No Mundo ao redor, existem hoje e no futuro desafios societais complexos onde o comportamento é essencial.
Passava das 23 horas da quarta-feira dia 10 de Outubro de 2018 quando, junto a uma das casas do projecto "É uma casa", se acordou a reunião da segunda-feira seguinte em que se concretizaria e operacionalizaria uma proposta apresentada pela Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) ao Secretário de Estado Adjunto e da Saúde (SEAS) para a criação de um programa nacional que, a partir dos contributos das ciências comportamentais, pudesse estudar, monitorizar e testar propostas para a melhoria das políticas públicas de saúde em Portugal.
O SEAS associou-se nesse dia à OPP numa visita à "Crescer" para assinalar o dia Mundial da Saúde Mental e a relevância e custo-efectividade de políticas públicas de promoção da intervenção comunitária de proximidade junto da população com maiores vulnerabilidades neste âmbito. Nesse final de tarde e noite, conhecemos 3 projectos da Associação com o director executivo (Américo Nave) e diferentes técnicas/os da sua empenhada equipa, parte das/os quais psicólogas/os: "É uma rua" que acompanha em proximidade pessoas que consomem substâncias lícitas e ilícitas e que se encontram em situações de extrema vulnerabilidade; "Marhaba" que promove a inclusão social e comunitária de população refugiada através da gastronomia; "É uma casa", projecto de housing first que promove a inclusão de pessoas em situação sem abrigo, contribuindo para a erradicação das situações crónicas de sem abrigo.
"Só uma casa o permite". Foi depois de visitarmos uma das então 34 casas deste projecto - onde havíamos ouvido que "ao início, não conseguia dormir deitado na cama do meu novo quarto" e a explicação "viva" que "quase 14 anos de rua são quase 14 anos de necessidade de vigilância constante e de impossibilidade de segurança" – que se acordou a reunião da segunda-feira seguinte. Acontece que - como também quase 14 anos antes quando a OPP esteve a dias de ser criada e tal só aconteceu 3 anos depois (2008) pela dissolução da Assembleia da República (2005) – na manhã desse domingo (14.10.2018) foi anunciada uma remodelação no Governo e a substituição do então Ministro da Saúde. Com a sua saída, saiu o SEAS e, também neste tema ficávamos a dias de algo que, curiosamente, também apenas 3 anos depois aconteceria pela insistentemente proposta e apenas recentemente constituída (Despacho 3027/2021) task force de ciências comportamentais aplicada ao contexto da pandemia de COVID-19. Conforme nos fora dito, "só uma casa o permite".
É certo que daquele Outubro ao actual Março não distam apenas 850 dias. Naquele Outubro, mesmo quem tivesse visto o hoje mediático vídeo de 2015 de Bil Gates ("O próximo surto – Não estamos preparados"), não preveria que vivêssemos hoje há mais de um ano numa pandemia com impactos múltiplos e significativos (incluindo já mais de 2.700.000 mortes no Mundo e mais de 16.700 em Portugal) na qual o comportamento das pessoas assume um papel fundamental. Hoje é mais claro, para decisoras/es e não apenas, a importância de estudar e compreender quais os factores que influenciam a tomada de decisão e o comportamento das pessoas e quão relevante para apoiar a tomada de decisão e o desenho de políticas podem ser indicadores desta natureza, bem como testar as melhores abordagens que favoreçam, facilitem e removam obstáculos da população à adopção de comportamentos que vão muito além da hoje indispensável correcta utilização da máscara ou da toma da vacina de inoculação do vírus que provoca a COVID-19. O SEAS reconhecia-a já em 2018 e talvez isso ajude a compreender porque o Centro Hospitalar de São João, a cujo conselho de administração hoje preside, seja apontado como exemplo na resposta à pandemia em Portugal, tenha um Serviço (autónomo) de Psicologia - superiormente coordenado pelo Eduardo Carqueja e exemplo na resposta aos utentes e profissionais (incluindo os de saúde) nesta grave crise - ou desenvolva hoje um inovador projecto piloto que permite a existência em permanência de um/a psicóloga/o no Serviço de Urgência, tão importante na estabilização emocional e comunicação com utentes e cuidadoras/es nos episódios de urgência.
A visão da importância das ciências comportamentais era já então (2018) partilhada por um conjunto de actores da sociedade civil. A OPP tinha constituído um think tank com psicólogas/os e outros profissionais para reflectir sobre as possibilidades da sua utilização em diferentes contextos e desafios da sociedade portuguesa e organizou já em 2019, com a Fundação Calouste Gulbenkian e com a Secretaria de Estado da Modernização Administrativa, um workshop para dirigentes de diferentes áreas da administração pública sobre benefícios e formas de utilização deste conhecimento. Alguns exemplos em Portugal de uma realidade que crescia e percorria o Mundo, desde a equipa que trabalhou a partir de 2009 na administração Obama, às equipas da Comissão Europeia e Banco Mundial, passando pela Behavioral Insights (BI) Team, inicialmente ligada ao governo britânico, a cuja equipa pertence o António Silva que connosco dinamizou esse workshop e que havia conhecido em 2017 na Sede desta equipa em Londres. A BI Team era (é ainda) um dos principais exemplos da utilização deste conhecimento em colaborações com governos e administrações em áreas como a Educação, Emprego ou Saúde e países como a Austrália, Canadá ou UK mas também em projectos de prevenção da corrupção na Colômbia, Nigéria ou Tanzânia ou de promoção da credibilidade das eleições no Bangladesh, apenas para dar alguns exemplos concretos de milhares de intervenções desta equipa Mundo fora que em 10 anos estimam, pela promoção da eficácia nas políticas públicas, impactos de cerca de 6 mil milhões de libras ("6 unicórnios"). Intervenções normalmente simples, cientificamente sólidas, testadas antes de escaladas, que contribuíram no Reino Unido para a redução de consumos de energia, prevenção do insucesso escolar ou das faltas a consultas agendadas, três exemplos claros de áreas em que em Portugal poderíamos melhorar significativamente com pequenos e muito custo-efectivos investimentos a partir da experiência e conhecimento das ciências comportamentais.
Conhecimento que - quando utilizado no melhor interesse e, portanto, quando promotor da autodeterminação das pessoas e comunidades (for good) e não sob a forma de "engenharia social", conforme por vezes se pretende utilizar – é uma poderosa e muito estudada ferramenta para melhorar o envolvimento dos cidadãos e a qualidade das políticas públicas. A criação em Portugal desta task force e a nomeação de uma equipa competente e motivada (que bem conheço e a quem desejo felicidades) para disponibilizar este conhecimento de forma planeada e organizada aos decisores é, a par do aumento da importância da literacia em saúde psicológica, do reforço das/os psicólogas/os nas Escolas e da criação do Serviço de Aconselhamento Psicológico na Linha SNS24, uma excelente notícia neste ano tão carregado de desafios e dificuldades. Uma boa notícia no presente e para futuro porque "é uma casa" para as ciências comportamentais. Uma casa, segura, sustentável, sem retrocesso... Porque, aqui e ali, no Mundo ao redor, existem hoje e no futuro desafios societais complexos onde o comportamento é essencial. Para lhes responderemos necessitaremos de decisoras/es mais informados pelas ciências comportamentais, particularmente a ciência psicológica, e de políticas (públicas) eficientes, eficazes e responsivas às pessoas, geradoras de confiança e promotoras da equidade, bem-estar e da coesão social.
Fazer a nossa parte depende de os cumprirmos, através das nossas acções, contributo para acções de quem nos rodeia e para instituições que assentem nesses valores e que tenham a confiança da população para os prosseguirem, mesmo nos períodos em que isso possa ser mais difícil e desafiante.
Ferramentas simples como programar envios de emails ou de outras comunicações ou agendar reuniões onde se parte de um memorando já feito ajudam a "despacharmos" trabalho e são um importante contributo que, se todos adoptássemos mais, apoiaria significativamente a possibilidade de conciliação de todos
É estranho que, nas inúmeras e longas reflexões que vejo serem realizadas sobre a quebra de resultados escolares das crianças e adolescentes em indicadores internacionais ou em provas de aferição, raras vezes se discutam os níveis de bem-estar e o impacto que têm no seu envolvimento, motivação, nas aprendizagens e no seu desempenho.
Os EUA e os seus períodos eleitorais nos últimos anos, particularmente os três que envolvem Donald Trump, são um profundo exemplo do impacto da empatia.
Quem, com mais alguns anos que eu ou mais ou menos da minha idade, assistiu à emergência do fenómeno das televendas, não esquece os inúmeros e pomposos anúncios a produtos que prometiam mudanças profundas da nossa vida.
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