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Como José Sócrates tentou adiar o seu julgamento uma e outra vez

Diogo Barreto
Diogo Barreto 18 de março de 2025 às 07:00
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Pedidos de escusa de juízes, invocação de inúmeras nulidades e apresentação de constantes requerimentos e reclamações junto dos órgãos judiciais atrasaram o arranque do julgamento. Mas agora já há uma data.

Mais de dez anos depois de ter sido detido no aeroporto de Lisboa, José Sócrates ficou a saber adata de arranque do seu julgamento: 3 de julho de 2025. Pelo caminho ficam pedidos de escusa de juízes, invocação de inúmeras nulidades e apresentação de constantes requerimentos e reclamações junto dos órgãos judiciais. Foi até acusado pelos juízes do Tribunal Relação de Lisboa (TRL) deprotelar de forma abusiva e ostensiva o processo para fugir ao julgamento.

Pedro Catarino/Correio da Manhã

Mas no dia em que ficou a ser conhecida a data do início do julgamento, Sócrates já disse que não o reconhecia. "Neste momento não existe nem acusação, nem pronúncia. Por essa razão não pode haver julgamento", indica no comunicado, assegurando que "o processo Marquês não ultrapassou ainda a fase de instrução". Esta não é a primeira vez (e talvez não será a última) em que tenta adiar o início do julgamento.

Manobras dilatórias

A 23 de março de 2023, o Tribunal da Relação deu razão a um recurso de Sócrates acerca do seu pedido de prorrogação dos prazos para recorrer e arguir irregularidades e nulidades da decisão instrutória, revogando um anterior despacho do TCIC que recusava a extensão dos prazos, por entender que deve ser concedido à defesa de José Sócrates o mesmo prazo de 120 dias para recorrer da decisão instrutória concedido ao Ministério Público (MP). Em janeiro de 2024, a Relação recuperou quase na totalidade a acusação do MP no processo Operação Marquês e determina a ida a julgamento de 22 arguidos por 118 crimes económico-financeiros.

Uma semana depois a defesa do ex-primeiro-ministro considerou que a decisão da Relação era nula e apelava pela redistribuição a um novo coletivo de juízes, justificando que duas das três juízas responsáveis pelo acórdão deixaram de pertencer à Relação de Lisboa em setembro - ao mudarem para as instâncias do Porto e de Guimarães, pelo que não teriam competência para assinar aquela decisão. Em abril a Relação declarava "totalmente improcedentes" os requerimentos da defesa de José Sócrates a invocar impedimentos e incompetência de duas juízas desembargadoras que proferiam o acórdão, validando a decisão de julgar o ex-PM por corrupção, branqueamento e fraude.

Uma das últimas tentativas de atrasar o processo ocorreu no final de maio de 2024 quando José Sócrates apresentou um requerimento de recusa dos desembargadores Francisco Henriques e Adelina Barradas de Oliveira. O antigo primeiro-ministro afirmava que Francisco Henriques tinha participado em dois julgamentos que nasceram de certidões extraídas da Operação Marquês por decisão do juiz de instrução Ivo Rosa e ainda que Adelina Barradas de Oliveira tinha intervindo na análise em conferência de uma reclamação de José Sócrates sobre a obrigação de apresentação quinzenal na GNR decidida pela primeira instância em julho de 2022. Por esse motivo, defendia, os juízes não podiam julgá-lo. 

O último reduto de Sócrates foi um recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) a propósito do incidente de recusa de dois desembargadores e um juiz conselheiro. A defesa do ex-primeiro-ministro rejeitava três juízes e na data em que o Supremo se preparava para tomar uma decisão final, a defesa invocou inúmeras nulidades e apresentava novos requerimentos e reclamações. Esta entrega obrigou o juiz conselheiro a consultar a Relação de Lisboa.

A justiça decretou que Sócrates não tinha razão, mas garantiu-lhe mais umas semanas. Na sequência deste episódio, o Supremo concluiu que "o arguido pretende atrasar o mais possível o trânsito em julgado na decisão proferida a 20 de junho de 2024 e, assim, obviar igualmente a que o processo que corre termos no Tribunal da Relação de Lisboa — no qual o incidente de recusa que deu origem no presente processo foi apresentado — prossiga os seus termos normais".

Os juízes conselheiros defenderam então que o socialista estava a tentar usar meios para impedir a execução da decisão de pronúncia para julgamento da Operação Marquês. E estava a ter sucesso.

O ex-primeiro-ministro alegava que a lei impunha que os dois desembargadores se declarassem impedidos. De seguida apresentou uma queixa no Supremo a dizer que os desembargadores não tinham independência para decidirem sobre o seu processo. Mas o Supremo sublinhou que nenhum dos processos era relativo ao processo da Operação Marquês, mas sim a outros autos, já que o processo foi dividido em quatro pelo juiz Ivo Rosa.

O desenlace

Tudo mudou quando foi aplicado o artigo 670.º do Código de Processo Civil (CPC) contra as manobras dilatórias pelo juiz desembargador Francisco Henriques. Os juízes da 5.ª Secção do STJ decidiram também então aplicar o artigo 670.º contra as manobras dilatórias, de forma a que a sua decisão seja executada de imediato e que qualquer outro incidente sobre a mesma matéria seja tratado num processo à parte.

Ainda em novembro o vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura (CSM), o juiz conselheiro Azevedo Mendes, criou um grupo de trabalho destinado a acompanhar a tramitação dos processos relacionados com a Operação Marquês. Justificava esta decisão como sendo uma "resposta ao intenso acompanhamento público deste caso e ao impacto que a demora processual pode ter na confiança dos cidadãos na Justiça". O grupo era composto pelos vogais do CSM, respetivamente Barradas Leitão, Ana de Azeredo Coelho e Tiago Pereira, e "foi designado pelo vice-presidente com o acordo dos próprios".

Em dezembro o Tribunal da Relação de Lisboa ordenou a descida imediata do processo da Operação Marquês para a primeira instância, livre de recursos, que ficam agora separados do processo para serem analisados à parte.

A decisão

A juíza Susana Seca, que vai presidir ao coletivo, marcou para 3 de julho o arranque do julgamento da Operação Marquês. A decisão foi tomada numa reunião que tinha sido marcada com as defesas, no Campus de Justiça, em Lisboa.

José Sócrates e o seu advogado não compareceram na sessão, por não reconhecerem legitimidade ao tribunal. O ex-primeiro-ministro garante estar em fase de recurso e não de julgamento. "Neste momento não existe nem acusação, nem pronúncia. Por essa razão não pode haver julgamento", indica no comunicado, assegurando que "o processo Marquês não ultrapassou ainda a fase de instrução" e, "por essa razão, não pode haver julgamento".

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