega Cristiane Miranda considera ser "um desafio complexo", dada a omnipresença dos smartphones e a dificuldade em monitorizá-los. É "fundamental", diz, a criação de um sistema de denúncias com a possibilidade de serem anónimas. "Assim como as escolas terem definido um processo de receção, análise, tratamento desses casos e consequências para os agressores bem definidas, de acordo com a gravidade."
A sanções passam pela "reeducação" mais do que pelos castigos, recomenda a especialista. "Pôr os agressores a fazerem uma apresentação sobre bullying e cyberbullying, desde a sua forma às consequências nas vítimas e nos observadores. Os agressores são miúdos (e miúdas) que também precisam de ajuda para aprenderem a lidar com as suas frustrações e emoções negativas."
"O meu mundo caiu"
No âmbito do cyberbullying não faltam relatos de vítimas, como uma que fez chegar o seu depoimento ao projeto Agarrados na Net.
Dez anos depois de ter visto as suas imagens partilhadas sem o seu consentimento, escreveu o seguinte:
Estou hoje com 24 anos e continuo a ter dificuldades em crescer, sinto que ainda estou presa no tempo de há dez anos. Há um ano que tenho depressão que às vezes parece estar melhor, mas há dias em que volta em força. Estou desempregada, tenho dificuldades em manter os meus empregos – por ansiedade, maioritariamente –, a minha relação pode acabar a qualquer momento. Por mais que procure ocupar o meu tempo ou encontrar novas coisas para fazer, é difícil acreditar que alguma vez vou conseguir ter sucesso nestes campos da minha vida. Passei a minha adolescência a esconder-me do mundo por vergonha. Durante anos pensei que estava bem e tinha conseguido ultrapassar – quase sozinha – a situação. Mas eventualmente o meu mundo caiu, agora não sei como sair deste vazio."
Passei a minha adolescência a esconder-me do mundo por vergonha"
Vítima de cyberbullying
A adolescência é um dos períodos mais críticos para o uso indevido do telemóvel. A psicóloga Carolina de Freitas Nunes recorda o caso de uma vítima de 13 anos, cuja fotografia foi tirada sem consentimento, durante uma aula de desporto e partilhada em diferentes grupos de redes sociais, resultando em humilhação pública e cyberbullying. "Os principais traumas incluíram ansiedade social severa, afastamento das atividades escolares, autoestima muito baixa, dificuldade em confiar nos colegas e medo de frequentar a escola", recorda a terapeuta.
Através de apoio psicológico contínuo, a vítima superou os traumas. A psicóloga recorreu à terapia cognitivo-comportamental para tratar a ansiedade e reconstruir a autoestima. Além disso, a escola implementou intervenções progressivas "para reforçar as medidas de segurança e sensibilizar os alunos sobre os efeitos dos comportamentos inadequados relacionados ao uso da tecnologia. O envolvimento dos pais foi crucial para proporcionar um ambiente seguro e acolhedor fora da escola", explica.
A filha de Ana tem 13 anos e passou por uma situação de cyberbullying de menor gravidade, em novembro do ano passado, quando três colegas a fotografaram e filmaram, à sua revelia, na fila do almoço da escola. "Senti que em qualquer lugar, às vezes até no WC podiam tirar uma foto e partilhá-la nas redes sociais e depois gozarem comigo." A mãe reportou a situação ao diretor de turma, logo no dia do sucedido.
Por sua vez, o diretor de turma falou com as alunas em causa, que fizeram pressão psicológica à vítima durante uns tempos. "Uma delas chamou a minha filha para outra zona da escola e estava acompanhada de outra. A minha filha recusou-se a acompanhá-las. Gozavam com ela por causa do cabelo, ou pelo calçado, ou pelas calças... Sou totalmente a favor da proibição do telemóvel, porque os miúdos fazem uso indevido", justifica Ana.