Serei e seremos, em breve e pela segunda vez, mãe e pai. À constante pergunta que lhe é feita ("Como conseguirás conciliar tudo?") corresponde a constante ausência dessa mesma pergunta a mim.
No início de Março de 2020 caminhávamos para o primeiro dever de recolhimento obrigatório devido à pandemia COVID-19. Eram, na Ordem dos Psicólogos Portugueses, como em tantas outras organizações, os últimos dias até hoje em que todas/os trabalhávamos presencialmente em simultâneo. Aproximávamo-nos do Dia Internacional da Mulher e preparávamos uma iniciativa para o assinalar da qual resultaram fotografias das mulheres e homens da equipa, feitas por uma colega (obrigado!), sendo uma delas a que hoje "me mostra" nesta rubrica. Esses dias, simbolicamente, marcaram o início da inversão de um processo global que, ainda que (muito) lento e díspar, tinha já largos anos e era relevante por significativo em Portugal – o progresso no sentido da igualdade de género.
A (des)igualdade de género é, desde há muitas décadas, um importante desafio societal global com fortes implicações na possibilidade de bem-estar das mulheres (mas também dos homens e de toda a comunidade) e na coesão social das sociedades. Tema com forte componente emocional, não raras vezes polarizado(r) e exposto a atalhos ou enviesamentos, parte deles particularmente injustos e pouco compatíveis com a evidência científica, como é exemplo a generalização. Sobre ela disse Alexandre Dumas: "toda a generalização é perigosa, incluindo esta." Frase que ao expor a generalização não fundamentada e, simultaneamente, validar a fundada, toca duas recentes generalizações de homens mediáticos, desiguais nos dados que as suportam: a de Yoshiro Mori, ex-presidente do Comité Organizador dos Jogos Olímpicos de Tóquio, ao dizer (e por isso se demitir) que as reuniões com mulheres "levam muito tempo" porque "falam demasiado"; a de António Guterres, Secretário-Geral da ONU, ao escrever que a pandemia COVID-19 tem o "rosto de uma mulher".
Se não são amplamente referidos e discutidos estudos sobre o quão mais "palavrosas" são as mulheres face aos homens em reuniões, são-no os que apresentam e discutem dados sobre a desigualdade de género e os impactos desiguais da pandemia. Os que por cá demonstram que as mulheres são particularmente impactadas pela crise COVID-19 e pelas questões socioeconómicas a ela associadas, nomeadamente quando: as mulheres representam 82% das pessoas que requerem o apoio excepcional resultante do encerramento dos estabelecimentos educativos; existe maior precariedade e sobrerepresentação das mulheres em sectores mais atingidos pela crise, gerando maior perda de rendimento e de emprego; por estarem mais expostas a períodos de desemprego prolongado e ao desencorajamento associado, as mulheres "caem" mais em situações de inactividade, saindo do "radar" dos apoios. Mas também os que demonstram, Mundo fora, o impacto desigual da pandemia na produção científica; que apenas 1 em cada 15 pessoas têm uma mulher como líder política; ou que a prestação de cuidados não remunerados e as situações de violência, tráfico e exploração das mulheres aumentaram significativamente como aumentou o abandono escolar precoce feminino como consequência da pandemia. Finalmente outros revelam que, aqui e pelo Mundo, a força de trabalho na saúde, mas também na educação e na área social/comunitária, fortemente expostas e impactadas pela pandemia, é maioritariamente feminina e que, nesta crise que vivemos, as mulheres (face aos homens), apresentam maior sofrimento psicológico, ansiedade, stress e depressão. Crise que, não se limitou a impactar mais as mulheres, inverteu a recuperação a que se assistia, acrescentando mais desigualdade à desigualdade que existia, e mais anos ou décadas às décadas que ainda dista(va)m de caminho pela igualdade.
Nesta, como noutras crises, a recuperação do país e do Mundo implica recuperarmos as pessoas e recuperar as pessoas implica garantirmos-lhes mais condições e recursos (internos e externos) para lidar e enfrentar novos desafios e crises. Implica pessoas, mas também comunidades, países e um Mundo mais resiliente. Isto torna essencial que no esforço de recuperação se atente a vulnerabilidades específicas de grupos populacionais e se adopte uma atitude empenhada no sentido da diminuição das desigualdades, de género mas não apenas. Ao retrocesso com a pandemia deve corresponder um convicto investimento em 4 áreas essenciais à mitigação desta desigualdade: o investimento na educação, literacia e na saúde psicológica da população, garantindo o desenvolvimento de competências sócio-emocionais e maior abertura à/ao outra/o como princípio para uma sociedade mais equitativa, coesa e resiliente; legislação, que estimule a promoção da igualdade, mais suportada em ciência (e nas ciências comportamentais) e mais responsiva às múltiplas dimensões envolvidas na tomada de decisão (incluindo os enviesamentos cognitivos); maior reconhecimento da necessidade de compensação adequada do trabalho socialmente útil; e uma representação política e social igualitária.
Serei e seremos, em breve e pela segunda vez, mãe e pai. À constante pergunta que lhe é feita ("Como conseguirás conciliar tudo?") corresponde a constante ausência dessa mesma pergunta a mim. Reflicto, reflictamos, (n)o que isso impacta... (N)o que isso significa... Aqui e ali, no Mundo ao redor, há pessoas que, como eu, cresceram, desenvolveram-se e partilham a vida com mulheres (para si) muito importantes e relevantes (obrigado!). No meu caso, via acasos e escolhas, saí de uma Escola Secundária de nome Maria Lamas rumo a uma profissão (psicóloga/o) feita principalmente por e de mulheres, celebrando cada 8 de Março como uma oportunidade de dar a conhecer o que já se conquistou na igualdade de género, inspirando e motivando mais pessoas para este desafio e através dele para outros onde a desigualdade ainda vence. Mas... Porque só a ela o perguntam? Que a celebração deste dia sublinhe o caminho que ainda há por percorrer e incentive a que o percorramos, juntas/os.
Fazer a nossa parte depende de os cumprirmos, através das nossas acções, contributo para acções de quem nos rodeia e para instituições que assentem nesses valores e que tenham a confiança da população para os prosseguirem, mesmo nos períodos em que isso possa ser mais difícil e desafiante.
Ferramentas simples como programar envios de emails ou de outras comunicações ou agendar reuniões onde se parte de um memorando já feito ajudam a "despacharmos" trabalho e são um importante contributo que, se todos adoptássemos mais, apoiaria significativamente a possibilidade de conciliação de todos
É estranho que, nas inúmeras e longas reflexões que vejo serem realizadas sobre a quebra de resultados escolares das crianças e adolescentes em indicadores internacionais ou em provas de aferição, raras vezes se discutam os níveis de bem-estar e o impacto que têm no seu envolvimento, motivação, nas aprendizagens e no seu desempenho.
Os EUA e os seus períodos eleitorais nos últimos anos, particularmente os três que envolvem Donald Trump, são um profundo exemplo do impacto da empatia.
Quem, com mais alguns anos que eu ou mais ou menos da minha idade, assistiu à emergência do fenómeno das televendas, não esquece os inúmeros e pomposos anúncios a produtos que prometiam mudanças profundas da nossa vida.
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Brigitte e Emmanuel nada têm a ganhar com este processo que empestará ainda mais a atmosfera tóxica que rodeia o presidente, condenado às agruras políticas de um deplorável fim de mandato
Esta ignorância velha e arrastada é o estado a que chegámos, mas agora encontrou um escape. É preciso que a concorrência comece a saber mais qualquer coisa, ou acabamos todos cidadãos perdidos num qualquer festival de hambúrgueres