Os contactos laborais fora do horário de trabalho: Um elogio ao limbo
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Ferramentas simples como programar envios de emails ou de outras comunicações ou agendar reuniões onde se parte de um memorando já feito ajudam a "despacharmos" trabalho e são um importante contributo que, se todos adoptássemos mais, apoiaria significativamente a possibilidade de conciliação de todos
Quando em 1957 Leon Festinger cunhou o termo dissonância cognitiva, nomeou um fenómeno que todos sentimos e cujo entendimento é importante para nos compreendermos e compreendermos melhor o que e quem nos rodeia. A dissonância acontece quando se verifica uma incoerência entre aquilo que acreditamos e pensamos ser o mais correcto e aquilo que realmente praticamos. Já a dissonância cognitiva corresponde ao conflito e desconforto que se gera em nós quando somos confrontados com a necessidade de tomarmos decisões em que duas crenças ou atitudes nossas são conflituantes e, logo, não coerentes entre si.
Um ano antes, Festinger, com dois outros colegas, haviam publicado um interessante livro intitulado "When prophecy fails" [Quando a profecia falha] como resultado do acompanhamento próximo do "The seekers", um grupo que em Chicago fundou a religião "UFO" por crerem que, só assim, subsistiriam após o grande terramoto, seguido de um maremoto, que acreditavam que ocorreria no dia 21 de Dezembro de 1954 e destruiria os EUA. Essa profecia em forma de catástrofe não se cumpriu e o trabalho de seguimento pós 21.12.1954 dos membros do grupo permitiu-lhes estudar em detalhe como parte das pessoas reforçou a crença inicial na religião e a sua adesão e compromisso com o grupo, sustentando e racionalizando de formas diversas, entre as quais pelo seu próprio comportamento de adesão à religião UFO, o porquê de afinal não ter existido o grande terramoto que perspectivavam. Outros, porém, abandonaram o grupo, desconfirmando a sua crença inicial e deixando pistas para Festinger descrever diferentes formas de lidar e diminuir o que viria a apelidar de dissonância cognitiva.
Uma que sempre me fascinou, pelo seu lado simbólico, corresponde à forma como a igreja católica durante séculos resolveu a dissonância resultante da impossibilidade de acolhimento no céu de um bebé ou criança sem baptismo pela referência ao limbo, um lugar intermédio, de suspensão entre o céu e o inferno.
A comissão teológica internacional responsável pela alteração desta interpretação (apenas em 2007), subscrita pelo Papa Bento XVI, afirmou existirem "sérias razões teológicas para crer que as crianças não baptizadas que morrem se salvarão e desfrutarão da visão de Deus". Mas, se neste exemplo o fim do limbo correspondeu a uma outra forma de resolução da dissonância, sugiro, noutra área, que seja a introdução do limbo uma outra forma de resolução da dissonância: faço-o relativamente à área laboral e, mais especificamente, aos contactos e comunicações laborais fora do horário de trabalho.
A internet, o aumento da conectividade e, em muitas profissões e profissionais, do trabalho com pessoas e em equipas em diferentes fusos horários e, principalmente, dos nossos instrumentos de comunicação se confundirem com instrumentos de trabalho e nos seguirem para o nosso tempo não laboral, aumentou a probabilidade de uma relevante dissonância em contexto laboral: a nossa intenção de "despacharmos" assuntos, ainda que não urgentes, muitas vezes problemas, de nós para outras/os face a sabermos que não o devemos fazer em períodos em que essas outras e outros não estão em horário de trabalho. A forma tradicional de se resolver esta dissonância – quando existente porque em culturas organizacionais com poucos limites nem chega a existir - é a racionalização que se a outra pessoa está fora do horário de trabalho "não irá ver" essa informação/comunicação ou, numa alternativa mais sofisticada, "se vir não era a isso obrigada e foi porque assim desejou". Ora, convoco o limbo como uma outra forma, mais positiva creio, de resolver a presente dissonância.
A possibilidade de, de facto, "despacharmos" o trabalho, muitas vezes os problemas, de nós, porque o consideramos importante para nós, mas não os enviarmos nesse momento para outras pessoas, quando fora do seu horário de trabalho. Ferramentas simples como programar envios de emails ou de outras comunicações (face a enviar imediamente) ou agendar reuniões onde se parte de um memorando já feito, mas que aguarda feito por esse momento para ser comunicado, ajudam nesse sentido e são um importante contributo que, se todos adoptássemos mais, apoiaria significativamente a possibilidade de conciliação de todos. Seria um movimento de responsabilidade partilhada e de respeito de quem envia a mensagem ou comunicação não expor quem a recebe, ao mesmo tempo prevenindo a possibilidade de quem a recebe voltar a enviar para outra pessoa ou mesmo para quem inicialmente enviou, entrando-se num ciclo que (inter)fere (com) a saudável divisão entre tempo e espaço pessoal e familiar e laboral e que pode determinar a cultura de uma organização, estimulando a que diferentes pessoas na organização sintam que o correcto será contribuir para esse comportamento e ciclo, reforçando-o e naturalizando-o.
Mais, fazê-lo e fazermo-lo todos, acrescentaria mais e maiores oportunidades de reflexão, reorganização e de processamento mais profundo, porque este e estes "limbos" permitem um espaço para alterar ou ajustar algumas decisões e formas de comunicação que, estando nesse "limbo", podem ainda ser alteradas, prevenindo-se erros, respostas mais impetuosas, reactivas ou impulsivas e mais e maior oportunidade de co-construção.
Sei que o que proponho é contraciclico a uma sociedade e contemporaneidade que vive do hiperimediatismo, de desconfiança, de uma falaciosa associação entre produtividade e número e rapidez de comunicações a circular e realização de reuniões e da colocação da responsabilidade em factores e dimensões externas a nós. Tudo desactualiza demasiado rápido. Tudo tem de ser escrito, reescrito, assinalado, comentado e mostrado quem e quando errou. Tudo é responsabilidade de outras pessoas, do "sistema" ou de factores que não controlamos. Sei, porém, que estas características da nossa sociedade estão a pressionar-nos e a impactar negativamente o nosso bem-estar e a nossa coesão social.
A caminhar para o fim deixo esta simples e singela sugestão de que, na verdade, aqui e ali, no Mundo ao redor, mesmo num tempo em que deixamos de escrever cartas que demoravam dias a chegar à/ao destinatário, podemos todos beneficiar de introduzir mais limbo e limbos nas nossas comunicações em contexto laboral. Podemos todos beneficiar do tempo e espaço que esse limbo nos dará estando mais disponíveis para nós, para nos compreendermos melhor e para compreendermos melhor o que e quem nos rodeia. Para sermos mais pessoa e, assim, mais e melhores profissionais. Para contribuirmos para um Mundo melhor para todos.
Os contactos laborais fora do horário de trabalho: Um elogio ao limbo
Fazer a nossa parte depende de os cumprirmos, através das nossas acções, contributo para acções de quem nos rodeia e para instituições que assentem nesses valores e que tenham a confiança da população para os prosseguirem, mesmo nos períodos em que isso possa ser mais difícil e desafiante.
Ferramentas simples como programar envios de emails ou de outras comunicações ou agendar reuniões onde se parte de um memorando já feito ajudam a "despacharmos" trabalho e são um importante contributo que, se todos adoptássemos mais, apoiaria significativamente a possibilidade de conciliação de todos
É estranho que, nas inúmeras e longas reflexões que vejo serem realizadas sobre a quebra de resultados escolares das crianças e adolescentes em indicadores internacionais ou em provas de aferição, raras vezes se discutam os níveis de bem-estar e o impacto que têm no seu envolvimento, motivação, nas aprendizagens e no seu desempenho.
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