Sábado – Pense por si

Tiago Pereira
Tiago Pereira Psicólogo e membro da direção da Ordem dos Psicólogos Portugueses
18 de dezembro de 2024 às 07:00

Um desejo para 2025? Protegermos e cumprirmos a universalidade dos Direitos Humanos

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Edição de 5 a 11 de agosto

Fazer a nossa parte depende de os cumprirmos, através das nossas acções, contributo para acções de quem nos rodeia e para instituições que assentem nesses valores e que tenham a confiança da população para os prosseguirem, mesmo nos períodos em que isso possa ser mais difícil e desafiante.

Construirmos mais Paz. Promovermos mais bem-estar para todas e todos. Um país mobilizado contra a violência doméstica. Foram estes os desejos que, aqui, partilhei e sobre os quais reflecti com quem me lê (leu) para 2022, 2023 e 2024, respectivamente. Para 2025? Para 2025 desejo que possamos mobilizar-nos para protegermos e cumprirmos a universalidade dos Direitos Humanos. 

No dia 10 de Dezembro passaram 76 anos sobre a Assembleia Geral das Nações Unidas que ratificou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Declaração que estabelecia e continua a estabelecer, com as alterações entretanto introduzidas, princípios universais de garantia da dignidade, segurança, liberdade e igualdade para todas as pessoas e que surgia como uma resposta, mesmo que não vinculativa, ao que representou de terrível a Segunda Guerra Mundial e como um manifesto com vista à tentativa de prevenção de que algo semelhante ou próximo pudesse acontecer. 

A declaração, particularmente na sua transposição para princípios e valores de um conjunto de Estados, acabou por reconhecer a importância dos Direitos Humanos enquanto base para a prevenção da guerra, para a justiça social e equidade e para a liberdade. Base, portanto, para construirmos mais Paz, promovermos mais bem-estar para todas e todos e prevenirmos todas as formas de violência, incluindo a violência doméstica. Base, ainda, para mais coesão social e para maior possibilidade de autodeterminação para todas as pessoas. 

Mas a declaração era, é e será, nas formas que venha a assumir, como que um "diamante em bruto". Sobretudo aspiracional e, necessariamente, à espera de, dia-a-dia e comunidade a comunidade, ser cumprida. E se durante algumas décadas o caminho foi sendo, embora paulatino e lento, nesse sentido, particularmente em alguns países e regiões, existem hoje um conjunto de indicadores que apontam para uma regressão, já de alguns anos e que parece tender a intensificar-se e aprofundar-se, da defesa cabal e intransigente da universalidade dos Direitos Humanos. A esta mudança e a este movimento não é alheio o aumento do autoritarismo no Mundo (e respectivo retrocesso nas Democracias plenas), o individualismo e a polarização, a quebra do multilateralismo, de coesão social e um conjunto de determinantes sociais e alterações sócio-económicas e de organização da sociedade, incluindo tudo o que se relaciona com o acesso e partilha de (des)informação e as novas tecnologias. 

Mais, não é alheio o não cumprimento de alguns anseios e expectativas da população, nomeadamente de bem-estar e perspectivas de futuro de alguns grupos populacionais, o agravamento da desigualdade e das iniquidades e uma quebra generalizada, em países onde se inclui Portugal, da confiança nas instituições, governos e, possivelmente, até nas outras pessoas, que muito fragiliza a sociedade e a coesão social. Para tudo isto muito contribui um tempo propicio à emergência de pessoas providenciais, normalmente bastante autocentradas, que aparentam pouca capacidade de empatia e compaixão e que prometem resolver os desafios mais complexos com soluções imediatas e simplistas, apelativas a muitas pessoas mas que invariavelmente têm uma constante: são contrárias à ideia de direitos humanos, seja porque retrocedem na igualdade de género e nos direitos das meninas, raparigas e mulheres, seja porque fragilizam a situação de populações deslocadas, refugiadas ou migrantes, seja porque interferem com direitos de pessoas com diferentes orientações sexuais, religiões ou pertenças comunitárias. 

Acontece que parte da complexidade do nosso Mundo vive das situações paradoxais da nossa existência. A nossa pulsão, por via da forma como processamos informação, tomamos decisões e dos nossos vieses, para o mais imediato, negativo e individual conflitua com o que sabemos sobre o quão a possibilidade de bem-estar individual depende da possibilidade de bem-estar colectivo. E, sendo isso verdade para o bem-estar, é-o também para a educação, para a saúde (pense-se a saúde pública) e para um sem número de áreas, tornando-nos pessoas e sociedades interdependentes em que a parte influencia o todo e é por ele influenciada e em que mais pessoas terem maior qualidade de vida resultará, sempre, em termos todos mais qualidade de vida potencial. 

É neste sentido que venho apelar a que possamos, em 2025 e sempre, fazer a nossa parte para protegermos a universalidade dos Direitos Humanos. E fazer a nossa parte depende de os cumprirmos, através das nossas acções, contributo para acções de quem nos rodeia e para instituições que assentem nesses valores e que tenham a confiança da população para os prosseguirem, mesmo nos períodos em que isso possa ser mais difícil e desafiante. Depende da nossa responsabilidade em não contribuir para a degradação e enfraquecimento das instituições e para a criação de contextos de (percepção de) insegurança ou de (percepção de) desorganização, bastante propícios ao surgimento de figuras - quase sempre as maiores contribuidoras para a criação desses contextos e que só neles ou deles podem emergir - que se propõem salvar a instituição que ajudaram a degradar, quando não o país ou o Mundo. Não precisamos de pessoas salvíficas, precisamos de juntos cumprir e contribuir para o cumprimento da universidade dos Direitos Humanos e de confiar, mais. Precisamos de um compromisso e de uma responsabilidade individual e colectiva, moral e ética, particularmente quando, repito, cumprir os Direitos Humanos é mais difícil e desafiante. Porque o quisemos e queremos para nós. Porque o quereremos para as nossas e nossos filhos e netos. 

Terminei o primeiro destes meus 98 artigos da rúbrica "Ao redor" escrevendo: "Aqui e ali, no Mundo, há em cada momento, em cada desafio, em cada crise ou realização, pessoas a interagir com o seu redor, sendo por ele impactadas e determinando-o. Pensemos neste espaço o que nos rodeia, singelo contributo para refletirmos como juntas/os podemos, a cada dia, ser mais resilientes e parte de uma sociedade mais coesa". Chamei-lhe "Nós e os nossos Mundos" e publiquei-o em Fevereiro de 2021. Evoco-o hoje, simbolicamente. Determinemos este nosso "ao redor" para por ele sermos impactados. Determinemo-lo a partir dos princípios e valores dos Direitos Humanos para por esses princípios e valores sermos impactados. Não por outros. Para, com eles e através deles, sermos mais resilientes e parte de uma sociedade mais coesa. 

Eu por aqui o procurei e procuro fazer. Eu por aí o procuro e procurarei fazer. 

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