Pedidos de escusa de juízes, invocação de inúmeras nulidades e apresentação de constantes requerimentos e reclamações junto dos órgãos judiciais atrasaram o arranque do julgamento. Mas agora já há uma data.
Mais de dez anos depois de ter sido detido no aeroporto de Lisboa, José Sócrates ficou a saber adata de arranque do seu julgamento: 3 de julho de 2025. Pelo caminho ficam pedidos de escusa de juízes, invocação de inúmeras nulidades e apresentação de constantes requerimentos e reclamações junto dos órgãos judiciais. Foi até acusado pelos juízes do Tribunal Relação de Lisboa (TRL) deprotelar de forma abusiva e ostensiva o processo para fugir ao julgamento.
Pedro Catarino/Correio da Manhã
Mas no dia em que ficou a ser conhecida a data do início do julgamento, Sócrates já disse que não o reconhecia. "Neste momento não existe nem acusação, nem pronúncia. Por essa razão não pode haver julgamento", indica no comunicado, assegurando que "o processo Marquês não ultrapassou ainda a fase de instrução". Esta não é a primeira vez (e talvez não será a última) em que tenta adiar o início do julgamento.
Manobras dilatórias
A 23 de março de 2023, o Tribunal da Relação deu razão a um recurso de Sócrates acerca do seu pedido de prorrogação dos prazos para recorrer e arguir irregularidades e nulidades da decisão instrutória, revogando um anterior despacho do TCIC que recusava a extensão dos prazos, por entender que deve ser concedido à defesa de José Sócrates o mesmo prazo de 120 dias para recorrer da decisão instrutória concedido ao Ministério Público (MP). Em janeiro de 2024, a Relação recuperou quase na totalidade a acusação do MP no processo Operação Marquês e determina a ida a julgamento de 22 arguidos por 118 crimes económico-financeiros.
Uma semana depois a defesa do ex-primeiro-ministro considerou que a decisão da Relação era nula e apelava pela redistribuição a um novo coletivo de juízes, justificando que duas das três juízas responsáveis pelo acórdão deixaram de pertencer à Relação de Lisboa em setembro - ao mudarem para as instâncias do Porto e de Guimarães, pelo que não teriam competência para assinar aquela decisão. Em abril a Relação declarava "totalmente improcedentes" os requerimentos da defesa de José Sócrates a invocar impedimentos e incompetência de duas juízas desembargadoras que proferiam o acórdão, validando a decisão de julgar o ex-PM por corrupção, branqueamento e fraude.
Uma das últimas tentativas de atrasar o processo ocorreu no final de maio de 2024 quando José Sócrates apresentou um requerimento de recusa dos desembargadores Francisco Henriques e Adelina Barradas de Oliveira. O antigo primeiro-ministro afirmava que Francisco Henriques tinha participado em dois julgamentos que nasceram de certidões extraídas da Operação Marquês por decisão do juiz de instrução Ivo Rosa e ainda que Adelina Barradas de Oliveira tinha intervindo na análise em conferência de uma reclamação de José Sócrates sobre a obrigação de apresentação quinzenal na GNR decidida pela primeira instância em julho de 2022. Por esse motivo, defendia, os juízes não podiam julgá-lo.
O último reduto de Sócrates foi um recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) a propósito do incidente de recusa de dois desembargadores e um juiz conselheiro. A defesa do ex-primeiro-ministro rejeitava três juízes e na data em que o Supremo se preparava para tomar uma decisão final, a defesa invocou inúmeras nulidades e apresentava novos requerimentos e reclamações. Esta entrega obrigou o juiz conselheiro a consultar a Relação de Lisboa.
A justiça decretou que Sócrates não tinha razão, mas garantiu-lhe mais umas semanas. Na sequência deste episódio, o Supremo concluiu que "o arguido pretende atrasar o mais possível o trânsito em julgado na decisão proferida a 20 de junho de 2024 e, assim, obviar igualmente a que o processo que corre termos no Tribunal da Relação de Lisboa — no qual o incidente de recusa que deu origem no presente processo foi apresentado — prossiga os seus termos normais".
Os juízes conselheiros defenderam então que o socialista estava a tentar usar meios para impedir a execução da decisão de pronúncia para julgamento da Operação Marquês. E estava a ter sucesso.
O ex-primeiro-ministro alegava que a lei impunha que os dois desembargadores se declarassem impedidos. De seguida apresentou uma queixa no Supremo a dizer que os desembargadores não tinham independência para decidirem sobre o seu processo. Mas o Supremo sublinhou que nenhum dos processos era relativo ao processo da Operação Marquês, mas sim a outros autos, já que o processo foi dividido em quatro pelo juiz Ivo Rosa.
O desenlace
Tudo mudou quando foi aplicado o artigo 670.º do Código de Processo Civil (CPC) contra as manobras dilatórias pelo juiz desembargador Francisco Henriques. Os juízes da 5.ª Secção do STJ decidiram também então aplicar o artigo 670.º contra as manobras dilatórias, de forma a que a sua decisão seja executada de imediato e que qualquer outro incidente sobre a mesma matéria seja tratado num processo à parte.
Ainda em novembro o vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura (CSM), o juiz conselheiro Azevedo Mendes, criou um grupo de trabalho destinado a acompanhar a tramitação dos processos relacionados com a Operação Marquês. Justificava esta decisão como sendo uma "resposta ao intenso acompanhamento público deste caso e ao impacto que a demora processual pode ter na confiança dos cidadãos na Justiça". O grupo era composto pelos vogais do CSM, respetivamente Barradas Leitão, Ana de Azeredo Coelho e Tiago Pereira, e "foi designado pelo vice-presidente com o acordo dos próprios".
Em dezembro o Tribunal da Relação de Lisboa ordenou a descida imediata do processo da Operação Marquês para a primeira instância, livre de recursos, que ficam agora separados do processo para serem analisados à parte.
A decisão
A juíza Susana Seca, que vai presidir ao coletivo, marcou para 3 de julho o arranque do julgamento da Operação Marquês. A decisão foi tomada numa reunião que tinha sido marcada com as defesas, no Campus de Justiça, em Lisboa.
José Sócrates e o seu advogado não compareceram na sessão, por não reconhecerem legitimidade ao tribunal. O ex-primeiro-ministro garante estar em fase de recurso e não de julgamento. "Neste momento não existe nem acusação, nem pronúncia. Por essa razão não pode haver julgamento", indica no comunicado, assegurando que "o processo Marquês não ultrapassou ainda a fase de instrução" e, "por essa razão, não pode haver julgamento".
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui ,
para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana. Boas leituras!
Para poder adicionar esta notícia aos seus favoritos deverá efectuar login.
Caso não esteja registado no site da Sábado, efectue o seu registo gratuito.
O Estado português falha. Os sucessivos governos do país, falham (ainda) mais, numa constante abstração e desnorte, alicerçados em estratégias de efeito superficial, improvisando sem planear.
A chave ainda funcionava perfeitamente. Entraram na cozinha onde tinham tomado milhares de pequenos-almoços, onde tinham discutido problemas dos filhos, onde tinham planeado férias que já pareciam de outras vidas.