Os imigrantes salvam o Estado Social ou são um peso? Nem uma coisa, nem outra
Os estudos europeus que medem o impacto dos imigrantes nas contas públicas no longo prazo mostram que este pode ser positivo ou negativo, mas que será sempre pequeno. A idade, a fase da vida e as qualificações das pessoas estão entre os fatores que geram impactos diferentes. Estimativas, que escasseiam em Portugal, são difíceis de fazer.
Os imigrantes vêm para Portugal para viverem de subsídios, como tem sustentado o partido Chega, ou são apenas contribuintes que estão a salvar o Estado Social e as contas públicas, como argumenta, por exemplo, o Bloco de Esquerda? Em Portugal não há estudos feitos que permitam responder a esta pergunta, mas a investigação académica em vários países europeus dá uma resposta clara: os imigrantes não são um peso para as finanças públicas, nem são a sua salvação. O impacto global da imigração ao longo do tempo, muito difícil de estimar e sujeito a vários pressupostos, tende a ser pequeno na frente orçamental.
"O impacto é pequeno: pode ser positivo, em alguns estudos é negativo, mas em todos os casos é pequeno", diz à SÁBADO Ben Brindle, investigador do Migration Observatory da Universidade de Oxford, sobre os estudos no Reino Unido, incluindo os do seu observatório. Para "complicar as coisas", diz, os impactos tendem a diferir consoante a abordagem temporal feita nas análises - os estudos que são uma fotografia do momento presente, chamados de estáticos, geram resultados diferentes dos dinâmicos, que fazem uma estimação a longo prazo.
Estas diferenças entre abordagens geram sinais distintos, positivos ou negativos, sendo facilmente apropriáveis por grupos pró-imigração ou anti-imigração, nota em "Como funciona realmente a Imigração" o especialista Hein de Haas, professor da Universidade de Amesterdão, especializado na área. Vários estudos apontam, contudo, para efeitos globalmente pequenos, como refere Ben Brindle - pequenos a ponto de porem em causa o ângulo das finanças públicas no debate sobre imigração.
Uma investigação da economista portuguesa Ana Damas de Matos para a OCDE, um think tank de países desenvolvidos, conclui que o impacto orçamental dos imigrantes (quando comparados com a população nativa) em 25 países ocidentais entre 2006 e 2018 oscilou entre -1% e 1% do PIB (em Portugal, o efeito foi positivo). O impacto negativo foi, no entanto, encontrado numa minoria de países. "Mesmo contabilizando os custos partilhados [mais despesa nos serviços públicos, infraestruturas e transportes] as contribuições foram positivas em quase todos os países da OCDE", explicou num podcast da organização, em outubro passado.
Em Portugal conhece-se sobretudo uma versão de um estudo estático, feito pelo Observatório das Migrações, e que é usado com frequência no debate político: os imigrantes entregaram em contribuições sociais cerca de 1,86 mil milhões de euros em 2022 e obtiveram prestações sociais de 257 milhões, o que significa uma contribuição líquida positiva de 1,6 mil milhões de euros. Este contributo tem sido um dos motores principais do crescimento da receita contributiva e, indiretamente, da construção de excedentes orçamentais.
A abordagem mostra o impacto positivo no presente, ainda que não conte com uma série de fatores difíceis de estimar, como o impacto positivo na receita de impostos ou o impacto negativo nas prestações sociais em espécie (Saúde). A comunidade imigrante, contudo, fica no País durante vários anos e os estudos sobre esse impacto global, que inclui o ciclo de vida, em Portugal não existem.
Não são todos iguais
O facto de o impacto puramente orçamental ao longo do tempo ser potencialmente pequeno, "há diferentes impactos entre diferentes grupos", indica Brindle. O estudo da OCDE aponta que a idade dos imigrantes é um fator chave, relacionado com a sua participação no mercado de trabalho.
Ligado à idade está o ciclo familiar - a contribuição orçamental dos imigrantes é tipicamente positiva antes de terem filhos e negativa quando constituem família (e usam mais recursos públicos, tal como os naturais desse país), passando depois a ser positiva (o que terá ainda de incluir o impacto dos filhos na força de trabalho, que tende a compensar os gastos na sua educação e saúde, nota Hein de Haas).
As qualificações dos imigrantes, ligadas aos salários que recebem, são outro fator que os separa em grupos distintos. Um estudo do Office for Budget Responsability no Reino Unido, feito no ano passado, concluía que os trabalhadores com salários mais baixos têm um impacto total de longo prazo negativo (assumindo que se reformam e que ficam a viver no país), enquanto para os restantes a estimativa é positiva.
Como nota o relatório do Migration Observatory da Universidade de Oxford, o impacto negativo para quem tem salários mais baixos - tipicamente oriundo de países de fora da Europa, sendo que a rota da imigração é outro fator que diferencia os impactos - é medido puramente na vertente das contas públicas, não tem em conta o impacto da geração seguinte, que tende a ser tanto mais positivo quanto mais eficazes forem as políticas de integração dos imigrantes.
Ben Brindle explica que todos os estudos dinâmicos tropeçam na dificuldade de definir os pressupostos. "Avaliações de impacto são sempre altamente incertas devido à sua dependência de vários pressupostos que podem não verificar-se", refere o estudo mais recente do Migration Observatory. Alguns desses pressupostos são abalados pelas próprias políticas públicas dos governos, nota Ben Brindle.
Um desses pressupostos é a permanência dos imigrantes no país depois da reforma, quando o seu custo público (em Saúde, por exemplo) é maior. Os estudos que assumem essa permanência sugerem que, apesar de a imigração ser hoje importante para a Segurança Social, esse impacto se esbate ao longo do tempo - por outras palavras, a imigração por si só não salva, nem condena o Estado Social.
A vantagem de tentar estimar melhor os impactos de diferentes grupos de imigrantes estará, diz este especialista, em afinar políticas específicas de imigração e integração para esses grupos. Os estudos não captam dois efeitos importantes no Estado Social, sublinhados por Hein de Haas no seu livro: a contribuição dos imigrantes para os serviços públicos (no Reino Unido, por exemplo, são o pilar sobre o qual assenta o serviço público de Saúde); e o papel crucial que têm enquanto cuidadores dos mais velhos e de crianças.
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