No fim do ano passado, Fernando Madeira, o ex-sócio maioritário da empresa Tecnoforma, foi ouvido como testemunha no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), que está a investigar projectos de formação profissional pagos à empresa com fundos comunitários. Com 69 anos, o empresário reformado respondeu às perguntas do Ministério Público (MP), que quis sobretudo saber os pormenores da criação do Centro Português para a Cooperação (CPPC), uma organização não-governamental (ONG) financiada pela Tecnoforma e que foi dirigida nos anos 90 por Pedro Passos Coelho.
Para falar à SÁBADO, Fernando Madeira colocou apenas duas condições: a gravação do som seria feita apenas para melhor reproduzir as suas palavras e ele poderia mandar parar a gravação após qualquer das questões: fê-lo apenas uma vez, quando foi interrogado sobre se Passos Coelho – que era então deputado em exclusividade de funções no Parlamento – tinha sido pago para presidir à ONG.
Porque é que decidiu fundar em 1996 o Centro Português para a Cooperação, uma organização não governamental?
Nós, na Tecnoforma, trabalhávamos sobretudo em Angola e começámos a sentir que havia problemas em avançar com alguns projectos na área da formação profissional. Pensámos que poderíamos resolver esses problemas se abríssemos uma ONG, pois estas organizações eram mais baratas em termos de pessoal e tinham mais facilidade de acesso a verbas e a financiamentos da então Comunidade Europeia. Na altura, falei com o sr. Sérgio Porfírio, que era meu director comercial na Liana [empresa do grupo Tecnoforma] e ele disse-me que tinha umas pessoas que podiam estar eventualmente interessadas em participar. Quem é que depois o Sérgio me apresentou? O advogado João Luís Gonçalves [ex-secretário-geral de Pedro Passos Coelho quando este dirigiu a JSD entre 1990/95] e depois o sr. Pedro Passos Coelho.
O senhor não conhecia Pedro Passos Coelho nessa altura?
Não, nada, nada.
Mas sabia que ele tinha dirigido a JSD e que era deputado do PSD?
Sabia, claro.
E quando é que falaram pela primeira vez?
Tivemos um primeiro encontro, acho que em 1996, num restaurante no Porto Brandão [concelho de Almada]. Almoçámos e falámos do que é que se pretendia.
O que é que lhe disse que pretendia com o tal Centro Português para a Cooperação?
O objectivo era explorar as facilidades de financiamentos da União Europeia para projectos em Angola ou nos PALOPs [Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa].
Mas a ONG era uma organização de solidariedade ou uma forma expedita de conseguir negócios para a Tecnoforma?
Aquilo que ela devia fazer era simples: nos projectos que visassem as áreas da formação profissional, ela tentava arranjar os financiamentos para esses projectos. Depois, para implementar esses projectos, a ONG socorria -se da Tecnoforma para fornecer o know-how.
Ou seja, a ONG contratava depois a Tecnoforma para fazer na prática os tais projectos.
Sim, naquilo que fosse do âmbito da Tecnoforma.
Mas Passos Coelho disse ao Público que encarou com "seriedade o propósito" de ajudar a "criar uma ONG com a finalidade de promover a cooperação" entre Portugal e os PALOPs.
Só posso dizer que ele foi receptivo ao que ouviu e disse logo que tínhamos de arranjar estas e aquelas pessoas e arranjou. Arranjou pessoas que eu não conhecia.
Que género de pessoas eram essas?
Pessoas com influência.
Refere-se aos fundadores, àqueles que fizeram parte dos órgãos sociais da CPPC? Está a falar do então líder parlamentar do PSD, Luís Marques Mendes, e dos também sociais-democratas Ângelo Correia e Vasco Rato [nomeado recentemente pelo Governo para presidir à Fundação Luso -Americana]?
Sim, sim. E do PS, mas era só um, o então deputado Fernando de Sousa. O Pedro dava-se muito bem com ele. Acho que foi o escolhido para presidir à assembleia-geral do CPPC.
Como é que Fernando Sousa entra no CPPC?
Não sei. A única coisa que sei foi que o Pedro disse que ia tratar das pessoas necessárias. E depois apareceu o Fernando de Sousa e apareceu a Eva [Eva Cabral, então jornalista do Diário de Notícias e hoje assessora do primeiro-ministro].
Outro membro do CPPC era o advogado Fraústo da Silva, amigo de Passos Coelho e presidente do Conselho de Jurisdição da JSD quando este foi seu presidente (1990/95).
Também foi trazido pelo Pedro. A escritura do CPPC foi feita no escritório dele, na Av. da Liberdade, em Lisboa. Era lá que eram feitas as reuniões anuais obrigatórias.
Todos os fundadores iam às reuniões anuais?
Não, houve pelo menos um que eu nunca lá vi: Júlio Castro Caldas [então bastonário da Ordem dos Advogados, ex-deputado do PSD e ex-ministro da Defesa do governo PS liderado por António Guterres].
Até o Grupo Visabeira surge nos estatutos do CPPC como um dos fundadores.
Tive um jantar em Lisboa com o Pedro e o João Luís e duas pessoas do grupo Visabeira das quais já não me recordo os nomes. Penso que um deles era um director financeiro. Foi o Pedro que os trouxe.
Do que é que se falou nesse jantar?
Acabou por se falar de tudo e até de projectos relacionados com a Tecnoforma. Nós estávamos em vias de nos expandir para o Sul de Angola e uns funcionários nossos já tinham visto no Namibe uns blocos de granito que podiam ser interessantes em termos de negócio.
No seu entender, Pedro Passos Coelho queria no CPPC gente com influência para quê?
Que pudessem de facto, sei lá, movimentar, abrir ou facilitar a vinda de projectos para a ONG no âmbito da formação profissional e dos recursos humanos e que depois esses projectos pudessem ter a participação da Tecnoforma.
Volto a perguntar, Passos Coelho sabia que esta ONG era criada com esse intuito?
Tanto é assim, que eu cheguei a ir com ele a Bruxelas para um encontro com o comissário europeu João de Deus Pinheiro [militante do PSD, ex-ministro da Educação e dos Negócios Estrangeiros em três governos de Cavaco Silva e Comissário Europeu entre 1993/2000].
E foram lá fazer o quê exactamente?
Fomos lá apresentar o CPPC, o que nos propúnhamos fazer e saber da sensibilidade dele, nomeadamente que possibilidades de financiamentos havia para os PALOPs. E o João de Deus Pinheiro até nos deu logo uma ideia, dizendo que a Comissão Europeia estava a pensar num projecto para Cabo Verde, que era a criação de um instituto para formação de funcionários públicos. E que este instituto deveria servir também para formar pessoas para os outros PALOPs porque os quadros deles da administração pública eram muito deficitários. Disse-nos ainda que seria bom que criássemos um instituto em Cabo Verde e que a Comissão Europeia estava disposta a apoiar financeiramente uma coisa dessas.
Esse encontro com João de Deus Pinheiro foi combinado por Passos Coelho, que era então vice-presidente do grupo parlamentar do PSD?
Claro, eu não conhecia o Deus Pinheiro.
Em Bruxelas, reuniram onde?
Fomos ao gabinete dele, na sede da Comissão Europeia. O Pedro é que o conhecia, o Pedro é que abria as portas todas.
E esse projecto chegou a avançar?
Ainda fomos a Cabo Verde, mas não avançou. Reunimos na cidade da Praia com uns directores do Ministério da Educação, mas acho que eles estavam era interessados em criar pólos universitários e não institutos intermédios de formação profissional. As coisas não funcionaram.
Foi a Cabo Verde também com Passos Coelho?
Sim e com um cantor, o Paulo de Carvalho.
Porque é que ele foi com vocês?
Isso aí é outra história de que não quero falar. Ele apareceu no aeroporto de Lisboa. Acho que ele foi também para desbloquear, para tentar, mas dá-me a impressão que havia uma segunda agenda entre eles. Em Cabo Verde, depois das reuniões, eles foram depois para outro lado.
Artigo originalmente publicado na edição n.º523, de 7 de Maio de 2014.