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“Os nossos mundos foram destruídos.” Pais dos bebés assassinados falam em tribunal

Lucy Letby assassinou sete bebés e tentou assassinar outros seis. Enfermeira acabou condenada a prisão perpétua.

As famílias dos bebés que foram assassinados e atacados por Lucy Letby falaram no tribunal de Manchester, Reino Unido, sobre o impacto que a enfermeira causou às suas vidas. Letby foicondenada a prisão perpétua, sem possibilidade de liberdade condicional, por ter assassinado sete bebés e tentado matar outros seis.

REUTERS/Phil Noble

As declarações foram feitas antes da condenação da enfermeira que se recusou a comparecer em tribunal para ouvir os testemunhos sobre o sofrimento causado às famílias.

Mãe dos gémeos

Os gémeos foram atacados em junho de 2015, tendo o bebé A (a identidade das vítimas foi preservada em tribunal sendo estas designadas por letras do alfabeto) morrido a 8 de junho desse mesmo ano. A enfermeira tentou matar a sua irmã, bebé B, 28 horas depois.

"Achou que tinha o direito de brincar a Deus com a vida dos nossos filhos", afirma a mãe num comunicado. "As nossas mentes estão tão traumatizadas que não nos deixam recordar a noite em que mataram o nosso filho". "Depois de perdermos [o Bebé A], ficámos cheios de medo pela sua irmã [Bebé B]. Estamos muito gratos por termos tido esse medo por ela, pois isso salvou-lhe a vida... havia sempre um membro da nossa família ao seu lado a vigiar."

"Mal sabíamos que estava à espera que saíssemos para poder atacar", acrescentou. "Pensaste que podias entrar nas nossas vidas e virá-las do avesso, mas nunca vencerás. Esperamos que tenhas uma vida muito longa e que passes todos os dias a sofrer pelo que fizeste", terminou a mãe na sua declaração.

Mãe do bebé C

A mãe deste bebé recordou a emoção que sentiu quando pegou no seu filho pela primeira vez. Chamava-lhe "o meu menino pequenino e cheio de garra". Este bebé foi assassinado no dia 14 de junho de 2015.

Após a sua morte, usava uma imagem dos seus pés e da sua mão ao pescoço, mas quando descobriu que Letby foi detida sentiu-se em conflito, pois tinha sido esta que lhe tirou as impressões digitais. "Saber que o seu assassino estava a observar-nos era algo saído de uma história de terror", afirma. "Não há nenhuma sentença que se compare à agonia excruciante que sofremos como consequência das suas ações".

Mãe do bebé D

A bebé D foi assassinada a 22 de junho de 2015. A sua mãe insistiu em obter respostas mas foi-lhe dito que não era um assunto de polícia.

"Sentia muito a falta da [Bebé D]. Estava desesperada por senti-la, cheirá-la, abraçá-la. Estava desesperada para a manter em segurança", afirma a mãe. Esta mencionou que perdeu a confiança "como mulher, como amiga, como esposa", e disse que o seu casamento sofreu. "Por vezes, tem sido difícil mantermo-nos unidos, desde que o [bebé D] faleceu, vivo atrás da minha própria sombra".

Mãe dos bebés E e F

Letby assassinou o bebé E a 4 de agosto de 2015, e tentou matar o seu irmão 24 horas depois.

A mãe dos gémeos disse que a família estava a "viver com uma sentença de prisão perpétua por causa dos crimes de Letby". Referiu que o filho sobrevivente tinha ficado com necessidades após o ataque devido a sequelas, e que ainda tem medo de o deixar sozinho. "Os nossos mundos foram destruídos quando encontrámos o mal disfarçado de enfermeira atenciosa", afirma a mãe da criança.

Quando Letby foi identificada pela primeira vez como suspeita de homicídio, ela e o marido sentiram-se "enganados, iludidos e completamente destroçados". Esta descreveu a ausência de Letby do tribunal como "apenas um último ato de maldade de uma cobarde".

Pai do bebé G

A bebé G ficou gravemente incapacitada. A enfermeira foi considerada culpada de tentativa de homicídio por duas vezes, em setembro de 2015. "Todos os dias sentava-me ali e rezava, rezava a Deus para que a salvasse. E ele salvou-a, ele salvou-a, mas o diabo encontrou-a", disse o pai.

A bebé G é agora cega, tem paralisia cerebral e escoliose progressiva. O pai referiu que a criança precisa de muitos cuidados e que a mãe só dorme cerca de duas horas por noite.

"Vemos outras famílias e os seus filhos a pescar, a jogar futebol e outras coisas que não podemos fazer, ela nunca vai ter uma festa do pijama, ir para a escola, ter um namorado, casar", diz. "O estado dela afeta todos os aspetos da nossa vida."

Mãe do Bebé I

A bebé I estava alerta, satisfeita e a alimentar-se bem antes de morrer, disse a mãe. A família estava a planear levar a filha para casa quando lhes disseram que ela colapsou, a 23 de outubro de 2015.

"Ela era a nossa princesinha linda e nem consigo explicar a dor que sentimos quando a perdemos", afirmou a mãe.

A mãe referiu que quando lhe foi dito que alguém tinha sido presa por estes crimes toda ela tremeu. "Ficámos ambos destroçados por alguém ter feito algo tão mau à nossa preciosa menina", acrescentou.

Nos últimos seis anos, tem feito terapia e tomou medicamentos para conseguir lidar com a morte da filha. "Estivemos em lugares muito sombrios mentalmente."

Após a morte da Bebé I, o casal teve outra filha que nasceu prematura e com sépsis, mas a mãe referiu que achou incrivelmente difícil voltar a uma unidade neonatal. Recusou-se a sair do lado da filha até a mesma regressar a casa.

"Lutámos contra a confiança. Não deixo os meus filhos num hospital. Nunca mais vamos dar a ninguém esse tipo de confiança com os nossos filhos. Acho que nunca vamos ultrapassar o facto de a nossa filha ter sido torturada até não ter mais forças para lutar", diz. "Uma parte de nós morreu com ela."

Pai dos bebés L e M

A enfermeira Letby tentou matar os gémeos no início de abril de 2016. O pai disse que a imagem do seu filho a desmaiar ficou "para sempre gravada" na sua mente.

A família foi inicialmente informada pelos médicos de que os acontecimentos eram "normais para bebés prematuros", disse o pai. "Mal sabíamos nós que cerca de um ano após o seu nascimento a polícia viria bater à porta e dar a notícia de que poderia tratar-se de um caso de tentativa de homicídio."

Foram-lhe receitados antidepressivos, que "apesar de terem ajudado, nunca poderiam tirar os sentimentos que tenho como pai", mencionou.

Durante o julgamento, disse que um dia teve de se sentar na linha de visão de Letby, e afirmou que a mesma estava sempre a olhar para ele. "Isso fez-me sentir bastante desconfortável e inquieto e tive de mudar de lugar à tarde, para ficar fora do campo de visão dela."

Mãe do bebé N

Letby tentou assassinar o bebé em junho de 2016. "O dia em que fomos chamados à unidade neonatal foi o pior dia das nossas vidas", disse a mãe.

A mãe referiu que sempre soube que o seu filho tinha sido deliberadamente ferido: "Não sei se foi um instinto de mãe, mas eu simplesmente sabia". "Questionámo-nos porque é que um bebé saudável estava bem num minuto e a sangrar da boca e a precisar de reanimação no minuto seguinte."

Disse que se sentiu "feliz e aliviada" quando a polícia os contactou para dizer que estavam a investigar Letby. "Sentimos que estávamos a ser ouvidos", comenta.

A família continua a ter uma câmara no quarto do filho, agora com sete anos, para o poderem vigiar enquanto dorme. "Somos extremamente protetores", disse. "Queríamos que ele fosse educado em casa porque não queríamos que mais ninguém tomasse conta dele."

Pais dos bebés O e P

Os pais tiveram trigémeos. Dois dos irmãos foram assassinados em 23 e 24 de junho de 2016.

Estes prestaram declarações através de um vídeo pré-gravado, reproduzido em tribunal. "Comecei a culpar-me", disse a mãe, "pensei que tinha passado uma doença a todos os três rapazes - uma infeção".

Após a morte de Baby P, Letby parecia "inconsolável" disse a mãe, que chegou a agradecer à enfermeira na altura. Mencionou que odeia o facto de Letby ter sido a última pessoa a pegar nos seus filhos ao colo.

O pai dos rapazes falou sobre o facto de ter visto o bebé O deteriorar-se e morrer. "Foi horrível ver, é uma imagem que nunca esquecerei", disse. O mesmo referiu que sofreu esgotamentos mentais e que se debatia com o álcool e com sentimentos suicidas, e é classificado como doente de longa duração.

"A raiva e o ódio que tenho em relação a Letby nunca se vão embora", disse o pai. "Continuará a assombrar-nos e terá sempre um impacto nas nossas vidas, destruiu-me como homem e como pai."

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