A informação foi avançada, esta segunda-feira, por Pedro Fonseca, coordenador da Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC), na última sessão de julgamento da Operação Fizz antes das alegações finais marcadas para dias 21 e 22 de Junho. A Operação Fizz conta com três arguidos - Orlando Figueira, Paulo Blanco e o empresário Armindo Pires - que estão pronunciados por vários crimes económico-financeiros. Após a separação da matéria criminal de Manuel Vicente o processo foi transferido para Angola.
Segundo Pedro Fonseca, a investigação que deu origem à Operação Fizz partiu de uma denúncia anónima contra o ex-procurador Orlando Figueira, tendo os inspectores chegado a uma coincidência temporal entre pagamentos feitos ao arguido e o arquivamento de um processo no Departamento Central de Investigação e Acção Penal. "Procurou-se um caminho de investigação através de provas fiscais e bancárias. Examinámos contas bancárias e transferências para Orlando Figueira e detectámos montantes idênticos aos que eram falados na denúncia", disse.
A investigação considerou que havia coincidências entre as intervenções processuais do advogado Paulo Blanco, outro dos arguidos, Orlando Figueira e Manuel Vicente e o dinheiro transferido e um empréstimo bancário concedido ao ex-procurador.
O Ministério Público acusa Orlando Figueira de ter recebido 760 mil euros do ex-vice-presidente de Angola Manuel Vicente para que o procurador arquivasse dois inquéritos, um deles o caso de uma das empresas Portmill, relacionado com a aquisição de um imóvel no Estoril em 2008.
Segundo Pedro Fonseca o arquivamento do processo da compra de apartamentos que envolve Manuel Vicente, "deu consistência a um quadro indiciário".
Questionado sobre como foi feita a ligação entre a Primagest, empresa que alegadamente contratou Orlando Figueira para trabalhar no setor privado e a Sonangol, Pedro Fonseca explicou que recorreram a fontes abertas, nomeadamente notícias, mas também a pesquisas financeiras.
A Primagest seria, no entender da acusação, uma empresa veículo ou testa de ferro da Sonangol cujo último beneficiário era Manuel Vicente. Os elementos conseguidos foram "suficientes para dar consistência à denúncia", acrescentou.
Perguntado sobre se houve algum desencontro entre a equipa que investigou o caso e MP, tal como tinha sido sugerido pela inspectora Anabela Ruivo, o coordenador da UNCC negou. "Isso é uma ficção. Houve sempre convergência entre a Polícia Judiciária e MP", garantiu.
Pesquisa no Google foi elemento-chave
O inspector da PJ Bruno Miguel Gomes revelou, por seu turno, que a associação do ex-vice-presidente de Angola à empresa Primagest, a empresa alegadamente usada para branqueamento de capitais na Operação Fizz, surgiu após uma pesquisa no Google.
Na fase inicial, confessou o inspector que no processo Banif trabalhou com o ex-procurador do Ministério Público Orlando Figueira, até achou que a denúncia não teria fundamento, mas após a análise dos dados bancários, nomeadamente de transferências de dinheiro, convenceu-se que haveria uma ligação.
"Analisámos os processos que foram tramitados por Orlando Figueira e um encaixava perfeitamente nas datas, transferências de dinheiro, etc.", referiu o inspector-chefe.
"Vimos que tinha uma quantidade de dinheiro depositado que não lhe vinha do trabalho e onde encontrámos a motivação foi no arquivamento do processo relacionado com Manuel Vicente [Portmill]", acrescentou.
Nessa altura, adiantou, a PJ recorreu a fontes abertas, nomeadamente no Google, e os inspectores ficaram convencidos que havia uma ligação entre a Primagest, empresa que alegadamente pagou a Orlando Figueira, e a Sonangol, petrolífera da qual Manuel Vicente tinha sido presidente.
Nas buscas a casa de Orlando Figueira, em Fevereiro de 2015, a polícia encontrou o contrato de trabalho assinado com a Primagest e um envelope do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) com 22 documentos do processo Portmill, relacionado com a compra de apartamentos no Estoril por Manuel Vicente e que tinha sido arquivado por Orlando Figueira.
As declarações do polícia chegaram a enfurecer Orlando Figueira que se levantou e quis intervir, tendo sido chamado à atenção pelo juiz.
No entender da PJ e da acusação, a Primagest foi a empresa-veículo para o branqueamento de capitais, um dos crimes pelos quais os três arguidos são acusados, que chegou mesmo a ser alvo de buscas, tal como a sua representante Angélica Conchinha.
O inspector argumentou ainda que, na sua experiência, os pactos societários normalmente não refletem as empresas que são instrumentos de branqueamento de capitais.
Sendo assim, explicou, chegaram lá pelo beneficiário (Orlando Figueira) e por várias notícias que estavam na internet.
No final da sessão da manhã, Orlando Figueira lamentou que "se tenha detido uma pessoa durante dois anos" com base em fontes abertas, como notícias e pesquisas no Google.
O advogado Rui Patrício, que defende o empresário Armindo Pires (tido pelo Ministério Público como o 'testa de ferro' de negócios de Manuel Vicente), falou de "uma personagem chamada Google" que fez as ligações, referindo que "é fácil encontrar coisas certas, coisas erradas" e, "nos últimos dias, até pessoas com responsabilidade a dizerem disparates", acrescentou, sem concretizar.