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Há pais que não autorizam fotos de turma – nem no Natal. Saiba porquê

Proíbem a captação de imagens dos filhos em momentos festivos, temendo que cheguem às redes sociais. Professores pedem que reconsiderem, psicólogos alertam para os efeitos de exclusão nos alunos visados e especialistas em segurança digital sugerem que estes apareçam, mas de costas.

A tradição repete-se ano após ano nas escolas: aproxima-se o Natal, os fotógrafos montam o cenário junto à árvore e tiram as fotos da praxe. Alunos alinhados por turmas sorriem para a câmara. Se na era analógica, as fotos não saíam do papel; hoje em dia, é difícil (para não dizer impossível) controlar a pegada digital. O que leva alguns pais a radicalizarem posições: proíbem, de forma absoluta, que haja captura de imagens pelas escolas, mesmo em contextos especiais como os natalícios ou finais de anos letivos.

Danilo Krstanovic/Reuters

Uma professora do terceiro ciclo relata à SÁBADO estes constrangimentos em miúdos dos 12 aos 15 anos (pede anonimato para não melindrar os pais e alunos nestas circunstâncias). Habitualmente, são uma minoria: dois ou três por turma  – "filhos de pais ansiosos", analisa. Houve situações em que pediu aos encarregados de educação que reconsiderassem: "Argumentava que eram as memórias dos filhos, que iriam perder recordações de época."

Certa vez, um futebolista famoso foi visitar a escola desta docente (do ensino público, em Lisboa). Chegou com o staff e uma parafernália de equipamentos de imagem. Os miúdos ficaram eufóricos. Uma aluna proibida de ser fotografada chegou-se à frente e foi captada pelas câmaras, antes que a professora conseguisse impedi-la. Restou-lhe contar o sucedido à mãe, que retorquiu: "Não sou assim tão tensa..." E desde então, esta mãe suavizou as proibições. 

Os medos são legítimos, devem-se à eventualidade das imagens chegarem às redes sociais. A era da inteligência artificial veio agravá-los, pela manipulação de imagens, segundo vários especialistas. "Quanto mais novos, mais os pais temem", nota a professora. Inês Resende (psicóloga clínica e educacional, mãe de quatro filhos e uma das mentoras do projeto Adolescência: Podcast para Pais) esclarece à SÁBADO: "Ainda que haja pais que só autorizam a impressão das fotos, e não autorizam a versão online, isto pode não ser respeitado por outros pais. É uma questão de privacidade. Este aspeto é particularmente sensível em filhos de figuras públicas ou adotados." 

Filhos excluídos 

A professora do terceiro ciclo (7.º, 8.º e 9.º anos) diz compreender os receios, mas contrapõe: "Por vezes, o 'escudo' transforma o adolescente em outsider." Perigos? "Claro que existem. Mas informação também. Por vezes, nas páginas das escolas, surgem [no meio da turma] alguns destes alunos. Já me aconteceu, numa visita de estudo ao News Museum, em Sintra, avisar que não podia haver partilha das imagens e encontrar um vídeo na página YouTube." 

A exclusão dos registos visuais pode provocar desconforto aos alunos visados, sentindo-se à margem "em momentos que deveriam fazer parte da memória coletiva", diz à SÁBADO a psicóloga Carolina de Freitas Nunes. Com frequência, a divulgação visual pela escola associa-se a sentimentos de pertença. O aluno ausente fica com a "perceção de isolamento ou diferenciação em relação aos colegas", acrescenta, e dificilmente envolve-se noutras atividades escolares, como projetos ou celebrações que impliquem captura de imagens. 

Tal acontece em atividades escolares (como uma aula de ciências a decorrer em laboratório, cujos alunos excluídos aparecem de costas); celebrações (em auditórios, em que estes alunos são colocados nas filas do fundo e o operador de câmara tem conhecimento da restrição); ou eventos (por exemplo, em colaboração com as Forças Armadas). 

Além das Forças Armadas, a permissão das fotografias por parte dos pais de menores é solicitada em competições desportivas, programas educativos ou científicos promovidos por universidades, peças de teatro, exposições, intercâmbios escolares e visitas de estudo. "Isso reflete a necessidade de equilibrar o direito dos alunos à privacidade com as exigências institucionais de promoção das suas atividades", prossegue Carolina de Freitas Nunes. E propõe: "Uma solução seria as escolas criarem autorizações específicas para eventos excecionais, garantindo que os pais e alunos compreendem e concordam com o uso da sua imagem em situações específicas fora do recinto escolar." 

Minimizar estes efeitos 

As escolas podem minimizar os efeitos de exclusão, criando alternativas. Mas como? "Incluir materiais que não exijam fotografias, ou realizar versões alternativas de registos visuais que respeitem as escolhas e os direitos individuais", responde a terapeuta. 

No seguimento desta proposta, a pediatra Isabel Saraiva de Melo (coordenadora da clínica de pediatria do Hospital da Cruz Vermelha) refere que há exemplos bem conseguidos de fotos tiradas a partir de ângulos em que não se identificam as crianças. "Quando é para efeito de redes sociais ou do site da escola é mais do que suficiente", diz.

Uma solução seria as escolas criarem autorizações específicas para eventos excecionais"

Carolina de Freitas Nunes, psicóloga

Tito de Morais, cofundador do projeto de segurança digital Agarrados à Net, sugere fotografar os alunos excluídos de costas ou ocultar os rostos, "sobretudo nos casos de jardins de infância ou escolas de primeiro ciclo." Porque as fotos documentam momentos importantes, sobretudo nesta época em que as escolas "investem em dinamizar atividades com crianças, apostando em peças de teatro, momentos musicais, que se transformam em verdadeiros cenários fotográficos", reforça Cristiane Miranda, também cofundadora do projeto Agarrados à Net.

Torna-se uma missão quase impossível que um smartphone ou uma câmara fotográfica não apanhe uma criança em específico, adverte Cristiane Miranda. "A escola pode até ter o cuidado de não fotografar a criança, de a colocar num 'papel' menos visível, mas a probabilidade de outros pais fotografarem a criança juntamente com os seus próprios filhos e partilharem essas imagens na net, é enorme." 

Conversa com os filhos

Por tudo isto, a psicóloga Inês Resende defende que os pais mais cautelosos devem falar com os filhos, sustentando o discurso na verdade. Podem começar por dizer-lhes que "uma imagem, uma vez publicada, existe para sempre na Internet." Assim, vão sensibilizando para o risco de darem acesso à imagem.

Não quero que estejas num contexto em que nós não controlamos quem tem acesso à tua imagem"

Inês Resende, psicóloga sobre conversa que estes pais podem ter com os filhos

Cada pai tem o seu nível de gestão de segurança e a opção destes pais, sendo mais apertada, pode não coincidir com a de outros mais descontraída. Exemplo de discurso: "Não quero que estejas num contexto em que nós não controlamos quem tem acesso à tua imagem." Discurso este "sustentado na verdade" e que ajude a criança a crescer de forma segura. Frase final: "À partida nós acreditamos que não vai acontecer, mas…".

Desafio "complexo" 

No início do ano lectivo, a generalidade das escolas pede autorização aos pais para os filhos serem fotografados em recinto escolar. Há pais que recusam todas as opções – por exemplo fotos para divulgação interna e nas redes sociais –, outros que aceitam algumas. "A esmagadora maioria dos pais concede essa autorização. Da nossa experiência, a generalidade das escolas é respeitadora da vontade dos pais", diz Tito de Morais.

Sobre a proibição total dos alunos fotografarem com os telemóveis nas escolas, pelo risco de cyberbullying, a colega Cristiane Miranda considera ser "um desafio complexo", dada a omnipresença dos smartphones e a dificuldade em monitorizá-los. É "fundamental", diz, a criação de um sistema de denúncias com a possibilidade de serem anónimas. "Assim como as escolas terem definido um processo de receção, análise, tratamento desses casos e consequências para os agressores bem definidas, de acordo com a gravidade."

A sanções passam pela "reeducação" mais do que pelos castigos, recomenda a especialista. "Pôr os agressores a fazerem uma apresentação sobre bullying e cyberbullying, desde a sua forma às consequências nas vítimas e nos observadores. Os agressores são miúdos (e miúdas) que também precisam de ajuda para aprenderem a lidar com as suas frustrações e emoções negativas."

"O meu mundo caiu"

No âmbito do cyberbullying não faltam relatos de vítimas, como uma que fez chegar o seu depoimento ao projeto Agarrados na Net.

Dez anos depois de ter visto as suas imagens partilhadas sem o seu consentimento, escreveu o seguinte: 

Estou hoje com 24 anos e continuo a ter dificuldades em crescer, sinto que ainda estou presa no tempo de há dez anos. Há um ano que tenho depressão que às vezes parece estar melhor, mas há dias em que volta em força. Estou desempregada, tenho dificuldades em manter os meus empregos – por ansiedade, maioritariamente –, a minha relação pode acabar a qualquer momento. Por mais que procure ocupar o meu tempo ou encontrar novas coisas para fazer, é difícil acreditar que alguma vez vou conseguir ter sucesso nestes campos da minha vida. Passei a minha adolescência a esconder-me do mundo por vergonha. Durante anos pensei que estava bem e tinha conseguido ultrapassar – quase sozinha – a situação. Mas eventualmente o meu mundo caiu, agora não sei como sair deste vazio."

Passei a minha adolescência a esconder-me do mundo por vergonha"

Vítima de cyberbullying

A adolescência é um dos períodos mais críticos para o uso indevido do telemóvel. A psicóloga Carolina de Freitas Nunes recorda o caso de uma vítima de 13 anos, cuja fotografia foi tirada sem consentimento, durante uma aula de desporto e partilhada em diferentes grupos de redes sociais, resultando em humilhação pública e cyberbullying. "Os principais traumas incluíram ansiedade social severa, afastamento das atividades escolares, autoestima muito baixa, dificuldade em confiar nos colegas e medo de frequentar a escola", recorda a terapeuta. 

Através de apoio psicológico contínuo, a vítima superou os traumas. A psicóloga recorreu à terapia cognitivo-comportamental para tratar a ansiedade e reconstruir a autoestima. Além disso, a escola implementou intervenções progressivas "para reforçar as medidas de segurança e sensibilizar os alunos sobre os efeitos dos comportamentos inadequados relacionados ao uso da tecnologia. O envolvimento dos pais foi crucial para proporcionar um ambiente seguro e acolhedor fora da escola", explica. 

A filha de Ana tem 13 anos e passou por uma situação de cyberbullying de menor gravidade, em novembro do ano passado, quando três colegas a fotografaram e filmaram, à sua revelia, na fila do almoço da escola. "Senti que em qualquer lugar, às vezes até no WC podiam tirar uma foto e partilhá-la nas redes sociais e depois gozarem comigo." A mãe reportou a situação ao diretor de turma, logo no dia do sucedido.

Por sua vez, o diretor de turma falou com as alunas em causa, que fizeram pressão psicológica à vítima durante uns tempos. "Uma delas chamou a minha filha para outra zona da escola e estava acompanhada de outra. A minha filha recusou-se a acompanhá-las. Gozavam com ela por causa do cabelo, ou pelo calçado, ou pelas calças... Sou totalmente a favor da proibição do telemóvel, porque os miúdos fazem uso indevido", justifica Ana. 

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