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Pornografia. Passaporte digital vai limitar acessos em Espanha

Medidas semelhantes deverão ser implementadas em toda a UE até 2027. Governo espanhol fala de "sistema fácil", mas críticos apontam invasões de privacidade.

Espanha vai avançar com um passaporte digital para confirmar a idade de utilizadores que queiram aceder a páginas de pornografia na internet, anunciou esta segunda-feira o governo do Pedro Sánchez (PSOE). A medida é patrocinada por José Luís Escrivá, ministro da Transformação Digital, que garantiu no dia seguinte aos jornalistas que "a única coisa" que se pede "aos adultos é que se identifiquem com um sistema que é muito fácil", mediante acusações da direita de uma tentativa de invasão de privacidade.

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"Espanha será o primeiro país do mundo onde a masturbação diária será ilegal", disse pelo Telegram o deputado Alvise Pérez, do movimento de extrema-direita Acabou-se a Festa - uma das vozes da oposição a esta medida anunciada há meses mas em relação à qual só agora se conhecem os detalhes técnicos. O objetivo, diz o governo, é impedir - ou dificultar - o acesso de menores de idade à pornografia, sem invadir, no processo, a privacidade dos adultos que queiram fazê-lo dentro do quadro legal.

Para tal, o passaporte, batizado de Carteira Digital Beta, consiste numa aplicação que, após verificar a identidade do utilizador, confere-lhe mensalmente 30 credenciais anónimas que certificam que é maior de idade, cada uma das quais pode ser carimbada dez vezes no momento do acesso a uma página de pornografia - o que equivale a um total de 300 acessos mensais.

Quando a validade das credenciais expirar ou o utilizador tiver apenas 3 credenciais remanescentes, pode voltar a aceder à aplicação para reidentificar-se como maior de idade - o que significa, na prática, que a medida não impõe limites mensais de acesso à pornografia por utilizador. Com um novo pedido, "todo o lote ativo até esse momento é eliminado para evitar a sua utilização e a acumulação de credenciais desnecessárias", disse o ministério da Transformação Digital, o que, mantém, preserva a privacidade do utilizador.

O governo espanhol espera que o sistema esteja completamente implementado até ao final do verão, altura em que os sites de pornografia deverão ter operacional um mecanismo de confirmação e carimbo destas credenciais, sob pena de deixarem de poder continuar a operar em território espanhol. Ainda não é claro, no entanto, sob quem recairá a responsabilidade de bloquear o acesso a quem não apresentar o passaporte: os próprios sites, as operadoras de internet (que já pediram para não o fazer) ou as grandes tecnológicas, como a Google, a Apple, a Meta e a Microsoft, que ainda estão em reuniões com o executivo para definir uma abordagem.

A iniciativa, que deverá ser implementada em alguma versão em todos os países-membros da União Europeia até ao final de 2027, não deixa de levantar questões quanto à privacidade do utilizador, já que o seu funcionamento básico - semelhante às atuais "wallets" que permitem guardar bilhetes de cinema ou de avião - permitiria aos Estados saber a identidade dos consumidores de pornografia. Importa salientar, no entanto, que várias identidades conseguem já averiguar o IP - portanto, a identidade - destas pessoas: operadoras, empresas de VPN, sistemas operativos e parceiros que partilhem "cookies".

Além disso, há diversas formas de contornar as proibições, seja através da utilização de uma VPN, que permite o acesso à internet a partir de um servidor estrangeiro, seja através de outras plataformas que, não sendo exclusivamente dedicadas à pornografia, permitem-na nas suas fronteiras: o WhatsApp, o Telegram, o Reddit ou o X (Twitter), que recentemente sancionou oficialmente os conteúdos pornográficos no seu espaço digital. O governo espanhol, que reconhece estes problemas, espera trabalhar de perto com as plataformas para que estas denunciem o consumo de pornografia por menores.

Ainda que descrita pelo governo como "pioneira", Espanha não é de longe o primeiro país a tentar implementar este tipo de iniciativa - um esforço que não tem tido um histórico de sucesso pelo mundo fora. Sistemas de reconhecimento facial ou de apresentação de cartões de crédito sem custos (como foi tentado pelo Reino Unido) levantam ainda mais pertinentes questões de privacidade; na Itália, a restrição de páginas pornográficas em telemóveis em nomes de menores não os impediu de utilizar os aparelhos dos pais; nos EUA, a proibição integral de sites pornográficos em alguns estados fez disparar o uso de VPNs. 

Em abril, sites como o Pornhub, o XVideos ou o Stripchat passaram a ter de cumprir a Lei dos Serviços Digitais em toda a União Europeia, que inclui obrigações como a submissão de relatórios de avaliação de risco, o combate à pirataria nos anúncios e a obediência de regras de transparência. O modo como a restrição de menores será implementada no espaço europeu permanece, no entanto, uma incógnita.

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