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Resistem a deixar casas herdadas que querem deixar aos filhos

19 de junho de 2017 às 18:37
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"Trabalhei tanto para ela que não a queria deixar, antes queria morrer lá dentro", contou Lucinda Fernandes, da Louriceira, Pedrógão Grande

O medo de perderem as casas que herdaram dos pais e que querem um dia deixar aos filhos na Louriceira, Pedrógão Grande, levaram Albertina e Lucinda a quererem enfrentar as chamas, mesmo sabendo tratar-se de um combate desigual.

"Eu não queria deixar a minha casa. É a minha vida. Já era dos meus pais e nós mandámo-la arranjar", disse à agência Lusa Albertina Mendes, que no próximo mês completa 86 anos.

Albertina Mendes e o marido, Moisés Cadilha, de 88 anos, integram o grupo de cerca de 80 habitantes de aldeias evacuadas no domingo à noite que se encontram nas instalações da Santa Casa da Misericórdia de Pedrógão Grande.

Eram cerca das 20:00 de domingo quando a GNR pediu que abandonassem a casa. Albertina não queria. Moisés insistiu e, de resposta, recebeu: "vai tu!".

"Tive que lhe implorar, que suplicar para vir", contou o idoso.

Também Lucinda Fernandes, de 62 anos, ofereceu resistência à ideia de abandonar a sua casa, apesar de ter noção de que as chamas estavam perto e que corria risco.

"É a casa dos meus pais, que eu reconstruí. Trabalhei tanto para ela que não a queria deixar, antes queria morrer lá dentro", admitiu.

As casas de Albertina e de Lucinda não são especiais apenas para elas. Os filhos e netos vivem fora mas visitam a aldeia com frequência.

Albertina Mendes contou que a bisneta, de oito anos, "pediu a Deus que o fogo não queime a casa" da Louriceira, onde espera passar o próximo fim de semana para comemorar o seu aniversário.

"Tenho um filho e uma filha que gostam muito de cá vir. A minha netinha quando vê a mãe a fazer as malas para se irem embora farta-se de chorar, porque quer cá ficar", disse, por seu turno, Lucinda Fernandes.

Moisés Cadilha contou que insistiu com a mulher para deixar rapidamente a casa, porque sabia que as chamas lá podiam chegar a qualquer momento.

"Tinha noção de que estávamos em risco. Havia duas frentes do lado oeste a arder com muita intensidade. Depois começou a aparecer outra do lado nascente. A situação começou a piorar", recordou.

O idoso referiu que lhe vinham à cabeça as pessoas "que morreram carbonizadas porque ficaram encurraladas na estrada".

"E nós estávamos a ficar encurralados na aldeia por três ou quatro frentes", acrescentou.

Lucinda Fernandes sentia "uma coisa a apertar na garganta", devido ao muito fumo que havia na zona e que a impedia de respirar normalmente.

"Só tenho um desejo: que chova para apagar estes fogos todos", frisou.

O fogo, que deflagrou na tarde de sábado, em Escalos Fundeiros, concelho de Pedrógão Grande, alastrou depois aos concelhos vizinhos de Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pera, no distrito de Leiria, e entrou também no distrito de Castelo Branco, pelo concelho da Sertã.

O último balanço dá conta de 63 mortos civis e 135 feridos, dois deles em estado grave. Entre os operacionais, registam-se dez feridos, quatro em estado grave. Há ainda dezenas de deslocados, estando por calcular o número de casas e viaturas destruídas.

O Governo decretou três dias de luto nacional, até terça-feira.

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