Sábado – Pense por si

Francisco Paupério
Francisco Paupério Investigador
29 de janeiro de 2025 às 07:35

Enfiar a cabeça no buraco

O problema acaba por ser esse mesmo. A forma como os governantes portugueses sucessivamente se encontram "tranquilos" com as suas acções e decisões.

Por estes dias temos assistido a vários políticos do PSD a enfiar a cabeça no buraco, a negar números oficiais e a vender as suas percepções. A realidade, apesar de dura, tem o hábito de desmentir sempre quem não a respeita. Sendo já vítima deste fenómeno, seria esperado que alterasse a sua forma de governar e comunicar, mas quando o buraco é tão grande, fica difícil de sair do mesmo. O primeiro a conseguir foi Hernâni Dias, até então secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, e é o primeiro a cair deste governo do PSD apesar de tantos casos e casinhos, caindo com estrondo. Na sequência de várias investigações pela Procuradoria Europeia, sendo suspeito de receber contrapartidas, acaba por ser a nova Lei dos solos a colocar o último prego no caixão. Hernâni Dias, que tutela a área desta nova lei, criou duas empresas que viriam a beneficiar com a introdução desta lei, mesmo antes da mesma ser aprovada. O curioso é que diz estar "de consciência tranquila". O problema acaba por ser esse mesmo. A forma como os governantes portugueses sucessivamente se encontram "tranquilos" com as suas acções e decisões.

Esta nova Lei dos solos acaba por introduzir alterações significativas no regime de ordenamento do território, havendo a possibilidade de reclassificar terrenos rústicos para urbanos, permitindo construções em áreas que anteriormente eram destinadas exclusivamente a actividades agrícolas ou florestais. O objectivo pretendido pelo governo seria o de aumentar o parque habitacional, especialmente a habitação pública com arrendamento acessível ou habitação a preços mais reduzidos. Estando nós habituados a desconfiar das percepções dos governos face à realidade e impacto das suas medidas, mais uma vez surgiram contradições entre o que está na Lei e o que é comunicado. Inicialmente, o governo da AD anunciou que a reclassificação destes terrenos estava condicionada à obrigatoriedade de destinar parte das construções a arrendamento a preços acessíveis. E claro, no diploma final aprovado, essa exigência foi removida. Argumenta também que estas alterações poderão reduzir em cerca de 20% o preço das novas casas nas áreas metropolitanas e capitais de distrito. Olhando para o seu recente de "sucessos" como o da garantia pública e redução de imposto para jovens na compra de casa, onde a realidade acabou por dar razão aos críticos da medida (que por acaso são especialistas), podemos esperar, mais uma vez, que a realidade irá desmentir a nossa liderança política. Para além de ter efeitos contrários no preço das casas com o aumento da especulação imobiliária, não há implementação nem salvaguardas necessárias para prevenir potenciais impactos ambientais negativos, aumentando a degradação ambiental.

Não parece haver defensor desta nova Lei dos solos fora do Governo, e sabendo que quem tutela e desenhou é apanhado num esquema destes, não será tempo de colocar um travão na mesma? Tal como Hernâni diz ter sempre pautado pela "responsabilidade, correção e rigor", não será mesmo tempo de fazer uso das suas palavras? Este governo, de visão curta e mãos largas para os interesses certos, demonstra sucessivamente não se interessar pela realidade e pelos portugueses. A verdade é que esta lei não resolve absolutamente nada. Não cria habitação acessível, não contribui para a protecção ambiental e de recursos naturais e apenas piora o planeamento urbano. Portugal sempre teve uma relação péssima com o seu território, mas parece que podemos ainda atingir um ponto ainda mais baixo. E toda esta discussão mostra que, às vezes, não é preciso uma tempestade ou incêndio para devastar o território, basta uma lei. Não há ninguém dentro do governo com coragem para alertar para tudo isto, ou são todos Hernâni Dias?

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