A carta entregue pelo cardeal D. Américo Aguiar no Parlamento vem reforçar a petição apresentada por associações de defesa de reclusos no ano passado. A proposta não foi recebida de forma unânime pelos partidos da Assembleia da República.
O cardeal e bispo de Setúbal, D. Américo Aguiar, entregou esta segunda-feira ao presidente da Assembleia da República uma carta que apela à amnistia para os reclusos, por ocasião do 50.º aniversário do 25 de Abril e do Jubileu 2025 da Igreja Católica.
José Sena Goulão/Lusa
"Podemos ter, como diz o Papa, um gesto de esperança e de confiança em relação àqueles nossos concidadãos que, em certo momento da sua vida, cometeram uma falha, cometeram um crime e estão a cumprir as consequências daquilo que foram os seus atos", disse o cardeal, em declarações à agência Lusa, esta segunda-feira.
O apelo vem na sequência do desejo expresso pelo Papa Francisco na bula de proclamação do jubileu ordinário do ano 2025, que teve por uma base uma mensagem de "esperança". "Proponho aos Governos que, no Ano Jubilar, tomem iniciativas que lhes restituam esperança: formas de amnistia ou de perdão da pena, que ajudem as pessoas a recuperar a confiança em si mesmas e na sociedade; percursos de reinserção na comunidade, aos quais corresponda um compromisso concreto de cumprir as leis", disse o líder da Igreja Católica.
A carta entregue à Assembleia da República vem também reforçar e chamar novamente a atenção para uma proposta entregue no Parlamento, em maio de 2024, pelas associações O.V.A.R. - Obra Vicentina de Auxílio aos Reclusos e a APAR-Associação Portuguesa de Apoio ao Reclusos, que tinha por base uma petição de amnistia penal com mais de 7.500 assinaturas, por ocasião dos 50 anos do 25 de Abril.
Apesar de já ter sido ultrapassado o prazo legal para agendamento da discussão da petição em plenário, a data pode vir a ser apresentada nos próximos dias. "Essa petição está à espera de agendamento para ser avaliada" e "nós vimos pedir que atendam a esse pedido", disse à Lusa D. Américo Aguiar.
"São dois assuntos que se juntam agora no mesmo interesse. A carta é um reforço muito positivo que o Papa Francisco veio dar no Ano Jubilar, vem reforçar o nosso pedido", diz à SÁBADO Carlos Rato, da APAR-Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso.
E acrescenta: "O 25 de abril continua, ainda há comemorações. Esperamos que antes do 25 de abril de 2025 haja uma decisão. É pena que ainda não tenha sido decidido, mas pode ser que venha daqui uma lei de amnistia mais abrangente".
Portugal regista cerca de 118 reclusos por mil habitantes, acima da média europeia que são 73 reclusos por mil habitantes. No total, estão presas mais de 12 mil pessoas no nosso País. "Portugal tem mais reclusos do que devia ter. (...) Isto aliado às condições de execução da pena, temos prisões completamente degradadas, o que faz com que as pessoas vivam em condições de indignidade," refere Carlos Rato.
Ao contrário do que aconteceu no âmbito da lei da amnistia aprovada durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), em 2023, a proposta apresentada pelo D. Américo Aguiar visa agora excluir o limite etário para perdão das penas "para que todos os cidadãos se sintam tratados de igual modo", disse, citado pela rádio Renascença.
A Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, previa a amnistia das "infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa". Além disso, estavam abrangidas pela lei "as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º".
"Crimes de sangue, crimes de violência muito significativa, [crimes] ligados ao narcotráfico" não são, por norma, cobertos por este tipo de medidas", afirmou esta segunda-feira o bispo, citado pela rádio Renascença.
Carlos Rato refere que a APAR defende que o perdão das penas deve ser para todos os reclusos. "No caso do perdão defendemos que deve ser aplicado a todos os reclusos. Concordamos que a amnistia seja só para crimes mais leves, que não sejam graves", diz à SÁBADO.
"O perdão tem a ver com o cumprimento de pena e as condições em que está a ser cumprida são para além do que devia ser. Faz todo o sentido que se possa perdoar um determinado tempo de prisão, na última amnistia foi um ano de prisão ou dois meses por cada ano condenados. Entendemos que não deve haver exclusões aqui", reforça.
Sobre o pedido apresentado no Parlamento pela Igreja Católica, o advogado Pedro Proença diz à SÁBADO: "Eu acho que não havendo nada protocolado entre Portugal e a Santa Sé, (não conheço, pode ser que haja), no que respeite ao costume de amnistiar quando há visitas papais, não faz sentido e não se enquadra na ideia de estado laico".
O especialista relembra ainda que a discussão em plenário não é sinónimo de que a lei da amnistia seja aprovada. "A iniciativa da petição obriga a Assembleia a discutir o assunto, mas "não quer dizer que tenham de aprovar".
"Se a petição for subscrita por mais de 7.500 cidadãos ou a Comissão aprovar parecer nesse sentido, é apreciada em Plenário da Assembleia", pode ler-se no site oficial do Parlamento.
No que diz respeito aos critérios apresentados, o advogado refere ainda: "Parece-me a mim que já estamos a entrar no campo do exagero. Tivemos uma amnistia por força da visita do Papa no ano passado e agora está-se a querer criar uma solução que permita um perdão muito genérico e muito abrangente, dentro de limites menos rigorosos que foram os anteriores, cujo objetivo é aliviar o sistema prisional e criar uma ideia de promoção positiva dos ideais de ressocialização à custa dessa amnistia".
E acrescenta: "Os tribunais conhecem as circunstâncias e as situações em que podem fazer uma redução da pena, é uma competência do estado, do sistema judicial. Estar a impor aos tribunais, com base em propósitos puramente religiosos, uma limitação no seu funcionamento é, na minha perspetiva, contrariar a ideia de estado laico (...).
A apresentação de propostas de lei que visem a amnistia não reúne unanimidade dos partidos portugueses. O Chega, IL e PAN afastam essa possibilidade e o PCP e o Bloco de Esquerda ponderam apresentar propostas.
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