Sábado – Pense por si

Francisco Paupério
Francisco Paupério Investigador
08 de maio de 2025 às 07:00

Somos responsáveis por Gaza

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Edição de 5 a 11 de agosto

Podemos não ser nós a bloquear os corredores humanitários. Podemos não ser nós a impedir que a água e a eletricidade chegue a casa ou hospitais. Mas somos nós que temos voz, que temos liberdade e que temos o poder do voto. E nisso, há responsabilidade.

Nos livros de história ficará a nossa ausência. Quando os nossos filhos e netos perguntarem pelo que fizemos nesta guerra, que sejamos bem claros: "demasiado pouco". O conflito atual entre Israel e Palestina, que já dura há mais de um ano, tem neste momento um registo de mais de 50.000 palestinianos mortos. Entre estas mais de 13.000 crianças. Entre estas mais de 1.000 bebés assassinados. Não há desculpas para não parar este massacre a céu aberto, partilhado em imagens com demasiada qualidade.

Fomos assistindo desde Outubro de 2023 ao desenrolar desta nova guerra com os olhos cada vez mais desviados desta zona do conflito, não por crueldade mas por uma espécie de fadiga moral que se torna comum em todos os conflitos. Verificamos o mesmo comportamento na Ucrânia, ainda que com respostas bem diferentes por parte das lideranças europeias. A verdade é que as imagens vão-se repetindo, os números de mortos aumentando, as palavras "massacre", "civis, jornalistas" ou "crianças" perdem o peso que deviam ter porque se tornaram apenas ruído de fundo das nossas notícias. Mas a dor é real, sempre real para estas pessoas que têm de lidar com o seu dia-a-dia no sítio onde não pediram para nascer ou viver.

Podemos não ser nós a disparar os mísseis. Podemos não ser nós a bloquear os corredores humanitários. Podemos não ser nós a impedir que a água e a eletricidade chegue a casa ou hospitais. Mas somos nós que temos voz, que temos liberdade e que temos o poder do voto. E nisso, há responsabilidade. Responsabilidade por não ter conseguido impedir o mundo de chegar até este ponto. Por não termos conseguido levantar a voz com a força necessária, por termos aceite que se relativize o sofrimento humano dependendo do passaporte. Por não alterar o destino daquelas pessoas. Se não conseguimos defender o básico da política e dos direitos humanos, como realmente nos podemos sentir cidadãos e pessoas livres e íntegras? Temos de voltar a trocar o cansaço pela indignação e o cinismo pela esperança.

Não pode haver neutralidade possível em conflitos especialmente quando o sofrimento é tão desproporcional. Quando crianças e bebés morrem nos escombros das suas casas, não pode ser chamado de conflito. É uma tragédia, um horror e tem de ser parado. Ainda para mais, quando isto se repete diariamente e não vemos qualquer avanço humanitário, tudo isto se torna num fracasso colectivo. Não só das lideranças, muitas vezes ausentes, mas de todos nós que não lutamos o suficiente por vidas humanas, pela dignidade, pelo direito à vida. Devíamos sentir essa responsabilidade. Mesmo sabendo que não conseguimos mudar o mundo sozinhos. Este silêncio ensurdecedor e confortável das democracias europeias têm peso. Tem um peso que pesa mais que mil discursos, porque significa que normalizamos e aceitamos o inaceitável, o impensável. Que tratamos o conflito como uma inevitabilidade que não nos afeta. Não é preciso sermos especialistas em geopolítica para perceber que algo está profundamente errado neste conflito, que tudo parece desproporcional. Quando 70 por cento das habitações estão destruídas ou danificadas, quando vemos crianças a serem retiradas de escombros, quando vemos hospitais bombardeados. Os direitos destas pessoas não deviam ser dependentes de explicações políticas nem uma questão de opinião.

A faixa de Gaza mostra-nos que não é apenas um lugar distante. É um espelho da nossa condição humana e mostra-nos como acontecem as grandes atrocidades da nossa história. Mostra até que ponto conseguimos conviver com injustiças e ignorá-las. Por protecção ou por falta de empatia. O pedido que tenho neste momento é que o peso da nossa consciência colectiva e individual apareça o mais cedo possível e inverta este ciclo de violência.

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