Comissão critica o "silenciamento continuado" a que as pessoas foram sujeitas. Homens sentem maior dificuldade em relatar os seus casos.
Em mais de dois terços dos casos, as vítimas nunca foram afastadas dos seus abusadores. É o que indica o relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais na Igreja, que foi divulgado esta segunda-feira, 13. "Na maioria dos casos não foi tomada qualquer medida de afastamento do abusador (65,8%), o que a deixa [à vítima] de novo em situação de desamparo e, como já visto, aumenta o risco de o mesmo adulto prosseguir de forma incólume com a sua atividade criminosa", indica o documento. "Nesse aspeto, é igualmente revelador, pela negativa, que só em 16,6% o abusador foi afastado da vítima."
Mariline Alves
Quando houve denúncia, a vítima recebeu crédito em 56,2% dos casos. Porém, viu a sua denúncia minimizada ou alvo de "controlo de danos" em perto de um quarto dos casos. E 6,8% das pessoas viram a sua denúncia ignorada, enquanto 8,3% não tiveram alguém a acreditar nelas e a 9,8% foi pedido que não falassem do caso.
E quanto mais novo, pior. "Quando a denúncia ocorre antes dos 18 anos de idade da pessoa abusada, são mais comuns os casos em que a mesma foi ignorada, desacreditada ou em que foi pedido silêncio, como se, afinal, a voz da criança não fosse suficientemente valorizada ou, como acontece em múltiplos casos descritos na literatura, simplesmente classificada enquanto 'mentira', 'invenção' ou através de outras expressões encontradas nesta população como o ter agido 'por inveja' ou 'maldade' em relação ao próprio agressor", indica o documento.
Aliás, a Comissão critica o "silenciamento continuado" a que as pessoas foram sujeitas. Já que 51,8% das pessoas tinha revelado o abuso antes de falar com os elementos da Comissão - o que também quer dizer que quase metade nunca o fez. O relatório conta que a idade média das vítimas é de 52 anos e, se o abuso foi até aos 18 anos, "o segredo ficou guardado muito tempo".
Quando decidiu falar sobre o que lhe tinha acontecido, 51,7% das pessoas revelou o abuso a familiares, 22,6% a amigos ou colegas, e 10,2% falaram com um padre. O psicólogo foi escolhido em 9,4% dos casos.
Em janeiro, aSÁBADOentrevistou Ângelo Fernandes, fundador da associação de apoio a vítimas de abuso sexual Quebrar o Silêncio, que destacou que com apoio especializado é possível ultrapassar o impacto do trauma causado pelo abuso sexual. Contou ainda que caso uma pessoa oiça uma denúncia de abuso sexual, deve "antes de mais deve agradecer-se o voto de confiança, dizer que a culpa não foi da pessoa e perguntar: ‘como é que posso ajudar’."
"Quando alguém diz ‘como é que te posso ajudar’, permite à vítima ter tempo para pensar e dizer aquilo de que precisa, como um abraço, ou ajuda a procurar apoio psicológico, mas é a vítima que decide o que vai acontecer", porque "é muito importante que estes homens tenham controlo no que se passa" - o que não aconteceu quando sofreu o crime.
Homens têm maiores dificuldades em contar abusos
Nas respostas dadas à Comissão, os homens disseram recear serem conotados "tendências homossexuais" caso falassem. "Mais facilmente se aceita que uma mulher se assuma como pessoa vulnerável, vítima de um abuso sexual, do que um homem, sobre o qual os valores da 'masculinidade hegemónica' (Vale de Almeida, 1995) lhe impõem um papel de controlo e domínio nas suas relações sociais, censurando fortemente outras identidades de género".
Aliás, as mulheres fazem a denúncia mais facilmente a familiares que os homens (59% vs. 49,4%). Quando decidem contar, os homens preferem fazê-lo ao cônjuge. Já as mulheres recorrem às mães.
Veja alguns testemunhos:
Quando contei à minha mãe, ela não acreditou e ainda pior, disse que eu era culpada! O companheiro da minha mãe também abusou de mim, aos 13 anos. F.
Essas situações aconteceram a todos os meninos que ajudavam na Igreja. O padre sabia, mas nunca fez nada para afastar o homem». Contou aos pais, não acreditaram: 'estão malucos!!'. E o pai deu-lhe 'com o cinto.M.
Uma vez confirmado o testemunho, o diretor pediu aos meus pais que por favor não falassem no assunto e que o colégio se comprometeria a afastar o professor das instituições de ensino da Ordem. Os meus pais consentiramM.
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