O líder espiritual da comunidade muçulmana ismaelita tinha tratamento de chefe de Estado sem ter território. Vivia entre o espiritual e o material, num mundo de castelos, iates, ilhas privadas, aviões, carros topo de gama e cavalos de corrida. Morreu em Lisboa aos 88 anos.
O líder espiritual da comunidade muçulmana ismaelita, Aga Khan, morreu aos 88 anos, esta terça-feira, em Lisboa, rodeado da família. Com mais de 15 milhões de fiéis em todo o mundo, o sucessor do príncipe Shah Karim al-Hussaini Aga Khan IV será conhecido em breve, devendo ser um dos seus três filhos homens: Hussain, Rahim e Aly. A escolha está escrita no testamento deixado pelo 49º líder dos ismaelitas.
Também foi através de uma nota no testamento que Aga Khan IV soube que seria o sucessor do seu avô: com apenas 20 anos e caloiro em Harvard, Sua Alteza Shah Aga Khan III chamou o neto. "Vem ver-me", disse. Karim não saiu da cabeceira do avô até à sua morte, na manhã de 11 de Julho de 1957. No mesmo dia, a família reuniu-se na residência de Aga Khan III, perto do lago de Genebra, para ouvir a leitura do testamento, que havia sido levado de Londres pelos advogados numa caixa forte do Lloyds Bank.
Ninguém, nem o próprio Karim, esperava por aquele anúncio: o avô tinha-o nomeado seu sucessor, ignorando o pai dele, o príncipe Aly Khan, e o tio, Sadruddin, que ocupavam a linha direta de sucessão. Era a primeira vez que tal acontecia em 1.300 anos na história da família. Na altura, Karim disfarçou o pânico, mas revelou mais tarde: "Foi um choque. Toda a minha vida mudou nessa noite. Acordei com enormes responsabilidades para com milhões de pessoas".
Casas espalhadas pelo mundo e vinho à temperatura ideal
Meses depois, quando reapareceu em Cambridge para retomar os estudos, já levava o título de Sua Alteza, concedido pela Rainha Isabel II, e uma comitiva de dois secretários e um assistente pessoal. O filho mais velho do príncipe Aly Khan e da princesa Tajudowlah, Karim nasceu a 13 de dezembro de 1936, em Genebra, Suíça. Passou a infância em Nairobi, no Quénia, onde foi educado por professores particulares. Mais tarde estudou no Le Rosey, o colégio mais caro da Suíça, onde se tornou amigo de D. Juan Carlos, rei emérito de Espanha, e depois em Harvard, onde se formou em História.
Tinha passaporte britânico e casas espalhadas pelos cinco continentes, sempre prontas para o receber, caso chegasse de surpresa: com o vinho à temperatura ideal e as refeições preparadas para serem servidas. Embora passasse a maior parte do tempo no avião particular, a sua residência fixa era Aiglemont, uma propriedade perto de Chantilly, a 25 quilómetros de Paris, onde além de um castelo tinha uma coudelaria com mais de uma centena de cavalos puro-sangue.
Castelos, iates, ilhas privadas, aviões
Considerado descendente direto do profeta Maomé, infalível e imune ao pecado, pelos seus fiéis, o império financeiro de Aga Khan é difícil de quantificar, mas ascenderá milhares de milhões de euros (grande parte vem do sistema de dízimo pago pelos seguidores). Vivia entre o espiritual e o material, num mundo de castelos, iates, ilhas privadas, aviões, carros topo de gama e cavalos de corrida. Nas suas viagens, o príncipe era muitas vezes recebido como um chefe de Estado, embora não tenha território político.
Aga Khan (1936-2025), a vida de luxos do rei milionário sem território
Dirigia uma fundação sem fins lucrativos, que emprega 80 mil pessoas em 30 países, entre os quais Portugal, que tem uma das maiores concentrações de muçulmanos ismailis, com uma comunidade de cerca de 10 mil pessoas. A ligação oficial ao nosso país deu-se em 1983, com a abertura de uma delegação da Fundação Aga Khan, na Lapa, em Lisboa. Em 2016, comprou o palácio Henrique Mendonça, em São Sebastião da Pedreira, por 12 milhões de euros, e reabilitou-o por mais 6 milhões, passando a ser a sede da fundação, que opera na investigação e intervém diretamente nos domínios da educação infantil, exclusão social e combate à pobreza. A Aga Khan Development Network também tem uma vasta carteira de empresas em setores que vão desde energia, aviação, indústria farmacêutica e telecomunicações, a hotéis.
Piscina perfumada com 200 litros de água de colónia
Apesar da vida de luxo e de adorar adrenalina e velocidade, tanto na estrada, como na água, na neve ou no ar, Aga Khan IV sempre teve a preocupação de evitar o estilo de playboy do pai. Aly Khan colecionava amantes e, depois de se divorciar da mãe de Karim, em 1949 casou-se com a estrela de cinema Rita Hayworth. Na festa de casamento para 500 convidados, foram servidos 50 quilos de caviar e abriram-se 600 garrafas de champanhe, à volta de uma piscina perfumada com 200 litros de água de colónia. Tiveram uma filha, a princesa Yasmin Aga Khan, mas o casal divorciou-se em 1953. Mais uma vez, por causa das infidelidades do príncipe, que morreu de acidente de automóvel, em 1960.
Tal como os seus antecessores, Aga Khan também tinha o ponto fraco das mulheres, embora só tenha tido dois casamentos. Em 1969, casou-se com a manequim britânica Sally Crichton-Stuart, que adotou o nome de Begum Salimah Aga Khan. Ao fim de 25 anos e três filhos - Zahra, de 53 Rahim, de 52, e Hussain, de 50 anos – Begum fartou-se das infidelidades do marido e divorciaram-se. Em 1995, o líder espiritual casou-se com a alemã Gabriele Thyssen, que trabalhava como consultora na Unesco, depois de uma breve carreira como cantora pop. Em 2000 tiveram um filho, o príncipe Aly Maomé, mas a história repetiu-se e acabaram por se separar em 2004. O tribunal considerou Karim Aga Khan responsável pela rutura do casamento, ao manter um caso com outra mulher, e determinou que o milionário compensasse Gabriele Thyssen, com 60 milhões de euros.
Convidados das casas reais e xeques do Catar e do Dubai
Perseguido por maníacos e paparazzi, Karim Aga Khan aprendeu cedo a defender a sua privacidade: não mostrava emoções em público, evitava falar com mulheres para que a imprensa não especulasse, deixou de ir ao cinema e os bares e restaurantes que frequentava eram discretos e fora dos centros das cidades. Em Gstaad, por exemplo, o dono do seu bistrô preferido fechava as portas para que o príncipe pudesse comer o seu fondue à vontade. Raramente dava entrevistas e nas poucas ocasiões que se mostrava em público era num domingo de julho, na corrida anual de cavalos Prix de Diane, que se realizava na sua própria propriedade, em Chantilly, onde tem como convidados membros de várias casas reais e xeques do Catar e do Dubai.
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