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Ricciardi: "O doutor Salgado é que está de relações cortadas comigo"

Diogo Barreto
Diogo Barreto 18 de outubro de 2024 às 10:50
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O antigo administrador do BESI afirmou que Ricardo Salgado lhe ofereceu mais capital para o seu banco em troca de Ricciardi não levantar tantas ondas sobre a situação do BES.

O quarto dia de julgamento do BES/GES começou com o testemunho de José Maria Ricciardi quetinha sido interrompidoontem, quinta-feira. Durante a sessão, o ex-administrador recordou o dia em que Salgado lhe ofereceu benefícios em troca de "solidariedade" com a falsificação de contas. 

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O antigo administrador do Banco Espírito Santo de Investimento (BESI), começou por contar que recebeu um convite para jantar em casa de Ricardo Salgado em maio de 2014, altura em que Ricciardi já tinha conhecimento da falsificação das contas do banco. Sublinhou que houve uma "simpatia exagerada". Após a refeição, foram os dois para um escritório e o presidente do BES questionou o primo sobre o que ele queria para o seu banco, ao que Ricciardi respondeu mais capital para crescer. Salgado referiu que o poderia dar se o primo tivesse "mais solidariedade com a família". "Não contas com a minha solidariedade porque eu nunca fui informado sobre isso e se me tivessem informado eu teria dito que não", terá respondido, referindo-se à falsificação de contas, resposta que deixou Ricardo Salgado "desagradado".

Inês Almeida Costa, que representa as massas insolventes da ESI e da Rioforte, pediu que fossem mostradas as cartas que Ricciardi enviou ao Banco de Portugal. "Quando a KPMG, a meu pedido, fez uma auditoria e apurou estes valores, eu pedi a suspensão" da ESI, em março de 2014.

Depois da pausa desta manhã e após a inquirição do advogado Alberto Mateus Vaz, Ricciardi irritou-se, afirmando: "Parece que estou aqui a ser julgado".

De seguida Ricciardi foi inquirido pelo assistente Miguel Matias que representa a petrolífera venezuelana Pdvsa. Questionou se as declarações do ex-administrador da BESI eram verdadeiras ou fruto de um "sentimento de abandono, desgaste e zanga" face ao primo. O banqueiro reforçou que Ricardo Salgado "tinha poder total e não dava contas do que fazia", fazendo eco do que já tinha dito esta quinta-feira.

Questionado sobre o porquê de o seu pai, o comandante António Ricciardi, ou os restantes membros do Conselho Superior, a testemunha afirmou: "O meu pai acreditou sempre no doutor Salgado. Eles achavam que ele era um óptimo gestor, que transmitia confiança e que tinha desenvolvido o BES de uma forma extraordinária". E completou afirmando que "apesar de tudo o que fez de errado", Ricardo Salgado "também fez coisas muito boas".

Depois a juíza Helena Susano, que preside o coletivo, indagou o porquê de só Ricciardi ter tido aquela "clarividência" de confrontar Ricardo Salgado. "Não sei se não tinham [essa clarividência] ou se tinham medo", respondeu a testemunha, explicitando que acredita que tinham medo de Ricardo Salgado e de o enfrentar. "E por que é que tinham medo", questionou a juíza. "Porque tinham", foi a resposta.

"O doutor Salgado é que está de relações cortadas comigo"

Após a pausa para almoço, foi a vez de Francisco Proença de Carvalho, advogado de Ricardo Salgado, de inquirir José Maria Ricciardi. Começou por afirmar que o seu cliente "não está" e que a defesa "não tem condições para fazer uma contra-instâcnia à testemunha e isso mostra uma clara violação dos seus direitos". Instado pela juíza lembrou que Ricciardi disse, na sessão de quinta-feira, que não considerava Ricardo Salgado um "amigo ou um inimigo" e perguntou se "está de relações cortadas com o doutor Salgado". "O doutor Salgado é que está de relações cortadas comigo", respondeu o ex-administrador do BESI. "Até 2011 sempre achei o dr. Salgado um homem trabalhador, esforçado, com capacidade de liderança, etc. Até essa altura acreditei sempre no doutor Salgado, como outras pessoas acreditavam, e achei que ele merecia estar onde estava. E em 2012, comecei a perceber que se passava qualquer coisa de errado", continuou.

Proença de Carvalho perguntou depois quando tinha sido a última vez que a testemunha tinha falado com Ricardo Salgado, ao que Ricciardi respondeu 2014 e afirmando que o cumprimentaria se passasse por ele.

"Ligou à mulher de Ricardo Salgado nesta fase [de doença de Alzheimer]?", questionou o advogado. O antigo administrador da BESI disse que não ligou. "No caso da mulher tive um recado de que ela não queria falar comigo. (…) Foi-me transmitido que nem ela nem nenhuma pessoa da família de Ricardo Salgado desejava falar comigo", respondeu.

Ricciardi falou depois sobre o documento apresentado em outubro de 2013 em que reuniu seis assinaturas do conselho de administração para afastar Ricardo Salgado. "Manuel Fernando Espírito Santo pediu-me para ficar com esse documento para o irmão assinar, mas depois o documento desapareceu e só o vi em agosto de 2014", lamentou.

O antigo administrador da BESI referiu ter acreditado quando, em dezembro de 2013, Ricardo Salgado afirmou que ia sair do banco, em troca do seu voto de confiança no conselho superior. "Quando ele me garantiu que ia abrir a sucessão, que se ia reformar, eu acreditei".

Ricciardi voltou apontar o dedo ao Banco de Portugal e a Carlos Costa. "O BES era um banco sólido e se não se tivessem posto a fazer resoluções ainda cá estava. Por isso é que ponho as culpas no Banco de Portugal. Se não se tivesse feito a resolução e se tivesse emprestado quatro ou cinco milhões, o BES tinha sobrevivido e hoje era um banco ótimo", defendeu o ex-administrador. Como "queriam pegar em quatro ou cinco milhões para dar a um banco", essa decisão "custou uma fortuna aos contribuintes e aos lesados".

No depoimento de quinta-feira, 17, Ricciardi afirmou que o Banco de Portugal (BdP) podia ter evitado o colapso do BES/GES se tivesse ouvido, em 2013, os alertas sobre a governação do grupo. E acusou o então governador Carlos Costa de ter "assobiado para o lado" depois de ser alertado.

À saída da sala de audiências, José Maria Ricciardi recusou pronunciar-se sobre a doença de Alzheimer que foi diagnosticada a Ricardo Salgado e suas implicações, dizendo apenas: "Isso cabe aos tribunais".

O antigo presidente do BES, Ricardo Salgado, é o principal arguido do caso BES/GES e responde em tribunal por 62 crimes, alegadamente praticados entre 2009 e 2014.

Entre os crimes imputados contam-se um de associação criminosa, 12 de corrupção ativa no setor privado, 29 de burla qualificada, cinco de infidelidade, um de manipulação de mercado, sete de branqueamento de capitais e sete de falsificação de documentos.

Além de Ricardo Salgado, estão também em julgamento outros 17 arguidos, nomeadamente Amílcar Morais Pires, Manuel Espírito Santo Silva, Isabel Almeida, Machado da Cruz, António Soares, Paulo Ferreira, Pedro Almeida Costa, Cláudia Boal Faria, Nuno Escudeiro, João Martins Pereira, Etienne Cadosch, Michel Creton, Pedro Serra e Pedro Pinto, bem como as sociedades Rio Forte Investments, Espírito Santo Irmãos, SGPS e Eurofin.

Segundo o Ministério Público, a derrocada do GES terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.

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