Sábado – Pense por si

Francisco Paupério
Francisco Paupério Investigador
21 de maio de 2025 às 07:00

Dar um passo em frente

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Edição de 16 a 22 de setembro

Precisamos de mostrar a nossa presença, não com palavras mas com acções. Precisamos de gente comum que nos seus bairros e comunidades fazem já a diferença.

Podemos apontar todas as razões e mais algumas para perceber o que se passou no dia 18 de Maio. Podemos achar que os outros estão errados ou em lutas contraproducentes. Mas a verdade não deixa de ser uma: a esquerda perdeu o voto dos descontentes e não inspirou a população com nenhum projeto. A esquerda fala cada vez mais para dentro e pouco para o povo como fez no pré e pós 25 de Abril, em que estava na rua. Desistiu de as tomar, de andar nos bairros, de conquistar as cidades e de investir no interior. Desistiu de ouvir, de escutar. Tornou-se obsoleta desonrando toda a história da esquerda no nosso país. Passou a ser reativa em vez de proactiva. E é claro que as pessoas preferem o original à fotocópia. Neste momento, apenas 6 anos após a gerigonça, a direita tem as duas principais cidades do país, o governo das regiões autónomas e nacional, a presidência da república, os investidores externos e internos, projectos de comunicação social e mais de dois terços do parlamento, com poder para mudar a própria constituição. Já a esquerda acaba por ter sindicatos a definhar, pouca ou nenhuma presença nos órgãos de comunicação social e redes sociais e cada vez menos presença na rua. Não há milagres se as pessoas não nos vêem, nem entendem a nossa mensagem.

As razões para isto ter acontecido são diversas, mas nem por isso simples de reverter. Toda a gente procura explicar porque aconteceu, toda a gente tem razão no dia 19 de Maio depois de acontecer. Mas pouca gente fez para evitar, e pouca gente faz para não voltar a acontecer. E é aqui que entramos e que temos efetivamente poder. É no presente. E enquanto se discutem novas lideranças, reflexões e jogos políticos parlamentares,continuamos longe e bem longe das pessoas. Mostrar amor não é o mesmo que dizer o que é o amor. Dar esperança não é o mesmo que dizer para termos esperança. Inspirar e liderar não cabe apenas num vídeo de 7 segundos para o tiktok nem numa entrevista com o Guilherme Geirinhas (apesar de gostar muito do formato e declarando o meu conflito de interesse) onde dizermos qual é a nossa música preferida e onde tentamos parecer pessoas como os outros. Porque os políticos tornaram-se efetivamente pessoas diferentes, não representativas do dia-a-dia de uma pessoa. Temos políticos profissionais, muitas

vezes sem terem passado por qualquer experiência fora da política, a dizerem como é que o país funciona e deve funcionar. Muitos deles a viverem em 30km2 do território. Quando as elites políticas se afastam, deixam de representar quem as deve legitimar. O "não passarão" virou um "já passaram e continuam a passar". A extrema-direita atinge o seu máximo de eleição para eleição, e a estratégia tem de ser diferente. Não é preciso apenas factos para

derrotar a extrema-direita, também é preciso acção. E uma ação decisiva e coordenada. Que inspire e traga de volta a esperança ao país. Há uma sensação generalizada de abandono que alimenta todo o ódio e no qual se aproveitam os oportunistas.

Mas podemos dar a volta. Como tantos o fizeram no passado. Para isso precisamos de dar um passo à frente, mostrar a nossa presença, não com palavras mas com acções. Precisamos de gente comum que nos seus bairros e comunidades fazem já a diferença. Precisamos de rostos que não venham apenas com slogans, mas com prática, com ética e com a autoridade de quem já teve impacto. Pessoas reconhecidas pelos seus. Um movimento partidário e não partidário mas profundamente político no sentido mais nobre da palavra. Que traga o dinamismo e energia que está a faltar à esquerda. Que não tema a complexidade dos tempos, mas a enfrente com inteligência colectiva. Que escute! Que se organize localmente e como assembleias abertas, redes de apoio, plataformas de intervenção cívica por todo o território. Que traga pessoas de volta para a política não por serem "anti-sistema", mas por serem pró-comunidade e pró-democracia. Façamos em conjunto. O tempo de ficar à espera já passou, é tempo de organizar e mobilizar.

A esquerda esqueceu-se de que a política começa nas escolas, nos hospitais, nos mercados, nos cafés. E quantos mais tivermos nestes sítios, mais musculada será a nossa Democracia. A extrema-direita nasce e cresce quando as pessoas são abandonadas e se sentem sozinhas, a esquerda cresce precisamente com a união e sentido de comunidade. Neste momento crítico saibamos deixar os palanques e passemos à participação, com menos promessas e mais presenças. Menos ódio e mais futuro.

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