"É o inferno na terra, é assim que o descreveria", afirmou em conferência de imprensa Simon Ingram, autor do relatório da Unicef "Banidos e Desesperados: crianças rohingya refugiadas perante um futuro perigoso", apresentado hoje em Genebra.
Após duas semanas em Cox's Bazar, localidade bengali onde se reuniram quase 600 mil refugiados desta minoria muçulmana recém-chegados, que se juntam a outros 200 mil rohingyas que tinham fugido anteriormente, Ingram descreveu uma situação "desesperada, de miséria e sofrimento indescritível".
Crianças testemunharam assassinatos e violações
O relatório destaca o sofrimento a que foram expostos os menores durante ataques a que foram sujeitos quando estavam na Birmânia ou durante o trajecto até ao Bangladesh, para fugir à repressão.
"Não entrevistei nenhuma criança que não me contasse relatos horrendos de violações, pessoas degoladas, bombardeamentos e casas queimadas antes de partirem, e de disparos de atiradores furtivos durante a fuga", descreveu Ingram.
O relatório inclui vários desenhos de crianças com soldados de uniforme a matar pessoas e helicópteros a disparar do céu indiscriminadamente.
Em meados de Agosto, o Exército de Salvação Rohingya de Araken (ARSA) atacou postos das forças de segurança birmanesas e estes atentados geraram uma devastadora repressão do exército e da polícia que obrigou dezenas de milhares e pessoas a fugir do estado de Rakhine para o Bangladesh.
Rohingyas chegam a Bangladesh desnutridos
Ingram explicou que se sabe muito pouco do que se passa em Rakhine, dado que as agências humanitárias não podem entrar na região desde Agosto, mas que a maioria dos refugiados "já chega desnutrido, já que a repressão também incluiu a queima dos armazéns de comida e destruição das colheitas".
De acordo com os dados do Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef), conclui-se que uma em cada cinco crianças com menos de cinco anos sofre de desnutrição aguda e cerca de 14.500 sofre de má nutrição severa aguda.
"Estes últimos precisam de assistência urgente, caso contrário há grande risco que morram", afirmou.
Ingram explicou que com a campanha de vacinação contra a cólera - que está quase a terminar - e outras contra o sarampo e a poliomielite reduziram-se os principais riscos de infecção de doenças contagiosas, mas o perigo continua a existir.
"As condições de falta de água potável e saneamento nulo são fontes de infecção. As crianças carregam constantemente água contaminada", acrescentou.
Em relação à protecção dos menores, o especialista indicou que o número de crianças desacompanhadas diminuiu até 800, com os trabalhos de identificação realizados por diferentes agências humanitárias no terreno.
"No entanto (...) o perigo de se perderem é constante. O campo de refugiados é enorme e há tanta gente que as crianças se perdem a toda a hora", disse.
Em relação ao abuso sexual ou casamentos forçados ou antecipados, Ingram explicou que só conhecem casos pontuais, mas o trabalho infantil, por exemplo, é frequente.
"Começam a surgir pequenos pontos de venda de bens ou de comida, ou pequenos intercâmbios comerciais onde as crianças estão totalmente envolvidas", disse.