O Estado gastou mais de 3,5 mil milhões de euros contra os incêndios desde o ano trágico de 2017 e a prevenção já absorve a maior parte da despesa anual. Mas as medidas levam tempo a ter efeito e precisam de mais ambição - e dinheiro. Custos da inação superam os gastos na gestão do território.
“É preciso sensibilizar todo o país que aceita facilmente que, para circular numa grande metrópole, 100, 200 ou 400 milhões sejam investidos, não acha ou não percebe que seja tão urgente investir 100, 200, 300 milhões na prevenção dos fogos”, afirmou há três dias o Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa falava da necessidade de gastar mais na prevenção, mas o Estado tem feito isso nos últimos anos e já gasta por ano mais do que os 300 milhões indicados pelo Presidente. Ao todo, os incêndios florestais absorveram mais de três mil milhões de euros de verbas públicas entre 2017, o ano recorde de área ardida, e o ano passado – o bolo total cresceu para mais do quádruplo e desde 2021 que mais de metade é gasto em prevenção. Este volume de despesa é ainda inferior, contudo, ao custo histórico dos incêndios, sugerem os números – e tem por onde aumentar.
Observadores, vítimas e contribuintes: a prevenção já exige milhões e exigirá mais ainda.Ricardo Almeida/Correio da Manhã
Há oito anos, as políticas de prevenção dos incêndios custavam aos contribuintes apenas 28 milhões de euros, menos de um décimo dos 354 milhões gastos (ou investidos) no ano passado. A repetição de anos maus, como em 2022, 2024 e 2025, sugere que as medidas de transformação da paisagem “levam tempo”, nota Francisco Moreira, professor no Instituto Superior de Agronomia e especialista em fogos florestais – e que, enquanto não têm impacto significativo, o sucesso ou insucesso é medido em função da “sorte” que os governos têm com o clima.
"Posso mostrar-lhe um gráfico com a área ardida todos os anos que mostra que 75% do que arde é uma espécie de ‘diz-me qual foi o clima nesse ano e eu digo-te quanto ardeu’”, aponta Francisco Moreira. A relação estatisticamente forte entre a “área ardida e o clima mostra que as políticas não estão a ter efeito ou que estão a ter um efeito muito marginal”, indica. Investigadores do ISA têm identificado, em alguns estudos, efeitos de atenuação da curva dos incêndios que parecem ser ganhos do investimento em prevenção, mas apenas isso.
A ligação entre o clima e a intensidade da época dos incêndios não significa que o investimento em prevenção tem um efeito escasso - antes pelo contrário. “É nesse sentido que se deve investir, a expectativa é de que esse aumento possa dar resultados mais tarde ou mais cedo, ao contrário do aumento [da despesa] no combate aos incêndios”, nota o mesmo especialista. Este investimento deve ser feito na “transformação da paisagem”, combatendo o abandono agrícola e a falta de gestão da floresta, que muitas vezes é propriedade (em pequena escala) de pessoas sem incentivos económicos para essa gestão. Francisco Moreira cita, como exemplo, um estudo recente do ISA que mostra que as freguesias com menor variação anual na área ardida têm pelo menos 60% da área agrícola, incluindo pastoreio.
O relatório de 2024 do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais, entregue em junho passado no Parlamento, refere que é para aí que boa parte da despesa em prevenção está a ser orientada: mais de metade do dinheiro gasto nesta área foi para o pilar da prevenção e, em particular, para “despesas de atividades de valorização e gestão do Território, financiadas maioritariamente por fontes de financiamento alternativas ao OE [Orçamento do Estado], que estrategicamente foram entendidas como necessárias para endereçar causas-raiz dos incêndios rurais, assim como os incentivos à diversificação da economia rural”.
Na sua intervenção, contudo, o Presidente da República pareceu indicar que o Estado – “a começar pelas autarquias” – tem de chamar a si a limpeza da floresta, cuja propriedade está espalhada por milhares de pequenos proprietários, sem incentivos económicos para a gestão ativa das suas parcelas situadas em zonas rurais abandonadas. O jornalista Pedro Almeida Vieira – autor em 2006 do livro “Portugal: o Vermelho e o Negro” e hoje diretor do jornal Página Um – põe em 900 milhões de euros o encargo público anual mínimo de ter o Estado a assegurar a gestão e limpeza de toda a superfície florestal portuguesa.
As escolhas políticas entre o financiamento das medidas de prevenção tem como contraponto os custos anuais dos incêndios. Em 2017, a Comissão Técnica Independente ao incêndio de Pedrógão Grande estimou em 6,6 mil milhões de euros os custos sociais totais dos incêndios entre 2000 e 2016 – uma média aritmética anual de 412,5 milhões de euros.
As estimativas sobre os incêndios mais recentes são, também, avultadas: o Banco Mundial estimou em 377 milhões de euros o custo dos incêndios em 2023 (no relatório “Financially Prepared: The Case for Pre-positioned Finance”), quando a área ardida foi sete vezes menor do que até aqui em 2025. Este valor é relativamente compatível com a estimativa que o bastonário da Ordem dos Economistas tem divulgado sobre o custo dos incêndios este ano: 2,3 mil milhões de euros.
A área ardida não é toda igual, o que torna o impacto dos fogos diferente e difícil de estimar (incluindo custos diretos e indiretos). Francisco Moreira nota a dificuldade em estimar os custos e sublinha que a área ardida, por si só, está longe de poder ser um indicador de sucesso de políticas (dado que não mede o tipo de incêndio, nem o custo humano, por exemplo). No entanto, mesmo sendo muito variáveis, as estimativas sugerem que os custos dos incêndios superam – mesmo num ano “bom” como foi 2023 – o que o Estado gasta atualmente em prevenção.
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